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Protestar contra Trump virou um estilo de vida em Washington

Marcel Ast, 10, segura cartaz durante protesto em Washington - Pablo Martinez Monsivais/AP
Marcel Ast, 10, segura cartaz durante protesto em Washington Imagem: Pablo Martinez Monsivais/AP

Katie Rogers

Em Washington (EUA)

16/03/2017 04h00

Em uma cidade que parece passar perpetuamente por transformação cultural e política, há certas partes da vida que parecem constantes, como a paralisia no Capitólio, o surgimento ocasional de um filhote de panda e a previsível imprevisibilidade do metrô de Washington.

E agora há os cantos constantes das pessoas que protestam.

Passadas apenas semanas do governo do presidente Donald Trump, muitos moradores desta área altamente democrata que antes participavam de algum protesto ocasional agora adotaram a resistência ao governo Trump como estilo de vida. Eles vão a marchas nos fins de semana, organizam amigos após o trabalho ou se reúnem para envio de lotes de cartões postais à Casa Branca.

"Eu notei que está se tornando cada vez mais um tipo de evento social", disse Denisha Jones, uma professora assistente de pedagogia da Universidade Trinity Washington, que participou de vários protestos desde o dia da posse. "Pessoas com as quais normalmente saio para um brunch agora vão a protestos."

"Protestar é o novo brunch" soa com um slogan de camiseta e, graças a internet, de fato é. Mas também é uma frase trocada entre amigos em bares, no trabalho ou na volta para casa após mais outro protesto. "Vejo vocês no próximo fim de semana", dizem as pessoas.

Às vezes ocorre mais cedo que isso. Os protestos organizados contra Trump podem reunir centenas em um instante: quando o governo emitiu sua primeira versão da proibição de entrada no país de pessoas de sete países de maioria muçulmana, disse Jones, "no dia seguinte estávamos todos na Casa Branca".

10.mar.2017 - Manifestantes batem num Donald Trump de papelão durante protesto em Washington - Nicholas Kamm/AFP - Nicholas Kamm/AFP
Manifestantes batem num Donald Trump de papelão durante protesto em Washington
Imagem: Nicholas Kamm/AFP


Os protestos também estão proliferando, com mais esperados à medida que o clima esquentar. Mike Litterst, um porta-voz do Serviço Nacional de Parques, disse que a agência recebeu 200 pedidos desde o início do ano para manifestações em parques em Washington, incluindo o Passeio Nacional. Ocorreram cerca de 50 durante o mesmo período no ano passado. (O número deste ano inclui os numerosos protestos no momento da posse.)

Outro sinal de um aumento é a multidão na Igreja Unitária de Todas as Almas, uma igreja de Washington onde fé e justiça social há muito andam de mãos dadas. Cada culto dominical tem atraído cerca de 200 pessoas a mais do que antes da eleição, disse o reverendo dr. Robert M. Hardies, o ministro sênior da igreja.

As 2.400 pessoas presentes no primeiro culto após a Marcha das Mulheres em Washington, em 21 de janeiro, estabeleceram um recorde.

10.mar.2017 - Multidão protesta no dia das nações indígenas e contra construção de oleoduto, em Washington - Brendan Smialowski/AFP - Brendan Smialowski/AFP
Multidão protesta no dia das nações indígenas e contra construção de oleoduto, em Washington
Imagem: Brendan Smialowski/AFP


"Você chega a um aeroporto e se sente entre os seus", disse Hardies, referindo-se aos protestos contra a proibição de viagem do governo Trump. "Você vem à igreja e está entre os seus."

Agora há tantas manifestações de fim de semana entre as quais escolher que as pessoas que desejam participar estão ficando sem tempo nos fins de semana. Assim, ficam procurando como arrumar tempo para um protesto nos dias úteis.

Durante o recente protesto Um Dia Sem uma Mulher, Wajiha Rais, uma advogada de 25 anos, usou sua hora do almoço para participar. Ela pegou um cartaz dizendo "Mantenha suas mãos minúsculas longe do meu útero" e ficou na Praça Lafayette, ao lado da Casa Branca, ao lado de mulheres que tiraram o dia de folga.

"Parece haver algo acontecendo todo dia e quero contribuir", disse Rais. "Parece que o país regrediu um bocado com nosso novo presidente."

Outra manifestação na semana passada, contra a versão revisada da proibição por Trump de entrada no país, foi realizada às 8h da manhã na sede da Agência de Fiscalização de Alfândega e Proteção de Fronteiras e terminou uma hora depois.

Leah Muskin-Pierret, 22 anos, que descreveu seu trabalho como advocacia de políticas para o Oriente Médio, participa com frequência dos protestos. Ela disse que notou novatos dispostos a participar, mesmo quando as manifestações acabam rapidamente.

"Com certeza acho que mais pessoas estão participando", disse Muskin-Pierret. "As pessoas sentem uma nova obrigação de se erguerem em defesa do que acreditam."

10.mar.2017 - Manifestantes contrários ao oleoduto Dakota Access protestam em Washington - Brendan Smialowski/AFP - Brendan Smialowski/AFP
Manifestantes contrários ao oleoduto Dakota Access protestam em Washington
Imagem: Brendan Smialowski/AFP


Protestar sempre foi uma forma de as pessoas encontrarem uma comunidade e celebrarem sua causa, segundo Rachel L. Einwohner, uma professora da Universidade Purdue que estuda a sociologia dos protestos.

Einwohner disse que a recente popularização do termo "a resistência" pelos liberais tem muito a ver com quão facilmente ela se misturou à cultura popular moderna. A predominância de cartazes com a Princesa Leia na Marcha das Mulheres é um exemplo, ela disse.

O conceito de resistência também é uma ideia mais acessível para pessoas que não podem participar de uma grande marcha ou viajar para uma manifestação.

Atualmente, ela disse, resistência pode ser tão simples quanto deletar o aplicativo do Uber.

"A palavra 'protesto' costuma ter má reputação", disse Einwohner. "'Resistência' também é um pouco mais aceitável e segura."

Outras pessoas estão encontrando pequenos modos de permanecerem ativas, misturando ativismo social com atividades sociais.

Megan McPeak Davis, uma psicóloga de escola, disse que se sentiu motivada a começar a organizar sua rede de amigos e conhecidos horas após voltar para casa da Marcha das Mulheres em Washington.

Ela criou um grupo privado no Facebook (Mulheres Desagradáveis Fazem Planos) e, seguindo uma orientação dada pelos organizadores da marcha, convidou um grupo de amigos para uma reunião para decidirem o que fazer a seguir. Para ela, é uma versão mais séria de um clube de leitura.

"Não tenho muito tempo disponível para socialização", disse McPeak Davis, 37 anos, mãe de dois. "Estou em uma posição em que se puder ser social e ativa ao mesmo tempo, são dois coelhos com uma cajadada."

Também não é incomum o surgimento de amizade e um romance ocasional. Brendan Orsinger, um ativista de 35 anos, disse que conheceu um interesse romântico no ano passado, após ambos terem sido detidos e algemados por desobediência civil no Capitólio.

"Nós acabamos namorando", ele disse.

Mas o romance não durou. Orsinger conheceu outra pessoa, em outro protesto.