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Ele fugiu da Síria para não ser preso, mas acabou morando em uma cadeia

Omar Nabhan, 27, e sua mulher, Chena Kabane, 26, fugiram da guerra civil na Síria e hoje vivem em um campo de refugiados que funciona em uma antiga prisão na Holanda - Dmitry Kostyukov/The New York Times
Omar Nabhan, 27, e sua mulher, Chena Kabane, 26, fugiram da guerra civil na Síria e hoje vivem em um campo de refugiados que funciona em uma antiga prisão na Holanda Imagem: Dmitry Kostyukov/The New York Times

Nina Siegal

Em Haarlem (Holanda)

30/06/2016 06h00

Quando o Exército sírio tentou recrutá-lo à força, Omar Nabhan, 27, enfrentou uma opção terrível: tornar-se um soldado numa guerra em que ele não queria entrar ou enfrentar a prisão. Então ele e sua mulher decidiram fugir de Aleppo, onde viviam.

Portanto, é um destino cruel que, depois de atravessar o mar Egeu em um barco que quase virou, caminhar pelos Bálcãs e chegar até a Holanda, eles finalmente estejam vivendo em uma prisão, de qualquer modo.

O casal está entre as mais de 300 pessoas que buscam asilo e foram alojadas em De Koepel, uma das 13 ex-prisões e cadeias que a Holanda está usando para abrigar migrantes e refugiados enquanto seus pedidos são processados.

Longe do ideal, a reforma de prisões desocupadas para servir de abrigos foi aceita inicialmente como uma resposta de emergência à súbita chegada de migrantes e refugiados da Síria, do Irã, da Eritreia, do Afeganistão e de outros países, no final do ano passado.

Mas tornou-se cada vez mais polêmica, pois o tempo de espera por uma casa e o processamento dos pedidos de asilo se estende por meses. Para os críticos e alguns dos abrigados nas antigas cadeias, a solução provisória assumiu um ar de permanência e a sensação de um verdadeiro encarceramento.

"As prisões obviamente não oferecem a sensação de privacidade e independência para preparar para a integração na sociedade holandesa", disse Jasper Kuipers, vice-diretor do Conselho Holandês para Refugiados, um grupo de defensoria financiado em parte pelo governo. "Não são adequados a isso."

Quando cerca de 58 mil migrantes chegaram à Holanda, no ano passado, o país não tinha abrigos suficientes para todos, disse em uma entrevista o secretário de Estado para Segurança e Justiça, Klaas Dijkhoff. Ele examinou várias opções, incluindo escritórios vazios e acampamentos com barracas.

Mas, ao contrário de quase qualquer país, a Holanda tem um excedente de celas de prisão desocupadas devido à queda das taxas criminais e vinha até alugando celas para outros países, como Bélgica e Noruega.

Quando os solicitantes de asilo chegaram, em uma onda de mais de 1 milhão de migrantes que entraram na Europa no ano passado, os centros de detenção vazios pareceram uma opção prática, disse Dijkhoff.

"Na época, o influxo era tão grande que quando no final do dia tínhamos camas suficientes para as pessoas que chegavam ficávamos orgulhosos", disse ele.

Se as prisões "não são instalações cinco estrelas", acrescentou Dijkhoff, elas têm alguns "claros benefícios", incluindo cozinhas e quartos privativos.

Em muitas delas, "há até academia de ginástica ou uma quadra externa para jogar futebol ou outros esportes, o que não existe em um prédio de escritórios reformado, por exemplo", disse ele. "E na maioria das vezes elas têm mais espaço."

Em um dia recente, Nabhan, que era engenheiro em uma firma de segurança, e sua mulher, Chena Kabane, 26, estavam sentados em seus beliches, digitando em seus smartphones com a pesada porta de aço que lhes dá um pouco de privacidade mantida aberta, para que pudessem usar a internet sem-fio.

Nos últimos cinco meses, quando Kabane queria tomar banho, Nabhan montava guarda para que homens não entrassem. O casal não pode cozinhar sua própria comida, recebe porções aquecidas em micro-ondas. Eles não puderam dormir na mesma cama. Ele coloca seu colchão no piso, ao lado do beliche dela.

