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Em cidade espanhola, Twitter é usado para marcar consulta médica e até chamar polícia

O prefeito Jose Antonio Rodriguez Salas trabalha no smartphone em seu escritório em Jun, na Espanha - Laura Leon/The New York Times
O prefeito Jose Antonio Rodriguez Salas trabalha no smartphone em seu escritório em Jun, na Espanha Imagem: Laura Leon/The New York Times

Mark Scott

Em Jun (Espanha)

10/06/2016 06h02

Em abril, quando nasceu a filha de José Antonio Rodríguez Salas, Martina, ele, como muitos novos pais orgulhosos, usou uma rede social para dar a notícia.

Mas Rodríguez Salas, o prefeito de Jun, uma pequena cidade no sopé da serra próxima a Granada, no sul da Espanha, não divulgou a mensagem em sua própria conta no Twitter. Em vez disso, ele escreveu uma curta mensagem de @martinajun, uma conta que ele criou na rede social para o bebê, dizendo: "Eu acabo de nascer".

Para os mais de 400 mil seguidores de Rodríguez Salas no Twitter, seus atos não foram surpresa. Isso porque o político espanhol passou a maior parte dos últimos cinco anos transformando Jun (pronuncia-se "run"), cuja população é de pouco mais de 3.500, em um dos mais ativos usuários do Twitter no mundo.

Para os habitantes da cidade, mais da metade dos quais têm contas no Twitter, a principal maneira de se comunicar com as autoridades locais hoje é a rede social. Precisa consultar o médico? Mande uma mensagem rápida para marcar horário. Viu algo suspeito? Mande um tuíte para a polícia de Jun.

A população ainda pode usar os métodos tradicionais, como preencher formulários na Prefeitura, para conseguir serviços públicos.

Mas Rodríguez Salas disse que ao efetuar a maior parte das comunicações da cidade pelo Twitter ele não apenas economizou em média 13% por ano, ou cerca de US$ 380 mil (R$ 1,28 milhão), do orçamento local desde 2011, como também criou uma democracia digital cujos residentes interagem online quase diariamente com as autoridades locais.

"Todo mundo pode falar com todo mundo, sempre que quiser", disse Rodríguez Salas em seu escritório, rodeado de parafernália do Twitter. "Estamos no Twitter porque é onde as pessoas estão."

Ao incorporar a rede social a todos os aspectos da vida cotidiana --até o cardápio do almoço na escola local é enviado pela rede--, esta cidade espanhola se tornou uma bancada de testes de como as cidades poderão eventualmente usar as redes sociais para oferecer serviços públicos.

"Jun faz parte de um grupo de ilhas de inovação no setor público", disse Arthur Mickoleit, um pesquisador que até recentemente era assessor de governança digital na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos), em Paris. "Eles estão utilizando as redes sociais para melhorar os serviços públicos."

16.mai.2016 - Um monumento ao Twitter no centro de Jun, na Espanha - Laura Leon/The New York Times - Laura Leon/The New York Times
Um monumento ao Twitter no centro de Jun
Imagem: Laura Leon/The New York Times

A adoção do Twitter por Jun não aconteceu da noite para o dia.

Rodríguez Salas, um político de carreira, foi eleito prefeito de Jun em 2005 --um ano antes da fundação do Twitter--, depois de servir como vice-prefeito.

Em 2011 ele pediu que todas as autoridades da cidade, desde seu vice até o varredor de rua, abrissem contas na rede social e enviassem mensagens sobre suas atividades diárias. O objetivo, segundo ele, era criar maior responsabilidade e transparência no governo de Jun. O prefeito acrescentou que preferiu o Twitter ao Facebook porque permite interações mais rápidas.

Autoridades de Jun também começaram a pedir que os moradores verificassem suas contas no Twitter na Prefeitura --um processo relativamente simples de checar suas identidades junto ao governo para garantir que suas demandas sejam respondidas online.

