Topo

Como um vídeo viral com uma menina está ajudando a mulher latina nos EUA

Sarai Gonzalez, 11, que participa do vídeo viral "Soy Yo", do grupo colombiano Bomba Estéreo - Hilary Swift/The New York Times
Sarai Gonzalez, 11, que participa do vídeo viral "Soy Yo", do grupo colombiano Bomba Estéreo Imagem: Hilary Swift/The New York Times

Annie Correal

30/10/2016 06h00

Até alguns meses atrás, o maior orgulho de Sarai Gonzalez era ser uma irmã mais velha engraçada. Ela fazia palhaçadas em festas na sala de sua família em Green Brook, Nova Jersey. Ela usava tênis de cano alto cor-de-rosa com tachinhas e fazia cupcakes incríveis.

Agora Sarai, 11, está em uma propaganda para a campanha "Get Out the Vote" e Lin-Manuel Miranda a elogia no Twitter. Recentemente, ela compareceu a um evento para o Mês da Tradição Hispânica na Casa Branca, onde ela abraçou o presidente e recebeu vários pedidos de selfies.

"Foi como um raio", disse Sarai.

Da noite para o dia, ela passou de garotinha desconhecida para uma estrela latina, graças a um vídeo que viralizou: Sarai é a pré-adolescente meio nerd, roliça e confiante que enfrenta valentões nas ruas do Brooklyn no vídeo para "Soy Yo" ou "Sou Eu", da banda colombiana Bomba Estéreo. Para quem é hispânico, são grandes as chances de já tê-la visto.

O vídeo, lançado pela banda no mês passado, tem mais de 6 milhões de visualizações. Ele passou em todos os lugares, desde a NBC News até a Fusion, gerando uma hashtag, inspirando desenhos feitos por crianças e GIFs animados, que por sua vez viraram memes.

"Soy Yo" pareceu surgir no momento certo: uma crítica insolente e adorável à retórica anti-hispânica da campanha de Trump.

"Não se preocupe se não aceitarem você", diz o refrão da música, em espanhol. "Se eles criticarem você, diga simplesmente: 'Sou eu.'"

Quem se identificou particularmente com o vídeo foram as latinas. Como raramente se viu na sociedade americana, especialmente em uma era de tristes polêmicas a respeito de imigrantes, a cultura popular criou uma personagem jovem, parda e da classe trabalhadora, heroica, sem vitimismo e repleta de dignidade.

Sarai deu visibilidade às hispânicas. E elas responderam, em uníssono: "Sim, sou eu."

"É um lembrete de que os hispânicos fazem parte da sociedade americana. O espaço americano é um espaço latino", diz María Elena Cepeda, que estuda representatividade latina na cultura popular e leciona na Williams College em Williamstown, Massachusetts. "Neste momento, essa é uma afirmação bem transgressora."

E tudo aconteceu por um misto de acidente e autenticidade.

soy yo nyt 1 - Hilary Swift/The New York Times - Hilary Swift/The New York Times
Sarai Gonzalez passou de garota desconhecida a ícone latina rapidamente
Imagem: Hilary Swift/The New York Times

O pai de Sarai, Juan Carlos Gonzalez, é da Costa Rica. Sua mãe, Diana Gonzalez, é do Peru. Eles vieram aos Estados Unidos quando tinham mais ou menos a idade de Sarai, e se conheceram na igreja, sendo católicos apostólicos romanos. Diana Gonzalez é analista de sistemas em um hospital de Newark, Nova Jersey, e Juan Carlos deixou seu emprego como engenheiro civil para virar pai em tempo integral. Sarai é a mais velha de suas três filhas, e, quando criança, "ela cantava em todo lugar", diz Diana Gonzalez. "O microfone era seu melhor amigo." E Sarai sempre foi muito autoconfiante. Em seu quarto quase totalmente cor-de-rosa, um pôster pintado à mão afirma: "Sou incrível!"

No ano passado, reconhecendo seu carisma, os pais de Sarai a inscreveram em um programa conduzido pela Actors, Models and Talent for Christ (AMTC, Atores, Modelos e Talentos por Cristo), que se descreve como um ministério de talentos e modelos cristãos. Sarai viajou para Orlando, na Flórida, e foi escolhida por um agente em Nova York. Mas foi seu pai que viu a chamada de testes para o vídeo, em um banco de dados para atores.

