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Análise: Enfrentar o discurso intolerante de Trump é a última luta de Obama

Obama faz comício com Hillary pela primeira vez na campanha

AFP

Frank Bruni

07/07/2016 06h00

Você se apresenta aos eleitores como filho do Kansas e do Quênia, um emblema da abertura deste país aos estrangeiros e seu abraçar da diferença. Sua eleição e reeleição afirmam o quanto os Estados Unidos avançaram, ou ao menos é o que você acredita. O que espera. 

Então você olha para o final de seu segundo mandato e vê um candidato presidencial republicano que está explorando cinicamente o racismo e a xenofobia para colocar a Casa Branca ao seu alcance. Ele não é apenas seu adversário; ele é a sua antítese. E a vitória dele faria mais do que colocar em risco suas políticas. Ela colocaria em dúvida a própria moral de sua jornada, a própria curva do arco que você cita com frequência. 

É com isso que Barack Obama está se confrontando no momento, e o motivo para ter iniciado sua participação na campanha na terça-feira (5), aparecendo no palanque ao lado de Hillary Clinton na Carolina do Norte e proclamando sem reservas que "nunca houve qualquer homem ou mulher mais qualificado para o cargo" do que ela. É por isso que ele dirá palavras como essas repetidas vezes, com a mesma intensidade, nos próximos meses. 

Barack Obama e Hillary Clinton no primeiro comício juntos - Chuck Burton/AP - Chuck Burton/AP
Barack Obama e Hillary Clinton pela primeira vez juntos em um comício da candidata
Imagem: Chuck Burton/AP

Para o primeiro presidente negro do país, Hillary não é apenas a melhor candidata. Ela representa a América melhor. A vitória dela permitirá que ele mantenha suas convicções mais otimistas sobre o que ele e sua presidência representam. Algo que será complicado em caso de uma vitória de Donald Trump. 

Trump forjou seu laço com os intolerantes basicamente chamando Obama de impostor e exigindo ver sua certidão de nascimento. Mas esse golpe publicitário pesa menos para Obama do que o comportamento contínuo de Trump durante a corrida presidencial de 2016, segundo pessoas próximas do presidente. 

"O que tenho certeza que o perturba, que o enfurece, é a invocação de raça e etnia na política", me disse David Axelrod, um ex-assessor da Casa Branca. "A mensagem de Obama é sobre a América emergente e a força de nossa diversidade. Ele a representa. E quando Trump diz 'Faça a América Grande de Novo', há um elemento de voltar no tempo para a época em que as minorias tinham que se sentar no fundo do ônibus". 

"Isso mexe com o caráter de nosso país", acrescentou Axelrod. "O presidente é alguém singularmente sensível a isso." 

Singularmente sensível e totalmente passional. Na Carolina do Norte, ele mais ordenou do que exortou os eleitores, com um testemunho a respeito de Hillary que foi emocionante e épico. Eu juro que a vi corar. 

Obama estava pensando em Trump? Suspeito que sim. "Qualquer um pode tuitar", ele disse, acrescentando que isso não serve de preparo ou qualificação para a presidência. Ele mencionou sua filha mais nova. "Sasha sabe tuitar, mas ela não acha que isso lhe permite ocupar minha mesa." 

Hillary estava pensando em Trump? Com certeza. Ele elogiou Obama como "alguém que nunca esqueceu de onde veio... e Donald, se você estiver por aí tuitando, estou falando do Havaí [onde Obama nasceu]". 

A campanha de 2016 continua nos mostrando coisas com as quais não estamos acostumados, e um presidente em segundo mandato fazendo campanha com vigor e sem restrições por quem deseja que o suceda é outra dessas. George W. Bush não o fez: ele era tão tóxico a esta altura de seu governo que o desejo mais fervoroso de John McCain era mantê-lo dentro de um armário de vassouras. 

Bill Clinton não o fez, porque Al Gore queria passar a imagem de ter força própria e de ser alguém menos licencioso. Nem Ronald Reagan, porque o pai de Bush igualmente sentia a necessidade de demonstrar sua própria força e sair da sombra dele, além de que a energia de Reagan já estava em declínio. 

Dwight Eisenhower? Quando perguntado sobre o que Richard Nixon realizou como seu vice-presidente, ele disse que precisava de uma semana para pensar a respeito. 

Obama e Hillary Clinton chegaram a um ponto de respeito óbvio um pelo outro, além de um carinho palpável. Seu alto índice de aprovação o coloca em posição de ajudar. A estatura dela a coloca em posição de não ser ofuscada pela presença dele ou diminuída por essa assistência. 

Os dois fazerem campanha juntos é um arranjo imperfeito, já que ela pode ser vista como defendendo o status quo em vez de um futuro melhor. Mas os americanos têm uma estima significativamente maior por Obama do que têm por ela ou Trump. Há coisas muito mais arriscadas do que permitir que o presidente conduza a bola. 

E ele é um jogador nisto de qualquer forma, dado o contexto maior, algo que ficou claro quando Hillary pediu ao público na Carolina do Norte que pensasse nos "primeiros patriotas que se reuniram na Filadélfia" em 1776. 

"Ninguém parecido com Barack Obama ou comigo teria sido incluído na época", ela disse. "Mas estamos hoje aqui porque a história da América é a história do progresso conquistado arduamente." 

Essa é a história que Obama sempre contou. É a narrativa a qual tantos de nós se agarram. Onde é que Trump se encaixa nela e ela sobreviveria a ele? Em vez de apenas se perguntar e se preocupar, o presidente de saída se juntou à luta.