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Houve uma reação antifeminista na remoção da presidente do Brasil?

Wilson Dias/Agência Brasil
Imagem: Wilson Dias/Agência Brasil

Simon Romero e Anna Jean Kaiser

Em Brasília

08/09/2016 06h01

Em um momento acalorado do julgamento de impeachment de Dilma Rousseff, um senador a favor de sua saída decidiu que algumas de suas colegas no Senado precisavam ser repreendidas.

"Se acalmem, meninas", disse o senador, Cássio Cunha Lima, parte de uma dinastia política do Nordeste, às senadoras Vanessa Grazziotin e Gleisi Hoffmann, ambas defensoras de Dilma, a primeira mulher presidente do Brasil.

O comentário dele provocou uma dura censura por parte das duas mulheres.

"Esse tipo de coisa ocorre porque aqui a maioria é homem, então eles se acham os proprietários do espaço, como se nós estivéssemos aqui por acaso", disse Grazziotin, 55 anos, uma proeminente senadora esquerdista do Estado do Amazonas.

Para senadoras como Grazziotin, o episódio refletiu o fortalecimento das vozes conservadoras após o impeachment de Dilma Rousseff, que argumentou ter sido alvo de ataques misóginos por parte dos oponentes. Políticos do sexo feminino de todo o Brasil estão debatendo o que a queda dela significa em um reino político dominado pelos homens.

Apesar dos avanços feitos por Dilma e outros, o Brasil figura de forma notavelmente baixa na representação de mulheres na política. Dentre os 513 membros da Câmara dos Deputados, apenas 51 são mulheres, o que coloca o país no 155º lugar do mundo em percentual de mulheres eleitas para a câmara baixa de um legislativo nacional, segundo a União Interparlamentar. Ele fica atrás de países como a Arábia Saudita e o Turcomenistão.

O governo de Michel Temer, o sucessor de Dilma, um ex-aliado que saiu vitorioso na disputa de poder para removê-la, está fazendo pouco para tranquilizar os temores de que as mulheres serão deixadas de lado. Após tomar posse há mais de três meses, Temer nomeou um Gabinete formado só por homens em um país onde apenas 48% da população de 206 milhões são do sexo masculino.

Retratando um idílio suburbano dos anos 50, no qual um presidente de cabelo grisalho é saudado por sua esposa, uma dona de casa muito mais jovem, a capa da edição deste mês da revista brasileira "Piauí" capturou a mudança cultural para a direita representada por Temer, 75 anos, cuja esposa, Marcela, uma ex-miss de fala suave, é 42 anos mais nova.

Ao longo de todo o processo de impeachment, as aliadas de Dilma no Congresso argumentaram que a forma como transcorreu seu processo de impeachment refletia um establishment político no qual as mulheres ainda supostamente servem como acessórios de homens poderosos. Uma nova onda de posicionamento cáustico contra políticas como Dilma está alimentando essas preocupações.

Durante seu julgamento de impeachment, por exemplo, Jaufran Siqueira, um político socialmente conservador da cidade de Natal, no Nordeste, se aproveitou da nova ideia para ganhar votos.

"Isso é o que vai acontecer às feministas quando Jaufran for eleito vereador", proclamou o candidato de 25 anos, acompanhado de uma foto postada por ele em sua página de campanha no Facebook, mostrando uma casa em chamas.

"Não posso negar que sou totalmente contrário ao movimento feminista", disse Jaufran Siqueira, um corretor de imóveis que chamou atenção nacional com sua campanha. "Mas é absurdo alegar que vou tacar fogo nas mulheres."

 

Ele disse que a foto era apenas "uma piada".

Apesar das crescentes tensões, líderes políticas femininas no Brasil permanecem longe de unânimes sobre se Dilma Rousseff foi removida do carro por causa de seu gênero.

Marina Silva, a ex-empregada doméstica que é uma das principais candidatas para a eleição presidencial de 2018, disse em uma entrevista que a queda de Dilma se deve à incompetência e a políticas profundamente falhas, referindo-se às acusações de manipulação do orçamento federal para esconder problemas econômicos.

"Meu entendimento é que as manobras orçamentárias de Dilma foram ilegais", disse Marina Silva, 58 anos, uma ambientalista que entrou repetidas vezes em choque com Dilma quando ambas eram ministras do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores de esquerda.

"Os conservadores estão se tornando mais vociferantes em um nível global, basta olhar para Trump nos Estados Unidos, disse Marina Silva, referindo-se ao candidato republicano à presidência, que, quando questionado se tinha se encontrado com Rousseff, respondeu: "Não. Quem é ele?"

"Isso não quer dizer que as mulheres não exercerão um papel crucial na vida política brasileira após o impeachment de Dilma", disse Marina Silva. "É claro que exerceremos. Estamos muito embaladas agora para sermos detidas."

À medida que se intensifica as campanhas para as eleições municipais, outros líderes de diferentes pontos do espectro ideológico do Brasil repetiram o mesmo ponto de vista.

"Não vejo este momento como algo que decepciona as aspirações das mulheres brasileiras", disse Teresa Surita, uma defensora do impeachment de Dilma, que está disputando a reeleição como prefeita de Boa Vista, uma cidade na Amazônia brasileira.

Surita, 60 anos, que já enfrentou acusações de propina, disse que permanece comprometida em melhorar a vida de sua cidade. Membro do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o partido centrista de Temer, ela disse que para atingir suas metas é preciso manter uma boa relação com o governo federal em Brasília.

"Tenho que estar ciente da necessidade de apoio do governo federal, independente de quem esteja no poder", ela disse.

Apesar de as mulheres ocuparem apenas um décimo das cadeiras da Câmara dos Deputados, um quadro mais complexo surge na esfera local. Por exemplo, 51 cidades têm apenas mulheres concorrendo à prefeitura neste ano, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, e as mulheres representam quase 33% dos candidatos a vereadores neste ano.

As mulheres também estão ganhando posições no Judiciário. Cármen Lúcia Antunes Rocha, 62 anos, uma defensora da ação afirmativa, direitos dos gays e menos restrições ao aborto, se tornará neste mês presidente do Supremo Tribunal Federal.

Mas outros argumentam que a remoção de Dilma Rousseff revela as feias maquinações da cena política brasileira dominada pelos homens. À medida que grandes protestos são realizados contra o governo Temer, especialmente nas ruas de São Paulo, a maior cidade do Brasil, milhares de mulheres estão expressando oposição ao novo governo.

"Temer derrubou Dilma porque homem não gosta de obedecer uma mulher, e como presidente, era ela quem dizia a eles o que fazer", disse Rayra Lima de Araújo, uma colegial de 14 anos que participou dos protestos antigoverno de domingo ao lado de sua mãe, Maria da Cruz Lima, 43 anos, uma enfermeira desempregada.

(Reportagem de Simon Romero, em Brasília, e de Anna Jean Kaiser, no Rio de Janeiro. Paula Moura, em São Paulo, contribuiu com reportagem adicional.)