Disputa de Monopoly reproduz a realidade do mercado imobiliário da Nigéria
O tempo estava se esgotando no Campeonato de Monopoly Sub-17 de Lagos e o ritmo do jogo estava se tornando tão frenético que era difícil saber quem era o verdadeiro proprietário de Banana Island, da Tiamiyu Savage Street e de outras propriedades no tabuleiro.
"Sou o dono dessa casa!" gritou Ibrahim Mubarak, 14 anos, um estudante da Isale Eko Junior Grammar School, com seu dedo batendo na propriedade no tabuleiro.
Mas após Ibrahim receber seu aluguel, o tempo acabou: o maior torneio de Monopoly (também conhecido como Banco Imobiliário no Brasil) na maior cidade da África chegou ao fim.
Dinheiro amassado e surrado de Monopoly estava espalhado pelas 153 mesas bambas no ginásio abafado, onde mais de 1.200 alunos se amontoaram por uma hora em torno de tabuleiros de jogo baseados em Lagos. Um campeão foi declarado, apenas para ter seu título retirado momentos depois pelos organizadores, que cometeram um erro e ignoraram outra competidora.
"A chave para vencer é apenas ter determinação", disse Elizabeth Braimoh, 13 anos, a vencedora oficial e aluna do Topfield College.
Os nigerianos gostam de jogos de tabuleiro. Xadrez e avo, um jogo semelhante ao mancala, são populares aqui. E a maestria do país no scrabble (palavras cruzadas) se tornou mundial neste ano, quando um jogador nigeriano, Wellington Jighere, venceu o campeonato mundial.
Mas jogar Monopoly tem apelo por outro motivo: ele imita o caos do mercado imobiliário em Lagos. Comprar um imóvel é um assunto complicado, atormentado por propina, golpes e até mesmo gângsteres empunhando facões.
"É um verdadeiro reflexo do que acontece em Lagos", disse Tarba Fatai Oladele, um professor de educação física da Ipakodo Senior Grammar School.
O Monopoly começou a se tornar popular aqui há quatro anos, quando Lagos lançou sua própria versão do jogo. O novo tabuleiro substitui endereços da versão americana, como Park Place e Boardwalk, por endereços locais como Bourdillon Road, uma rua no bairro de Ikoyi margeada por apartamentos de luxo, e Agege, uma área próxima do aeroporto principal onde fica um projeto habitacional do governo.
Em agosto, a Comissão Estadual de Esportes de Lagos nomeou o Monopoly um jogo oficialmente reconhecido. As autoridades rapidamente organizaram o torneio no final de setembro, na esperança de quebrar o recorde mundial de número de competidores jogando simultaneamente o jogo (605 pessoas no Universal Studios em Cingapura, em março, segundo o livro Guinness dos recordes). O evento em Lagos foi submetido ao "Guiness" para verificação.
A comissão espera realizar mais torneios, com a meta adicional de ensinar estratégias às crianças para economizar dinheiro e fazer bons investimentos.
"Imóveis é uma classe de ativos que todos deveriam aspirar ter", disse Nimi Akinkugbe, presidente-executivo da Bestman Games, que distribui a versão de Lagos do Monopoly e ajudou a organizar o torneio.
Mas no lado de fora do ginásio, nas ruas da vasta e agitada Lagos, o mercado imobiliário real rivaliza o caos dos 1.200 adolescentes ruidosos sacudindo as mesas e gritando, "Pague, pague, pague!"
"É uma grande confusão", disse Megan Chapman, fundadora das Iniciativas de Justiça e Empoderamento, uma organização sem fins lucrativos nigeriana que monitora questões de direitos de imóveis.
Os nigerianos, como muitas pessoas ao redor do mundo, sonham em ser proprietários de um imóvel. Em um país que é uma das maiores economias do continente e se gaba de contar com uma classe média nascente, o sonho de possuir um imóvel deveria parecer dentro do alcance.
Mas o país está enfrentando uma recessão. A inflação se encontra em um nível não visto há 11 anos. As taxas de juros estão tão altas que a maioria dos financiamentos de imóveis está fora das possibilidades dos compradores comuns.
