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Documentário abre janela para as áreas "mais selvagens e violentas" da Cisjordânia

Hanamel Dorfman, 21, ao lado dos destroços de uma casa que foi demolida por autoridades israelenses no assentamento judaico de Yishuv Hadaat, na Cisjordânia - Uriel Sinai/The New York Times
Hanamel Dorfman, 21, ao lado dos destroços de uma casa que foi demolida por autoridades israelenses no assentamento judaico de Yishuv Hadaat, na Cisjordânia Imagem: Uriel Sinai/The New York Times

James Glanz

Em Yishuv Hadaat (Cisjordânia)

25/05/2016 06h01

Com cabelos que descem da touca de tricô até os ombros, Hanamel Dorfman, um jovem colono israelense radical, explica de modo trivial diante da câmera que os postos avançados assentados no topo de colinas, como o dele, continuarão proliferando por toda a Cisjordânia. De lá, diz ele abertamente, os israelenses cruzarão o rio Jordão e começarão a construir do outro lado.

Lembrado de que além do rio há outra nação soberana, a Jordânia, Dorfman diz com um olhar inabalável: "Tudo é temporário".

A declaração surpreendente é feita em uma das últimas cenas de "The Settlers" [Os colonos], um documentário do cineasta israelense-americano Shimon Dotan, que abre uma rara janela para o recluso e politicamente explosivo movimento "juventude das colinas".

O filme, que estreou no Festival Sundance em janeiro e seria exibido pela primeira vez em Israel na noite da última segunda-feira (23), sugere que o grupo quase marginal de hippies religiosos é subestimado quanto à sua capacidade de influenciar a política israelense e frustrar qualquer possibilidade de paz com os palestinos.

Dotan nasceu na Romênia, migrou para Israel quando menino e mudou-se para Nova York em 1995. Ele me apresentou a Dorfman e a outros colonos durante uma visita recente a Yishuv Hadaat, que é pouco mais que um grupo de casas móveis, uma sinagoga improvisada e alguns brinquedos de playground no alto de um morro.

Também fomos ao posto avançado próximo de Esh Kodesh --que significa "fogo sagrado"--, onde vários moradores nos receberam em sua sinagoga, mas um deles perseguiu nosso grupo em um carrinho de golfe e expressou forte descontentamento por nossa chegada sem pedir permissão.

Dorfman, 21, me disse que o governo de Israel é ilegítimo porque não governa com base nas leis da Torá. "Ele fica em seu lugar numa patética tentativa de sobrevivência", afirmou.

Ele contou que foi preso diversas vezes, mas não por algum ataque importante aos palestinos. Sua ideologia ecoa o manifesto de um novo grupo de jovens colonos judeus extremistas que as autoridades de segurança de Israel revelaram no ano passado.

O filme de Dotan faz a crônica do surgimento do primeiro movimento de assentamento depois que Israel capturou a Cisjordânia da Jordânia em 1967, incluindo as ideias e o zelo religioso que o alimentaram, e explora seu último elemento radical: a juventude dos morros.

Eles são apenas uma fração dos mais de 400 mil judeus israelenses que vivem na Cisjordânia ocupada, mas objeto de crescente preocupação por serem acusados pela extrema violência na região, como um incêndio criminoso no verão passado que matou um bebê e seus pais na aldeia de Duma.

11.mai.2016 - O cineasta israelo-americano Shimon Dotan no assentamento judaico de Esh Kodesh, na Cisjordânia - Uriel Sinai/The New York Times - Uriel Sinai/The New York Times
O cineasta israelo-americano Shimon Dotan no assentamento judaico de Esh Kodesh, na Cisjordânia
Imagem: Uriel Sinai/The New York Times

"The Settlers" é uma das primeiras visões em "close" dos motivos e das personalidades de um grupo que raramente se abre para fora. Embora os líderes colonos da corrente dominante denunciem a violência e tentem se distanciar dos jovens radicais das colinas, Dotan vê esses colonos como a decorrência natural do movimento original.

"Os que o empurram adiante são os jovens das colinas", disse ele. "E me parece uma direção muito perigosa."

