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Canadense ofereceu terreno em área remota para quem topasse emprego. E 50 mil se candidataram

Ian Willms/The New York Times
Imagem: Ian Willms/The New York Times

Craig Smith

Em Whycocomagh, Nova Escócia (Canadá)

24/10/2016 06h00

Quando uma família rica em terras na área pouco povoada de Cape Breton quis atrair empregados para sua loja carente de funcionários, ela ofereceu terreno de graça para quem viesse e trabalhasse por cinco anos.

A família esperava algumas poucas dezenas de interessados, porém mais de 50 mil se candidataram. E os telefonemas não param. "Eu esperava uma resposta, só que não uma tão grande quanto essa", disse Sandee MacLean, uma mulher com múltiplas tatuagens e cabelo ruivo, que teve a ideia juntamente com sua irmã.

É claro, o Canadá tem muitas terras, mas não muitos habitantes, e regiões economicamente estagnadas como Cape Breton, na Nova Escócia, têm perdido continuamente população. A ilha com mais de 10 mil quilômetros quadrados de florestas e terras agrícolas, que se projeta no norte do Oceano Atlântico, conta com apenas 130 mil habitantes e tem perdido mais de 1.000 pessoas por ano ao longo das últimas duas décadas.

À medida que os moradores de Cape Breton se preocupam cada vez mais em conter a emigração, dar terras poderia ser uma solução.

"É a validação de que terra é um atrativo", disse Chris van den Heuvel, presidente da Federação da Agricultura de Nova Escócia. Ele espera que a forte resposta à doação contribua para o esforço de seu grupo de criar um banco de terras que torne terras cultiváveis baratas e atraia novos moradores à província.

Várias comunidades em depressão econômica nos Estados Unidos tentaram a mesma ideia nos últimos anos, incluindo cidades em Iowa, Kansas e Minnesota.

Há uma longa história de doação de terras. Os países europeus que queriam povoar suas possessões no Novo Mundo, assim como o Canadá e os Estados Unidos em seus primórdios, davam terras para aqueles que desejassem se estabelecer nelas e as desenvolvessem.

Mas na Nova Escócia, a resposta esmagadora também é uma medida de quantas pessoas à deriva devido à economia global estão ávidas por um senso de comunidade. Para muitas, a proposta parecia apresentar uma conexão com uma cultura regional famosamente rica, cheia de música escocesa, jantares comunitários e dança de quadrilha.

Nada disso passou pela cabeça de Jim e Ferne Austin quando decidiram passar o comando de sua loja para suas filhas neste ano. Para as duas mulheres, MacLean e Heather Austin Coulombe, a preocupação mais imediata era encontrar funcionários.

"Estávamos em pânico porque estávamos carentes de pessoal", disse Coulombe.

O casal Austin abriu o negócio, o Farmer's Daughter Country Market, em 1992, em Whycocomagh, Nova Escócia, após uma vida dedicada à pecuária leiteira. A combinação de padaria, mercado de hortifrútis, sorveteria, doceria e loja de presentes agora ocupa uma coleção de celeiros vermelhos ao longo das margens da estrada em um trecho da Rodovia Transcanadá.

O pai de Austin, também um produtor de leite, acumulou mais de 240 hectares; após vendas, restam cerca de 80 hectares. As terras que restaram são principalmente de floresta na montanha, belas de se ver, mas de não muito valor exceto para extração de madeira. Ninguém na família deseja desmatá-las para isso.

Mas em agosto, a loja tinha perdido três funcionários em tempo integral, dificultando atender os pedidos de uma rede local de mercados por produtos panificados da Farmer's Daughter. A padaria ajuda o comércio a ficar no azul nos meses de inverno.

MacLean e Coulombie tentaram contratar pessoas locais, mas não havia gente capacitada e confiável disponível. O processo de visto para trabalhadores estrangeiros também era muito complicado.

Foi quando tiveram a ideia de dar terras.

As mulheres prepararam um questionário que enfatizava compromisso e valores, deixando claro que as terras que seriam dadas eram remotas e sem infraestrutura.