As autoridades começaram com serviços básicos como a manutenção pública, permitindo que os moradores tuitassem quando vissem uma luminária de rua quebrada ou uma via precisando de limpeza.

Rodríguez Salas disse que essas atividades geraram boa vontade entre os moradores, que no início abriram contas no Twitter esporadicamente. Mas desde 2013 a atividade online se tornou quase universal, conforme as pessoas viam seus vizinhos usarem o serviço.

María José Martínez, a chefe de informática do município, também deu cursos no centro comunitário para ensinar o uso do Twitter, como enviar mensagens direitas e usar o hashtag certo durante as campanhas locais.

Um hashtag que os moradores usaram recentemente foi #EndesaMeEstresa (a Endesa me estressa), para salientar problemas com a Endesa, a companhia pública de energia elétrica.

Depois que a empresa foi confrontada com os tuítes irritados de Jun, rapidamente solucionou os blecautes, disse Rodríguez Salas. Uma porta-voz da Endesa não quis comentar.

"Podemos checar se eles estão realmente trabalhando ou não", disse Paco Castellano, um morador que há pouco tempo abriu uma conta no Twitter, principalmente para verificar a atuação das autoridades.

Rodríguez disse que essas interações tornaram a cidade mais eficiente, justamente quando o orçamento de Jun, como o de muitas cidades espanholas, está sob pressão. Suas autoridades raramente recebem telefonemas ou visitas de pessoas pedindo ajuda, disse ele.

16.mai.2016 - O policial Justo Ontiveros também usa o Twitter na sua delegacia, nos arredores de Jun, na Espanha - Laura Leon/The New York Times - Laura Leon/The New York Times
O policial Justo Ontiveros também usa o Twitter na sua delegacia, nos arredores de Jun
Imagem: Laura Leon/The New York Times

O uso do Twitter também reduziu a necessidade de alguns empregos. Jun cortou sua força policial em três quartos, para apenas um oficial, logo depois que recorreu ao Twitter como principal meio de comunicação, quando os moradores começaram a tuitar potenciais problemas diretamente para o prefeito.

"Não temos um policial", disse Rodríguez Salas. "Temos 3.500."

Jun não passou despercebida no Twitter. Dick Costolo, que foi o executivo-chefe da empresa até 2015, visitou-a no último verão, deixando a marca de suas mãos no cimento abaixo de um obelisco que sustenta o logo do Twitter, um pássaro azul.

O MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), com financiamento do Twitter, analisou como os moradores da cidade se beneficiaram com o uso da rede social. Jun não recebe dinheiro do Twitter para usá-la.

Para Justo Ontiveros, o único policial que restou em Jun, esses benefícios são claros. Hoje ele recebe até 20 mensagens, na maioria privadas, de moradores com preocupações que vão de como preencher formulários até relatar crimes como agressão doméstica e excesso de velocidade.

Ontiveros disse que suas interações no Twitter lhe deram maior visibilidade na comunidade e também um maior nível de satisfação pessoal, pois os moradores hoje costumam pará-lo na rua para discutir coisas que ele publicou no Twitter.

"Dá às pessoas mais poder de vir falar comigo sobre seus problemas", disse Ontiveros, cuja conta do departamento no Twitter tem mais de 3.500 seguidores.

Mas a dependência do Twitter em Jun não foi aceita por todos. Alguns moradores questionam se uma empresa de capital aberto como o Twitter deveria ter permissão para fornecer serviços ao governo.

"Um município deveria se orgulhar de ter cortado sua folha de pagamentos ou terceirizar serviços para uma companhia internacional?", indagou Richard Rogers, um professor de novas mídias na Universidade de Amsterdã.

Para José María de la Torre Sarmiento, um arquiteto, a oportunidade de enviar mensagens rapidamente ainda é preferível a apresentar formulários que muitas vezes demoram semanas para ser processados.

"Eu trabalho em casa e uso serviços da internet o tempo todo", disse ele durante o processo de verificação de cinco minutos. "Por que não posso fazer a mesma coisa quando uso os serviços públicos?"