O mercado imobiliário opera em um sistema que exige cuidado por parte do comprador, tão visível por toda a metrópole a ponto de avisos pichados em numerosas casas alertarem: "Esta casa não está à venda", As mensagens tentam impedir um velho golpe, no qual os golpistas vendem imóveis dos quais não são proprietários para compradores desavisados.
Os compradores também devem lidar com a corrupção oficial. Funcionários do governo há muito exigem propina para liberação dos documentos oficiais necessários para compra de um imóvel.
Mesmo após um negócio ser fechado, surgem problemas. Armados com facões, gangues criminosas tão estabelecidas a ponto de terem um nome, "omo onile", perambulam pelos canteiros de obras em Lagos buscando extorquir dinheiro antes que uma construção possa começar.
Além disso, o governo faz uso liberal do domínio eminente, regularmente desapropriando imóveis, às vezes com consequências extremas. Neste mês, quase 33 mil pessoas foram despejadas de uma comunidade à beira-mar em Lekki, um subúrbio de Lagos.
As autoridades demoliram parte de uma favela próxima do principal porto da cidade em 2013, forçando a saída de 9.000 pessoas de suas casas. Um ano antes, o Estado desocupou parte de Makoko, uma favela à beira-mar, que aparece na versão de Lagos do tabuleiro do Monopoly como a propriedade mais barata.
A Justiça nigeriana oferece pouco alívio para os golpes e desapropriações. São tantos os processos na Justiça que disputas em torno de imóveis podem levar anos para serem julgadas. Os lares daqueles que dão entrada nos processos em Lagos às vezes são demolidos antes que uma decisão seja proferida.
Matthew Ottah, um importante advogado de direito imobiliário em Lagos, que é especializado em detectar golpes, estimou que apenas neste ano ele investigou mais de 200 negócios para clientes que esperavam comprar um imóvel e que apenas um quarto deles era legítimo.
"Há sempre uma história ou outra que nos impossibilita aprovar o negócio", disse Ottah, acrescentando que às vezes recebe ameaças de morte por telefone de membros das gangues omo onile.
O próprio Ottah já foi vítima de um golpe, perdendo o equivalente a US$ 25 mil (cerca de R$ 79 mil) após pagar em dinheiro por um imóvel a um vendedor que revelou ser um golpista.
Durante o torneio de Monopoly, a natureza complexa das transações imobiliárias reais passa desapercebida pelos estudantes concentrados no prêmio principal, que equivalia a cerca de US$ 2.000 (cerca de R$ 6.300). Jogar o jogo de tabuleiro já era caótico o suficiente.
Os jogadores tinham apenas uma hora para conseguir o máximo de propriedades que pudessem. O jogo se tornava mais agitado à medida que os minutos passavam, com os estudantes jogando os dados tão rapidamente que os professores e funcionários públicos que serviam como banqueiros voluntários tinham dificuldade de monitorar.
Os alunos senhorios balançavam as mãos nas faces de seus oponentes exigindo pagamento enquanto os banqueiros aflitos tentavam acompanhar os pedidos por dinheiro.
"Rápido, rápido, me dê dois nairas", exigia um aluno de outro que caiu em sua propriedade. (Naira é a moeda local.)
Para a maioria dos alunos, uma estratégia surgiu: acumular.
"Nesta mesa", queixou-se Adeleke Olayinka Bello, um aluno da Saint Jude, uma escola particular, "ninguém quer vender suas propriedades".
Os organizadores apelavam para que os estudantes negociassem uns com os outros, uma habilidade comum na economia nigeriana centrada no pechinchar.
A campeã, Elizabeth, de 13 anos, conseguiu negociar o controle de todas as propriedades amarelas: Silverbird Cinemas, 35 Marina e Falomo Shopping Center.
Com duas casas em cada propriedade e sete outros jogadores orbitando o tabuleiro, Elizabeth se recostou e assistiu sua fortuna crescer para mais de 17 mil nairas.
"Com isso eu posso ganhar o jogo", ela disse.
*Reportagem de Chris Stein, em Lagos, e Dionne Searcey, em Dacar (Senegal)
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