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NYT: Poesia de Temer chama a atenção dos brasileiros, que a transformam em piada

Temer durante o lançamento de seu livro de poesias, em São Paulo, em janeiro de 2013 - Adriana Spaca/Brazil Photo Press
Temer durante o lançamento de seu livro de poesias, em São Paulo, em janeiro de 2013 Imagem: Adriana Spaca/Brazil Photo Press

Simon Romero

Em Brasília

19/07/2016 15h25

Antes de se tornar presidente interino do Brasil, Michel Temer tinha um pouco mais de tempo livre. Como deputado que se deslocava constantemente entre Brasília e São Paulo alguns anos atrás, ele anotava suas divagações em guardanapos no saguão dos aeroportos.

Capa do livro de poesias de Michel Temer - Divulgação - Divulgação
Capa do livro de poesias de Temer
Imagem: Divulgação

Em 2013 foi publicado seu primeiro livro de poesia, "Intimidade Anônima", causando principalmente bocejos nos brasileiros.
 
Temer, 75, um político de carreira cujo comportamento é tão cripticamente cerimonioso que seus adversários gostam de compará-lo a um mordomo de filme de terror, parece ter-se inspirado em um leque de temas.
 
Ele meditou sobre a morte das cartas na era das mensagens de texto.
 
Descreveu o orgulho de um advogado novato ao ganhar um caso. Depois houve seu ardor lúbrico de setuagenário --afinal, ele havia conquistado uma nova mulher, 42 anos mais moça.

Em "Vermelho", Temer escreveu:


"De vermelho

Flamejante.

Labaredas de fogo.

Olhos brilhantes

Que sorriem

Com lábios rubros.

Incêndios

Tomam contam de mim.

Minha mente

Minha alma.

Tudo meu

Em brasas.

Meu corpo

Incendiado

Consumido

Dissolvido.

Finalmente

Restam cinzas

Que espalho na cama

Para dormir."

Com Temer hoje sob os refletores, sua poesia atrai nova atenção enquanto os brasileiros tentam decifrar o homem no comando depois de uma disputa acirrada pelo poder que depôs a presidente Dilma Rousseff em maio. Paródias de sua obra florescem, sinal de que a sátira brasileira acompanha o ritmo do turbilhão político no país.

Temer comenta sua poesia no lançamento do livro, em 2013

UOL Notícias

"Os poemas de Temer são realmente uma espécie de piada", disse Daniel Ramos, 25, um engenheiro que criou uma conta no Twitter zombando dos versos de Temer. "Esta pequena diversão torna as coisas um pouco suportáveis", disse Ramos, que também publica uma revista independente de poesia.

Atendendo a mais de 32 mil seguidores, Ramos atualiza o feed, chamado @temerpoeta, com seus próprios poemas até três vezes por dia. Ele improvisa sobre tudo, desde o estilo duro e formal do texto de Temer aos escândalos de suborno que abalam os dois meses do governo do presidente interino.

Enquanto @temerpoeta se torna uma sensação cult entre escritores e comentaristas políticos brasileiros, Ramos se aventura ocasionalmente a compor em inglês, produzindo rimas que lembram Epic Rap Battles of History, uma série de vídeos no YouTube.

Alguns estudiosos querem saber por que Temer decidiu fazer uma incursão na poesia tarde na vida.

Há o precedente de líderes políticos brasileiros que pretenderam dourar seus currículos com um pouco de produção literária. Por exemplo, a Academia Brasileira de Letras, uma sociedade literária no Rio de Janeiro inspirada na Académie Française, conta com diversas figuras políticas em sua longa lista de membros, chamados de "imortais".

Eles incluem José Sarney, 86, o ex-presidente lembrado por sua desastrosa administração da economia brasileira no final dos anos 1980. Uma fundação no Estado natal de Sarney, o Maranhão, ainda comemora sua proeza como romancista-estadista.

Depois há Getúlio Vargas, que entrou na academia em 1943 sem jamais ter uma reputação literária. Ele tinha um fator importante a seu favor, porém: presidir uma ditadura nacionalista de 1937 a 1945.

