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EUA descobrem que soldado de foto icônica da Segunda Guerra não estava na imagem

Em 23 de fevereiro de 1945, o fotógrafo Joe Rosenthal registrou o momento em que fuzileiros navais colocam uma bandeira no topo do monte Suribachi, durante a Batalha de Iwo Jima, uma das mais sangrentas da Segunda Guerra Mundial, contra o Japão - Joe Rosenthal/AP
Em 23 de fevereiro de 1945, o fotógrafo Joe Rosenthal registrou o momento em que fuzileiros navais colocam uma bandeira no topo do monte Suribachi, durante a Batalha de Iwo Jima, uma das mais sangrentas da Segunda Guerra Mundial, contra o Japão Imagem: Joe Rosenthal/AP

Michael S. Schmidt

Em Washington (EUA)

24/06/2016 06h00

Uma investigação interna pelo Corpo de Fuzileiros Navais concluiu que, por mais de 70 anos, foi identificado erroneamente um dos homens na famosa foto da bandeira sendo erguida em Iwo Jima, durante uma das batalhas mais sangrentas da Segunda Guerra Mundial.

A investigação descobriu que o soldado Harold Schultz era um dos seis homens na foto ganhadora do prêmio Pulitzer. E determinou que o médico da Marinha, John Bradley, cujo filho escreveu um livro best-seller sobre o papel de seu pai no hasteamento da bandeira e que foi transformado em um filme dirigido por Clint Eastwood, não estava de fato na foto.

Schultz, um funcionário dos Correios que morreu em 1995 aos 70 anos, nunca reconheceu publicamente que estava na foto. Segundo sua enteada, ele discutiu o assunto apenas uma vez com sua família, o mencionando brevemente certa noite, durante um jantar no início dos anos 1990, enquanto conversavam sobre a batalha de Iwo Jima.

"Minha mãe estava distraída e não estava ouvindo quando Harold disse: 'Eu fui um dos que ergueram a bandeira'", disse sua enteada, Dezreen MacDowell, em uma entrevista por telefone na quarta-feira (22). "Eu disse: 'Minha nossa, Harold, você é um herói'. E ele disse: 'Não, eu fui um fuzileiro.'"

"Depois de ter dito aquilo, ficou claro que ele não queria falar a respeito", ela disse. "Ele era uma pessoa do Meio-Oeste bastante modesta. Ele já estava doente e morreu dois ou três anos depois."

A investigação foi iniciada em resposta a questões levantadas no ano passado pelos produtores que trabalhavam em um documentário, "The Unknown Flag Raiser of Iwo Jima" (O hasteador desconhecido da bandeira de Iwo Jima, em tradução livre), que será exibido nos Estados Unidos em 3 de julho no Smithsonian Channel, naquela que é apenas a mais recente controvérsia em torno da foto.

Ela foi tirada em 23 de fevereiro de 1945 por Joseph Rosenthal, da agência de notícias Associated Press, enquanto os fuzileiros combatiam os japoneses na ilha estrategicamente importante no Pacífico.

Poucos dias depois, a imagem apareceu nas primeiras páginas de importantes jornais nacionais, transformando-se rapidamente em um símbolo dos sacrifícios que os membros das Forças Armadas americanas estavam dispostos a fazer. No final, 6.800 militares americanos foram mortos na ilha, e a imagem se tornou a inspiração para o Memorial de Guerra do Corpo de Fuzileiros Navais em Arlington (Virgínia), que retrata seis figuras de 10 metros nas mesmas posições que os homens na foto.

Mas em 1946, o Corpo de Fuzileiros Navais realizou uma investigação semelhante em resposta às alegações de que a corporação tinha identificado erroneamente um dos homens que ergueram a bandeira, concluindo que o homem na extrema direita da foto era, na verdade, Harlon Block, não Henry Hansen. (Ambos morreram em Iwo Jima.)

