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Ídolos do K-pop servem Exército e abrandam imagem dos militares na Coreia do Sul

U-Know Yunho (ao centro), um dos mais famosos astros de K-pop da Coreia do Sul, se apresenta em festival militar em Gyeryong - Jean Chung/NYT
U-Know Yunho (ao centro), um dos mais famosos astros de K-pop da Coreia do Sul, se apresenta em festival militar em Gyeryong Imagem: Jean Chung/NYT

Motoko Rich*

Em Gyeryong (Coreia do Sul)

23/10/2016 06h00

O público aplaudia educadamente enquanto a guarda de honra realizava sua apresentação de armas, se manifestava com "oh" e "ah" à demonstração de taekwondo acrobático. Mas a empolgação real começou quando a banda do Exército apareceu.

A grande atração: Jung Yun-ho, um soldado também conhecido como U-Know Yunho, um dos astros mais famosos do K-pop da Coreia do Sul. Ele entrou no palco, em um campo de aviação militar aqui nas montanhas ao sul de Seul, vestindo uma camiseta preta estampada como "Exército da Coreia" nas costas.

"Esta é a banda que organizei no exército", gritou Jung, gesticulando para os outros músicos-soldados atrás dele, enquanto 2.500 fãs civis se agitavam e gritavam em empolgação.

O público acenava com balões vermelhos e abanadores de papel com fotos do rosto de Jung enquanto o grupo apresentava "Mirotic", um dos muitos sucessos do TVXQ, o grupo pop do qual U-Know fazia parte antes de iniciar seu serviço militar obrigatório.

Apesar dos exércitos de todo o mundo contarem com bandas marciais e musicais, o da Coreia do Sul pode ter o mais badalado de todos.

Na Coreia do Sul, onde todo homem fisicamente capacitado entre 18 e 35 anos deve servir por 21 meses nas forças armadas, as regras não abrem exceção para ídolos pop, independente de quanto seus fãs possam sentir falta deles e de quanta renda perderão enquanto estiverem servindo. E em uma nação onde poderosas agências de talento recrutam rotineiramente novos cantores e dançarinos para criação de grupos pop, há um fluxo constante de celebridades que precisam prestar o serviço militar.

Cerca de 630 mil soldados servem no serviço ativo, um vestígio da Guerra da Coreia e um lembrete contínuo da vigilância do país contra a nação hostil no norte.

A corporação inclui um punhado de celebridades do K-pop cujos anos do auge de apresentação coincidem com a janela do serviço militar obrigatório. Os astros costumavam ser designados rotineiramente a uma unidade separada de celebridades, mas o Exército a debandou há três anos, após uma série de escândalos públicos envolvendo soldados K-pop.

Hoje, a maioria dos astros serve em bandas militares que se apresentam periodicamente para os demais soldados. Mas uma vez por ano, o Exército realiza um evento de propaganda de seis dias, onde os fãs civis podem ver seus ídolos pop favoritos gratuitamente. Os fãs também assistem apresentações de combate corpo a corpo, saltos de paraquedistas e desfiles de tanques, lançadores de foguetes e helicópteros de combate.

Muitos cidadãos criticam o serviço militar como uma interrupção indesejada na educação e carreiras dos jovens do país. Com alguns políticos também debatendo se as forças armadas deveriam se converter em um serviço voluntário, as bandas de K-pop servem como propaganda política e uma potencial ferramenta de recrutamento.

"As forças armadas podem passar a imagem de uma organização assustadora", disse o coronel Lee Jong-eung, diretor do festival anual, que atraiu mais de 1 milhão de visitantes neste mês. "Mas quando essas celebridades servem no Exército, todos as conhecem, e pedimos que façam uso de seu talento para abrandar a imagem do Exército."

O K-pop também é usado na campanha de guerra psicológica que a Coreia do Sul trava com a Coreia do Norte. No ano passado, a Coreia do Sul tocou em alto volume canções pop de artistas como Apink e BigBang em alto-falantes na Zona Desmilitarizada, levando a Coreia do Norte a ameaçar entrar em guerra se as transmissões não cessassem.

18.out.2016 - U-Know Yunho (ao centro), se apresenta com sua banda de K-pop em festival militar em Gyeryong, na Coreia do Sul - Jean Chung/NYT - Jean Chung/NYT
Banda de U-Know Yunho é uma das várias bandas de pop cujos integrantes servem o Exército sul-coreano
Imagem: Jean Chung/NYT

Ao mesmo tempo, a música K-pop é um dos maiores sucessos de exportação da Coreia do Sul, ajudando a unir fãs por toda a Ásia e além. Fãs vieram do Japão, China, Alemanha, Hungria e Marrocos para ver os artistas de K-pop se apresentarem no festival militar deste ano.

"É uma moeda sociocultural para uso pelos coreanos além de suas fronteiras", disse Katharine H.S. Moon, professora de ciência política da Faculdade Wellesley. "No norte, é usada como arma contra o inimigo, e dentro da própria nação e entre amigos e fãs, é uma ferramenta de ligação muito positiva."