Seguidores de Temer, que também escreveu livros sobre direito constitucional, porém, enaltecem o valor de sua poesia.

"Eu tive o privilégio de ler sua obra quando ainda era uma coleção de rabiscos", disse Gaudêncio Torquato, um cientista político que é amigo e assessor de Temer. Ele descreveu a poesia do presidente interino como "autêntica, concisa e cheia de observações agudas".

Como a cidade natal de Temer enxerga o presidente interino?

UOL Notícias

No lançamento de sua coletânea, Temer revelou que se inspirou principalmente nos autores do romantismo brasileiro do século 19. Citou Álvares de Azevedo, poeta cuja popularidade cresceu recentemente entre a subcultura gótica no Brasil.

Em "Intimidade Anônima", a opção de Temer por errar ocasionalmente pelo lado da concisão levou o site Sensacionalista, que satiriza a classe política brasileira, a indagar se o autor de alguns dos versos seria na verdade seu filho de 7 anos, Michelzinho.

O motivo de sua tese é um poema intitulado "Radicalismo", que contém apenas uma frase: "Não. Nunca mais!"

Em um comunicado, o gabinete de Temer disse que ele está aberto a tais comentários: "Em um país democrático, essa crítica é recebida naturalmente".

Mas em ocasiões anteriores Temer se mostrou sensível a esse escrutínio.

Depois que o antropólogo e comentarista político Roberto DaMatta questionou as incursões de Temer nos versos em uma coluna de jornal, Temer respondeu enviando a DaMatta um exemplar de seu livro e uma carta sobre a crítica.

"Duvido que V.S. seja daqueles que desestimulam os 'calouros' que se atrevem a impulsionar pelas letras sentimentais", escreveu Temer.

O intercâmbio levou DaMatta a considerar se o Brasil precisava de mais políticos como Temer escrevendo versos, com a esperança de que tais escritos possam esclarecer um meio políticoenvolto em escândalos.

"... rogo para que sua poesia possa iluminar — com a agonia e as incertezas de todo poema — esse nosso Brasil cujo palco político produz dramas tão calhordas sem nenhum constrangimento", escreveu DaMatta em uma coluna posterior.

É claro, Temer enfrenta uma série de outros desafios que têm pouco a ver com os ataques a sua poesia. Seu governo já enfrentou um escândalo após outro, levando à renúncia altos assessores, incluindo oministro do Planejamento, oministro anticorrupção e o ministro do Turismo.

A credibilidade do próprio Temer continua sendo questionada.

Ele foi considerado culpado recentemente de violar os limites de financiamento da campanha, em um caso que poderá torná-lo inelegível nos próximos oito anos. Um executivo da construção também declarou que Temer foi o beneficiário de uma propina de US$ 300 mil, o que ele nega.

Mais instabilidade política também pode estar no horizonte. Dilma, a presidente afastada, prepara-se para seu julgamento de impeachment no Senado por denúncias de manipulação do orçamento. Se ela conseguir mudar os votos de menos de dez senadores, poderá recuperar a Presidência.

Todo o drama está levando Temer --e sua poesia-- mais para fora das sombras.

Quando a revista "Veja" fez recentemente um perfil de sua mulher, Marcela, 33 anos, uma ex-candidata em concurso de beleza que conheceu Temer quando tinha apenas 20 anos (e ele 62), citou "Vermelho", o poema libidinoso em que Temer descreve seus impulsos carnais.

"Tudo é simplesmente ridículo: a poesia, o modo como ele se tornou presidente, a mulher muito mais jovem", disse Gabriel Gianordoli, 34, um consultor de projetos de informática.

Gianordoli reagiu escrevendo código de computador que regurgita "Vermelho" em novos poemas que são de um sarcasmo sublime. Com sua mulher e dois amigos, ele transformou sua criação em um site, "Temer Poeta".

"Se Temer pode proclamar que é um poeta", disse Gianordoli, "ele pode enfrentar as reações que sua obra produz." 

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