Muitas vezes pintados como baderneiros sem educação, os jovens do filme parecem rudes, mas contidos --um americano como eu poderia chamá-los de urbanos--, usando atos de desafio e violência para alcançar suas metas. Há também uma aura romântica: Dorfman, com seus longos cachos laterais, barba crespa e óculos sem aro, parece mais um John Lennon de olhar duro que um militante em campo.

Em certa altura do filme, um colono com um violão canta o sucesso de Bob Marley "No Woman No Cry" em uma mistura de inglês e hebraico, sentado junto de uma fogueira.

Mas também há expressões de racismo virulento, uma glorificação da violência e o desejo de substituir o Estado de Israel moderno por um reino bíblico em plena escala, que se estenderia até o Iraque.

Em uma cena em Esh Kodesh, Pinhasi Bar-On, 25, fala brincando com várias crianças sobre seus problemas jurídicos, perguntando a elas se o acompanharão em suas escapadas quando crescerem.

"O que vocês farão junto comigo?", pergunta Bar-On, como se ensinasse uma classe de pré-escolares.

"Bater nos árabes", diz uma criança.

"Sim", disse Bar-On, com aprovação.

Dotan, 66, cujos filmes anteriores incluem um longa-metragem baseado em um romance de David Grossman ("The Smile of the Lamb", de 1986) e um documentário filmado dentro das prisões israelenses ("Hot House", 2007), disse que decidiu explorar os assentamentos porque os considera uma ameaça interna a Israel.

Viver no exterior há décadas intensificou seu sionismo ao ver o Estado judeu pelos olhos de um expatriado.

"Se antes eu tinha uma forte convicção de que o Estado de Israel é provavelmente a coisa mais importante para os judeus no mundo inteiro", explicou, "isso ficou absolutamente claro para mim depois de passar algum tempo fora de Israel."

Ele disse que entrevistou mais de cem pessoas em toda a Cisjordânia e em Israel para o filme e que levou meses para ter acesso aos postos avançados mais radicais, onde tentou deixar que os jovens contassem sua história com suas próprias palavras.

11.mai.2016 - Menina olha pela janela no assentamento judaico de Esh Kodesh, na Cisjordânia - Uriel Sinai/The New York Times - Uriel Sinai/The New York Times
Menina olha pela janela no assentamento judaico de Esh Kodesh, na Cisjordânia
Imagem: Uriel Sinai/The New York Times

"Seu mundo é mais distante do meu do que o de qualquer outro indivíduo no filme", disse ele. "Com aqueles caras, sinto-me completamente desconectado. Eles justificam as mortes e o assassinato de não judeus, ponto final."

Como narrador, acrescentou ele, "essa lacuna que eu senti provavelmente me atraiu mais para eles do que a outros".

As forças de segurança israelenses agiram recentemente para prender os elementos mais violentos dos jovens das colinas, mas várias cenas do filme sugerem que os militares às vezes ficam confusos com o fanatismo dos jovens ou talvez não desejem intervir.

Dotan disse que em certo ponto sua equipe de filmagem foi atacada e o equipamento roubado, enquanto soldados israelenses olhavam. (Ele disse que fez uma queixa criminal, mas que a polícia depois lhe informou que foi recusada por falta de evidências.)

Dorfman parecia nervoso ao nos mostrar Yishuv Hadaat, onde vivem cerca de dez famílias. Ele disse que sua touca foi feita por sua mãe, que vive em um assentamento perto de Jerusalém.

Ele usava calças de trabalho pretas estampadas com uma imagem estilizada de Meir Kahane, o rabino extremista que foi assassinado, com a legenda "Deus vingará seu sangue".

Outra colona mostrada no filme de Dorfman é Matti Blumberg, que vivia em Esh Kodesh na época e aparece na tela assediando agricultores palestinos que tentam cuidar de seus campos e oliveirais perto do posto.

"Talvez um dia vamos cuidar dessas árvores", diz Blumberg.

Dotan pergunta: quem determinou que esta terra é sua?

"Para começar, foi Deus", responde ela. "Está escrito explicitamente na Bíblia: 'Toda a terra que vocês enxergarem'."