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Depoimento: "Fui condenado por ser gay há 42 anos pelo governo britânico"

George Montague (dir.) participa da Parada Gay de Londres em junho de 2014 - David Henderson/ iStock
George Montague (dir.) participa da Parada Gay de Londres em junho de 2014 Imagem: David Henderson/ iStock

Andrew Jacobs

28/10/2016 11h00

George Montague foi várias coisas durante sua longa e colorida vida: veterano da Segunda Guerra Mundial, empresário, pai, avô, chefe dos escoteiros --e criminoso. Em 1974, ele foi condenado por indecência grave de acordo com uma lei britânica que visava os homens gays.

Na semana passada, o governo anunciou que emitiria um perdão póstumo coletivo para milhares desses homens, mas os que ainda vivem --cerca de 65 mil-- teriam de se inscrever. Montague, que vive em Brighton, no Reino Unido, diz que quer um pedido de desculpas, e não um perdão.

Abaixo, o relato de George Montague ao repórter Andrew Jacobs:

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Eu sou o velhinho mais feliz do mundo, e todos os dias digo isso pelo menos para uma pessoa, mas não consigo tirar da cabeça essa "indecência grave". Por algum motivo, eu simplesmente acordei um dia aos 93 anos e disse que teria de fazer algo a respeito.

Se você aceita o perdão, admite que foi culpado. Como posso ser culpado por nascer do jeito que nasci? Minha mãe me fez um homossexual!

As rodas da política giram muito devagar. Vai levar um ou dois anos, mas vamos ter nossas desculpas. Eu aguardo meu centésimo aniversário. E quando esse dia chegar esta velha rainha receberá uma carta da verdadeira rainha.

Nasci um menino pobre, da classe trabalhadora, meu pai era jardineiro do proprietário de terras local e minha mãe era lavadeira.

Não fui muito bem na escola. Era virtualmente analfabeto, mas muito bom com as mãos e me tornei um moldador.

Quando tinha 15 ou 16 anos, pensei que havia algo muito errado comigo, que eu era diferente dos outros. Mas nessa idade você sublima --simplesmente não deixa que a coisa tome o controle. Trabalha duro, esquece isso e encontra uma namorada.

A palavra "homossexual" não era usada, simplesmente. Era uma aberração, uma coisa terrível. As pessoas automaticamente pensavam que você fosse um pedófilo, e isso era muito doloroso. Então você fazia tudo para esconder.

A guerra estava em curso, tudo estava sendo bombardeado, e eu quis contribuir. Fui aceito pela Força Aérea Real e no início trabalhei em uma fábrica consertando aviões. Queria ser um membro da tripulação, mas fui recusado.

Tornei-me instrutor de educação física, treinando pilotos da Batalha da Inglaterra, e mais tarde entrei em um dos primeiros comboios que navegou pelo canal de Suez, enquanto a luta continuava.

Minha personalidade se formou na Associação de Escoteiros. Aprendi a ser totalmente honesto: "Nunca diga uma mentira". Mas a pressão para me casar, especialmente de minha mãe, tornou-se intensa, e quando eu tinha 35 anos decidi me casar com Vera, que aceitava que eu fosse gay.

Eu fazia tudo para torná-la feliz, e a amava, mas ainda amava os namorados que eu tinha de vez em quando, e ela aceitava tudo isso. Tivemos três filhos, e depois a parte do sexo não foi mais tão importante.

Tivemos uma reunião de família e eu contei a meus filhos: "Desculpem, crianças, sua mãe e eu vamos viver separados porque seu pai é gay". E minha filha disse: "Oh, papai, sabemos disso há anos".

Se você fosse gay e vivesse em uma pequena aldeia rural, a única maneira de encontrar outros homens era ir aos banheiros públicos. As pessoas escreviam poemas nas paredes, ou seus números de telefone. Não faziam nada feio; apenas usavam os olhos, conversavam e conheciam pessoas.

A polícia costumava subir no mezanino e observar as pessoas lá embaixo.

A polícia também pegava um cara jovem e vulnerável que tivesse feito alguma coisa errada e o levava à delegacia e o ameaçava. Ele dava nomes. Era chamada a lista das bichas.

Meu nome estava na lista, por isso eu tomava muito cuidado.

Mas um dia em 1974 eu estava numa cabine quando a polícia chegou, batendo na porta. Eu estava sozinho e não fazia nada, mas não importava.

Fui condenado por indecência grave por um juiz local e obrigado a renunciar dos escoteiros depois de 40 anos de trabalho com meninos muito deficientes. Naquele tempo, se você fosse gay, eles supunham que você fosse um pedófilo, o que não era verdade, é claro. Era muito injusto.

Cerca de três anos antes da morte de minha mulher, conheci Somchai em um bar em Londres. Apaixonei-me por ele na primeira manhã em que acordei ao seu lado. Minha mulher também gostava dele, e um dia ela disse: "Já o tive esse tempo todo, você pode ficar com ele agora". Somchai e eu estamos juntos há 21 anos em total harmonia, e ficaremos juntos até o dia de nossa morte.