Topo

Terremoto pode ter provocado o desaparecimento de aldeias na Itália

Imagem aérea de Pescara del Tronto após o terremoto - Guardia di Finanza via AFP
Imagem aérea de Pescara del Tronto após o terremoto Imagem: Guardia di Finanza via AFP

Gaia Pianigiani

Em Pescara del Tronto (Itália)

26/08/2016 12h00

De modo geral havia silêncio, sendo virtualmente o único som o de um rio que corria pacificamente pela montanha onde se escondia esta aldeia quando um terremoto a atingiu na madrugada de quarta-feira (24).

Na quinta, algumas das quase 130 pessoas que viviam aqui voltaram, acompanhadas de bombeiros, para tentar recuperar alguns pertences e lembranças de uma vida que foi arrasada em poucos segundos de um violento abalo.

"Onde ficava seu quarto?", perguntou um jovem bombeiro de capacete amarelo a um casal.

"Era onde você vê aquele armário branco", respondeu a mulher, indicando algumas prateleiras sem portas, no alto da colina. A parede lateral de seu sobrado desabou pela encosta, oferecendo uma visão de sua vida íntima.

As autoridades italianas dizem que mais de 250 pessoas morreram em aldeias nas montanhas ao longo da falha que surgiu. Mas para os lugares menores, como este, os danos serão contados não só em termos de vidas perdidas de parentes, amigos e vizinhos, mas muito possivelmente da eliminação das próprias cidades.

Pescara del Tronto desapareceu. Talvez tenham restado cinco casas. E se o lugar poderá um dia ser restaurado parece uma pergunta em aberto.

A aldeia faz parte de outra ligeiramente maior, Arquata del Tronto, onde 46 pessoas foram contadas como mortas até agora. Para essas cidades isoladas, no alto de montanhas em uma região rural cuja economia já estava em declínio, e onde a maioria dos moradores permanentes já eram idosos, o terremoto pode ser um golpe de graça, seu próprio toque fúnebre.

"Será difícil para as pessoas voltarem a Pescara del Tronto", disse Michele Franchi, o vice-prefeito de Arquata, no acampamento próximo à cidade principal, onde a metade das torres desmoronou.

Devemos até nos perguntar se é sensato construirmos de novo aqui, considerando que ela desabou quase totalmente" Michele Franchi

"Mas precisamos tirar as pessoas das barracas rapidamente", acrescentou ele. "Elas precisam ver uma possibilidade de recomeçar a vida, onde for possível."

Das 300 pessoas que estavam na aldeia quando houve o terremoto, muitas moram em Roma, a cerca de 150 km de distância, e só vinham nos fins de semana.

"Eu passei minha vida toda aqui", disse Enza, 52, uma funcionária pública em Roma cuja família vive aqui há décadas. "Tivemos sorte porque nossa casa não desmoronou. Minha mãe, meu pai e meu irmão se salvaram. Mas toda a nossa vida desapareceu --tantos amigos e vizinhos se foram... Como poderemos voltar?"

Enza não quis dar seu nome completo. Os moradores não têm vontade de falar em Pescara del Tronto. A polícia e as autoridades de emergência acompanharam em silêncio os poucos moradores que tiveram coragem de voltar no dia seguinte à tragédia.

Enza veio para recuperar os equipamentos médicos de seus pais idosos e algumas roupas, para que eles se sentissem menos perdidos, disse. Ela estava em Pescara no último fim de semana e voltou para o trabalho em Roma na segunda-feira. Seu irmão levou os pais em segurança até a rua na quarta de manhã, depois do abalo.

As aldeias atingidas pelo terremoto na região de Marche ficam na antiga estrada romana Via Salaria, que leva de Roma ao mar Adriático. Nesse trecho da estrada, cercado por florestas e rochedos, hoje há apenas guindastes, tendas, jipes e caminhões dos bombeiros. As autoridades postadas em diferentes pontos da estrada desencorajam os viajantes a seguir.

Pescara del Tronto era um destino de férias de verão, mas muitos viajantes não eram estritamente turistas.

"Este lugar era a minha casa e de muitas outras pessoas", disse Enza, irrompendo em lágrimas. "Não apenas o lugar físico. Todos nos conhecíamos, por isso perdemos muitos membros de nossa família extensa."

Enza disse que além da dor pela perda de amigos e conhecidos a pior parte agora é a saudade crescente de um lugar que pode ter morrido com muito de seus moradores.

"Havia um degrau de pedra onde sempre nos sentávamos", disse ela, apontando um lugar hoje enterrado sob pedras, vigas e telhados destruídos. "Nossas memórias foram completamente apagadas."

Uma ambulância passou em velocidade, com a sirene ligada, na única rua estreita que levava à cidade. Talvez um de seus amigos fique famoso como o último sobrevivente retirado dos destroços de Pescara del Tronto, esperava Enza.

"O pior é que esse terremoto não levou só o nosso futuro, mas também nosso passado", disse ela.

Drone revela estragos em Amatrice após terremoto

Reuters