Nas décadas que se seguiram, o Corpo de Fuzileiros Navais e Rosenthal passaram a rebater as acusações de que a foto tinha sido encenada.

Matthew Morgan, um fuzileiro aposentado que trabalhou para a produtora o programa, a Lucky 8 TV, disse que contatou o Corpo de Fuzileiros Navais no ano passado citando evidências de que os homens na foto tinham sido identificados erroneamente.

Morgan disse que, inicialmente, a corporação não se interessou em analisar a alegação. Mas, em janeiro, a produtora forneceu ao historiador-chefe da corporação, Charles Neimeyer, evidências detalhadas que corroboravam o argumento de identidade errada.

Outras fotos dos homens em Iwo Jima naquele dia, juntamente com a análise pericial delas, mostravam que o uniforme e armas que Bradley estava usando eram diferentes dos usados pelo homem identificado como sendo ele na foto. Tecnologia de reconhecimento facial empregada nas fotos também mostrou que o homem não era Bradley.

"Ao longo dos anos, pessoas alegavam estar na foto, mas não havia nada mais que a palavra delas para sustentar isso", disse Neimeyer. "Eu pensei que talvez tivessem razão."

Em março, o comandante do Corpo de Fuzileiros Navais, o general Robert B. Neller, nomeou um general três estrelas reformado para liderar um painel de outros oficiais comissionados e não comissionados da corporação, da ativa e reformados, incluindo Neimeyer, para investigar a foto.

O painel começou se reunindo secretamente no mês seguinte, nos escritórios da corporação em Quantico (Virgínia), onde examinou meticulosamente a foto de Rosenthal. Após seis dias, o painel votou por unanimidade no endosso da conclusão de que foi Schultz, e não Bradley, que participou no erguimento da bandeira.

O papel de Bradley naquele dia estava no centro do livro "A Conquista da Honra", coescrito por seu filho James, que foi publicado em 2000 e esteve na lista de best-sellers do "New York Times" por 46 semanas. Mas em maio, pouco depois da revelação pública de que o Corpo de Fuzileiros Navais estava investigando a foto, James Bradley disse que não mais acreditava que seu pai, já falecido, estivesse na imagem.

Ele disse que seu pai participou de um hasteamento anterior de bandeira e que equivocadamente acreditou ser o registrado por Rosenthal. Bradley se recusou a participar do documentário, segundo Morgan.

Bradley, que não respondeu a um e-mail pedindo um comentário, disse em maio que se convenceu disso em 2014 após ler um artigo no "The Omaha World-Herald" que contava como historiadores amadores descobriram a identificação equivocada. Mas ele disse que levou um ano para examinar as evidências no artigo, pois estava trabalhando em um livro sobre o Vietnã e depois adoeceu.

Dias depois de a foto ser tirada em 1945, Schultz sofreu ferimentos em seu braço e estômago, sendo enviado de volta para casa. Vários meses depois, Schultz, que era originalmente de Michigan, foi dispensado do Corpo de Fuzileiros Navais.

O governo federal o ajudou a arrumar um emprego em Los Angeles como separador de correspondência nos Correios. Ele permaneceu solteiro até os 60 anos, quando se casou com a mãe de MacDowell, que era vizinha de seu apartamento e com a qual compartilhava uma sacada. Mas não chegou a morar com ela e raramente discutia seu tempo nas Forças Armadas, segundo MacDowell.

Neller disse em uma declaração por escrito que "apesar da imagem de Rosenthal ser um ícone e importante, para o Corpo de Fuzileiros Navais não se trata dos indivíduos e nunca se tratou".

Ele acrescentou: "Dizendo de forma simples, nosso espírito de luta está capturado naquela imagem e ela continua sendo um símbolo das realizações tremendas de nossa corporação. O que fizeram juntos e o que representam continua sendo o mais importante. Isso não muda."

O Corpo de Fuzileiros Navais agora realizará as alterações onde se refere àqueles que ergueram a bandeira, substituindo o nome de Bradley pelo de Schultz.

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AFP