Por volta das 22h de um domingo no final de agosto, as irmãs postaram um apelo gentil na página do mercado no Facebook, sob o título "Ilha Bonita Precisa de Pessoal".

Em cerca de 500 palavras, elas ofereceram um emprego, comunidade e um terreno de 8.000 metros quadrados para quem viesse e trabalhasse no mercado por cinco anos. Elas então aumentaram a oferta para 12 mil metros quadrados, para permitir um sistema de fossa séptica.

Pela manhã, a oferta já tinha sido compartilhada 200 vezes. À tarde, uma emissora local de rádio ligou para uma entrevista. Logo, emissoras de rádio e televisão nacionais estavam telefonando e a oferta de terras era a notícia mais vista no site da Canadian Broadcasting Corp. Quando a notícia passou a correr o mundo, a enxurrada teve início.

As irmãs já tinham selecionado vários candidatos antes da oferta se tornar viral. Passada uma semana da postagem original, elas já tinham entrevistado as pessoas que posteriormente contratariam.

Foram três as famílias escolhidas: os Andersons, os Walkinses e Taits, que chegaram a tempo do Dia de Ação de Graças do Canadá, em 10 de outubro. Os Austins, os pais das irmãs que dirigem a loja, convidaram a todos para o banquete tradicional na casa deles, o maior jantar de Ação de Graças que já deram, eles disseram.

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Imagem: Ian Willms/The New York Times


Durante a refeição de peru e nabos, com condimentos locais como o molho de tomates verdes de Cape Breton, as famílias pareceram se entrosar sem esforço.

Todas as três famílias disseram que foi a promessa de integrar uma comunidade em um local mais simples e bonito que foi o maior atrativo. Cada terreno vale apenas alguns poucos milhares de dólares canadenses, e Cape Brenton tem muitas terras à venda.

"Eu nem mesmo perguntei sobre o terreno", disse Sonja Anderson, uma ex-bancária de hipotecas que dirigiu nove dias vindo de Vancouver, Colúmbia Britânica, com sua filha de 10 anos e dois cachorros.

Micah Tait disse que ele e sua mulher, Trish, há muito sonhavam com uma mudança como essa. "Tudo era exatamente o que buscávamos e apenas tomamos um atalho", ele disse.

Ambos disseram que sentiam falta da "sensação de pertencer a algo" na vida deles em Vancouver, onde trabalhavam como seguranças.

Quando Brett Walkins perdeu seu emprego como gerente de projetos de construção de usinas de tratamento de esgoto na Colúmbia Britânica, ele e sua mulher, Kerry, venderam sua casa, compraram um caminhão e um trailer de camping e seguiram para a costa.

Meses depois, após terem cruzado o continente com dois filhos e dois cachorros, eles estavam na Ilha Príncipe Edward, a oeste de Cape Breton, roendo as unhas em torno de uma oferta de compra de uma nova casa.

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Imagem: Ian Willms/The New York Times


"Uma hora depois de descobrirmos que outra pessoa tinha comprado a casa, eu vi a postagem da Farmer's Daughter", disse Kerry Wilkins. Brett Walkins enviou um e-mail no dia seguinte com o assunto "oportunidade de vida em comunidade".

"Foi isso o que me atraiu", ele disse. "Ser acolhido no que vimos que seria uma família unida".

Brett Walkins já visitou o terreno, cujo acesso se dá por uma estrada de terra barrenta, em busca de um local para construção, enquanto sua mulher começou a trabalhar na padaria fazendo tortas e doces. O casal planeja construir um lar autossustentável, com energia fornecida por painéis solares.

Os recém-chegados têm desafios à frente. Eles chegaram no meio do belo outono de Cape Breton, mas o longo e frígido inverno e depois a famosa temporada dos borrachudos da região os aguardam.

Além de um aumento dos negócios, a publicidade teve outras consequências para a Farmer's Daughter. Um casal local ofereceu às irmãs 17 hectares que não usam. Produtores de televisão às procuraram sobre um possível reality show ou, mais de acordo com o gosto das irmãs, uma série de documentário sobre a integração dos recém-chegados na comunidade e a forma como desenvolvem as terras.