O diretor, Torben Kjelstrup, também entrou em cena quase que por acaso. Kjelstrup, que mora em Copenhague, na Dinamarca, venceu um concurso para fazer o vídeo de "Soy Yo", que faz parte do álbum "Amanecer" do Bomba Estéreo, indicado para o Grammy de 2015.

Ele não pretendia passar uma mensagem política. Ele se inspirou na mensagem da música, "sobre ser você mesmo", diz Kjelstrup. Sua ideia para a personagem de Sarai veio da foto de uma namorada que teve durante o colegial. "Ela usava aparelho, era ruiva, usava um abrigo horrível", ele diz. "Ela tinha algo a mais."

Ele imaginou "uma história sobre ela andando pela rua, só emitindo essa autoconfiança que passa para o espectador."

Kjelstrup queria "parafrasear um vídeo de hip-hop", então ele foi até o Brooklyn. (O vídeo foi gravado aqui. Ele realizou testes durante o verão que atraíram mais de 100 jovens atores.) "Quando eu vi Sarai", ele diz, "enquanto ela esperava, a expressão no rosto dela era simplesmente impagável."

Foi o primeiro papel dela, se não contar a participação na peça "Os Três Porquinhos", encenada na escola.

Foi fácil para Kjelstrup construir seu personagem: macaquinho, Crocs, óculos grandes e maria-chiquinhas. Esse visual, combinado com a atitude de Sarai, foi contagioso.

Logo milhares de pessoas passaram a compartilhar o vídeo nas mídias sociais; muitas delas postaram fotos da infância. Alma Castillo, que o viu a partir de Montana, tuitou: "#Soyyo, você captou minha infância! Obrigada por me fazer sentir orgulho! #Latina".

Melissa Zepeda, estudante e barista em Austin, Texas, escreveu no Instagram: "Queria que essa música e esse vídeo tivessem sido lançados quando eu tinha por volta dessa idade, quando eu provavelmente mais precisava. Quando eu era nerd demais, americana demais, gorda demais, mexicana demais."

Surpreendentemente, houve pouquíssimas latinas fora do convencional na cultura popular. "Ugly Betty", adaptada da telenovela colombiana "You Soy Betty, la Fea", é praticamente a única nerd.

Nas poucas vezes em que há latinas sendo representadas, diz Isabel Molina-Guzmán, autora de "Dangerous Curves: Latina Bodies in the Media" ("Curvas perigosas: corpos latinos na mídia", não lançado no Brasil), "as pessoas esperam que elas sejam muito sensuais, um espetáculo."

A personagem de Sarai é empoderada, sem nenhuma dessa bagagem. Ela espanta duas meninas brancas que riem dela, dublando o som de flautas andinas. Ela confronta meninos mais velhos, com passos de dança que ela aprendeu assistindo a clipes de Will Smith em "The Fresh Prince of Bel-Air".

Se o vídeo repercutiu em sua maior parte entre as latinas, pode ter sido por causa dessa mistura fluida de culturas, que veio naturalmente para uma garotinha que foi criada entre elas.

A família tem um novo ritual noturno agora. Sarai sobe na cama com seus pais para olhar as últimas fotos que os fãs postaram.

"Eu sempre choro", sua mãe diz. Quando tinha a idade de Sarai, Diana Gonzalez teve de trabalhar nas plantações de fumo da Geórgia junto com sua família.

"Eu nunca me vi na televisão", ela diz. Em sua filha, ela afirma, "Eu finalmente me vejo na telona. E não preciso ser magrinha, ter uma pele perfeita ou uma determinada cor de cabelo. Eu posso ser eu mesma."

Seu marido diz: "Essa garotinha está em cada mulher latina."

Quando seus pais ficam emocionados, Sarai diz a eles o que escrever. "Uau! Você é linda", eles escreveram para a barista do Texas que nunca se encaixou. "A Sarai manda um abraço."

Então ela enviou alguns corações. Cor-de-rosa.