Mas os astros do K-pop têm um retrospecto irregular no Exército, com alguns tentando escapar do serviço militar obrigatório e outros tirando proveito de seu status de celebridade para contornar as regras do Exército. Apesar do serviço militar obrigatório ser impopular na Coreia do Sul, o público espera que todos os homens cumpram seu dever cívico e julga duramente aqueles que não. (As mulheres estão isentas do serviço obrigatório.)

Em 2002, Yoo Seung-jun, um dos astros pop com maior vendagem da Coreia do Sul, obteve cidadania americana poucos meses antes de ser obrigado a se alistar no Exército. Ele foi impedido de entrar na Coreia do Sul e, no mês passado, perdeu em um processo para obtenção do direito de entrar no país.

Dois astros do K-pop foram presos por 10 dias há dois anos, após terem sido detidos durante seu serviço militar por visitarem casas de massagem que também ofereciam serviços sexuais. Outro soldado-astro foi disciplinado após sair sorrateiramente para visitar sua namorada, uma atriz famosa, enquanto estava em serviço.

Grande parte do público suspeita que os astros ainda contam com privilégios negados aos soldados comuns. No festival neste mês, os cinco artistas célebres que se apresentaram seguiram para uma tenda com ar condicionado e garrafas de suco de ameixa após o show, enquanto os demais membros da banda ficaram sentados no asfalto nos bastidores comendo lanches.

Um porta-voz do Exército negou os repetidos pedidos para entrevistar as celebridades, dizendo que suas imagens ainda eram protegidas pelas agências de talento que os representam como civis.

Uma porta-voz da SM Entertainment, a agência que representa U-Know Yunho e os três membros da banda K-pop SuperJunior que estão no Exército e se apresentaram no festival, disse que por estarem prestando serviço militar, os artistas pop não estariam disponíveis para entrevistas.

Cho Gae-hyuk, um soldado que compôs um curto musical sobre a Guerra da Coreia para o festival e dividiu a caserna com cinco astros do K-pop por quatro meses, disse ter ficado surpreso com a ética de trabalho deles.

"Estávamos com eles todo dia", ele disse. "Eles são muito disciplinados e parecem mais soldados do que os recrutas mais jovens."

Observadores da cena K-pop dizem que alguns astros usam astutamente o serviço militar a seu favor. Apesar dos sul-coreanos não gostarem do serviço militar obrigatório, eles romantizam o exército culturalmente, apreciando as fotos de seus ídolos de uniforme. "Descendentes do Sol", um melodrama de TV sobre um capitão das forças especiais e sua namorada médica, foi um imenso sucesso quando foi exibido neste ano.

18.out.2016 - Fãs de banda de K-pop, durante festival militar em Gyeryong, na Coreia do Sul - Jean Chung/NYT - Jean Chung/NYT
Fãs curtem show de seus ídolos militares em Gyeryong
Imagem: Jean Chung/NYT

Oh Ingyu, um professor da Universidade da Coreia, em Seul, e secretário-geral da Associação Mundial para Estudos da Hallyu, um grupo de acadêmicos que estuda a cultura popular coreana, notou que mesmo alguns astros do K-pop que possuem passaportes dos Estados Unidos e de outros países, mesmo assim se alistam.

"É uma forma de assegurar a lealdade dos fãs, prestando o serviço militar, provocando sensação e um sentimento de nostalgia, para que as pessoas realmente fiquem aguardando por eles", disse Oh.

Mesmo se o serviço militar se tornar voluntário, dizem os apoiadores da mudança, o alistamento poderia adicionar brilho à carreira das celebridades.

"Você não acha que celebridades que servissem voluntariamente seriam ainda mais populares?" perguntou Nam Kyung-pil, governador da província de Gyeonggi e um provável candidato presidencial no ano que vem. Nam defende um "exército forte, pequeno", composto por voluntários.

Lee Seung-gi, um artista pop solo que serviu como mestre de cerimônias no festival, foi além da maioria de seus pares e está servindo em uma unidade das forças especiais. Ele disse aos seus fãs que superou seu medo de altura durante um salto de paraquedas no treinamento militar.

"Fora das forças armadas eu nunca teria desafiado a mim mesmo a fazer essas coisas", disse Lee.

Alguns fãs que vieram para ver seus ídolos, sem desembolsar o preço típico de mais de US$ 100 (cerca de R$ 320) por um ingresso de show, saíram impressionados com as demais apresentações militares.

"Normalmente, não sabemos o que os soldados fazem e sempre temos a imagem de soldados como secos e assustadores", disse Park Eun-kyung, 36, uma fã de U-Know Yunho. "Eles parecem bastante motivados. Acho que minha imagem deles foi suavizada."

*Su-Hyum Lee contribuiu com reportagem.