Mas eles tentaram se manter felizes e otimistas.

"No início parecia uma prisão, apesar de sermos livres para entrar e sair", disse Nabhan. "Mas ao ver as pessoas que estão ficando em barracas percebemos que tivemos sorte."

Refugiados vivem em antiga prisão na Holanda - Dmitry Kostyukov/The New York Times - Dmitry Kostyukov/The New York Times
Hossien Rezaie, do Afeganistão, e sua mulher vivem em um campo de refugiados que funciona dentro de uma antiga prisão na Holanda
Imagem: Dmitry Kostyukov/The New York Times

Outros são menos positivos

Pooria Bazhian, 26, e sua mãe, Nahid Mikaeilidiba, 52 --ex-muçulmanos convertidos ao cristianismo no Irã, onde a apostasia é punida com a morte-- também estão abrigados ali há cinco meses.

"Este lugar foi construído para criminosos, e não para seres humanos livres que não cometeram nenhum ato errado", disse Bazhian. "Você não tem bons sentimentos aqui. Não há ar fresco. Não há espaço verde para caminhar."

Conforme o tempo se alonga, as queixas crescem, juntamente com os temores de que uma solução rápida e imperfeita se torne a norma.

"Quando fomos consultados sobre isto, nós dissemos: 'Está bem, já que é uma emergência, podemos aceitar'", disse Kuipers, do grupo de defensoria.

"Mas agora já estão lá há seis meses e não vejo quando vão embora", disse ele. "Estou muito preocupado que as antigas prisões não sejam temporárias, mas o novo padrão."

A Agência Central para Recepção de Solicitantes de Asilo --conhecida pela sigla em holandês, COA-- tinha 40 centros de recepção, com espaço para cerca de 30 mil pessoas, em janeiro de 2015, antes do início da crise. Hoje ela dirige 121 instalações.

Cerca de 16 mil pessoas abrigadas em centros da COA receberam licenças de residência, mas não podem se mudar até que encontrem locais permanentes para viver, e há uma grande fila, segundo Dijkhoff.

O tempo de espera para que os solicitantes de asilo recebam a decisão sobre seus pedidos, que costumava ser de seis meses no máximo, hoje geralmente parte de sete meses e pode levar até 15.

"Não recebíamos muitas queixas de que eles não queriam ficar em uma prisão", disse um porta-voz da COA, Jan Willem Anholts. "Quase não recebemos queixas sobre as instalações, mas sim sobre a duração do processo."

Alguns lugares foram adaptados de tal forma que podem não ser reconhecidos como antigas prisões, disse Anholts. Mas na De Koepel, com 400 celas, um dos três presídios em forma de pentágono construídos no início do século passado, não há como disfarçar que é uma instalação correcional.

"É um presídio", disse Anholts. "Não é possível mudá-lo para que pareça outra coisa."

Kuipers disse estar especialmente preocupado com seu efeito psicológico sobre pessoas que fogem da perseguição e da prisão em seus países de origem. Os maiores grupos de migrantes que chegaram à Holanda em 2015 foram de sírios e eritreus, segundo ele.

"Os eritreus fugiram de um regime em seu país onde a prisão era um enorme problema", disse Kuipers. "Muitos eritreus tinham sido presos, acho que a metade deles."

Referindo-se ao presidente Bashar al Assad, da Síria, ele acrescentou: "Para pessoas que estiveram presas e foram vítimas de tortura --pelo regime Assad, por exemplo--, pode provocar certas lembranças."

Ainda assim, muitos dos que pedem asilo tentam reagir da melhor maneira possível. Em um dia recente, Dawlat Derbas, 34, estava sentado fazendo uma colagem no jardim das mulheres, um antigo pátio da prisão onde alguns plantaram flores em caixotes.

Neta de uma refugiada palestina, Derbas sempre foi oficialmente um pária, apesar de ter nascido na Síria. Em Aleppo, tinha casa, carro e um emprego de professora e estudava para tirar um mestrado em sociologia, contou ela.

"Na Síria eu tinha tudo", disse, "mas não tinha liberdade, e isso é muito importante. Aqui ainda não sou livre."

Imagens do governo Sírio mostram ataques à região de Aleppo

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