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Caça ao tesouro promovida por milionário tem 2 mortos e levanta dúvidas nos EUA

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Jonah Engel Bromwich

22/06/2017 11h39

Uma busca moderna por riquezas enterradas já causou a morte de pelo menos dois caçadores de tesouros. Mas o homem que diz ter escondido cerca de US$ 2 milhões (R$ 6,6 milhões) diz que não pretende encerrar a procura.

Forrest Fenn, um negociante de arte e ex-piloto da Força Aérea, anunciou em uma memória autopublicada em 2010, "The Thrill of the Chase" ['A emoção da caçada', não lançado no Brasil], que tinha enterrado um cofre cheio de moedas e pepitas de ouro, pedras preciosas e objetos antigos. Ele deu pistas de sua localização, ocultas nos 24 versos de um poema incluído no livro. Desde então, ele calcula que mais de 65 mil pessoas aderiram à busca.

No último domingo (18), as autoridades do Novo México encontraram o corpo de uma delas. Paris Wallace, um pastor evangélico do Colorado, foi dado como desaparecido na semana passada depois que, segundo sua família, saiu à procura do tesouro.

Elizabeth Armijo, porta-voz da polícia do Novo México, disse na terça-feira (20) que o médico legista do Estado ainda não tinha feito uma identificação positiva do corpo, mas que, segundo autoridades, as evidências indicam ser de Wallace.

Pete Kassetas, chefe da polícia do Novo México, telefonou para pedir que Fenn encerre as buscas, dizendo que vidas estão sendo postas em risco. Por e-mail, Fenn disse que não pretende desistir.

"É sempre trágico quando alguém morre, e essa última perda me atingiu profundamente", afirmou ele na terça, em resposta a perguntas sobre a morte de Wallace.

"A vida é muito curta para se usar cinto e suspensórios ao mesmo tempo", disse ele. "Se alguém morre na piscina não devemos secar a piscina, mas ensinar as pessoas a nadar."

A morte de Wallace ocorreu mais de um ano após o desaparecimento de Randy Bilyeu, outro caçador encantado pela ideia do tesouro de Fenn. Os restos de Bilyeu foram encontrados no rio Grande, cerca de sete meses depois que ele desapareceu.

Houve outros momentos difíceis. Em 2013, Chanon Thompson, uma mulher do Texas que procurava o tesouro no Novo México, perdeu-se perto do Monumento Nacional Bandelier e passou uma noite gélida na natureza. Foi resgatada no dia seguinte.

Fenn disse que o tesouro está em algum lugar nas Montanhas Rochosas e a 1.500 metros acima do nível do mar, uma sugestão que atraiu pessoas a locais muito inóspitos no sudoeste dos EUA. Ele recentemente especificou que não se localiza em uma área que uma pessoa de 80 anos teria dificuldade para acessar.

A ex-mulher de Bilyeu, Linda, que primeiro relatou seu desaparecimento, disse mais tarde que o tesouro de Fenn é um boato e uma fraude. Na terça-feira ela também ligou para Fenn pedindo que terminasse a busca. "Ele está pondo vidas em perigo por seus próprios motivos egoístas", afirmou Linda.

Forrest Fenn, milionário de 86 anos que escondeu um tesouro no Estado do Novo México, na região das Montanhas Rochosas, nos Estados Unidos - Nick Cote/The New York Times - Nick Cote/The New York Times
Forrest Fenn, milionário de 86 anos que escondeu um tesouro no Novo México
Imagem: Nick Cote/The New York Times

Fenn disse que pretende modificar a caçada de alguma forma, mas ainda não tem detalhes.

"Estou pensando em maneiras de tornar mais segura a busca pelo meu tesouro, e espero fazer um anúncio nos próximos dias", disse.

Fenn, 86, é um homem alegre e excêntrico cuja galeria em Santa Fe atraiu visitas frequentes de um grupo eclético de celebridades nos anos 1970 e 1980. Um perfil na revista "People" em 1986 relatou que o presidente Gerald Ford, a ex-primeira-dama Jacqueline Kennedy e artistas como Robert Redford, Cher e Steve Martin estavam entre os clientes que pagavam altos preços por pinturas a óleo e artesanato indígena americano.

Fenn inventou a caça ao tesouro vários anos depois que esse perfil foi publicado, quando foi diagnosticado com câncer de rim. Originalmente, ele tinha planejado ser enterrado com suas riquezas, mas depois de se recuperar da doença decidiu criar a caça ao tesouro. Assim, pouco antes de publicar seu livro, saiu sozinho e enterrou o tesouro, segundo afirmou. Em um perfil em "The New York Times" no ano passado, Fenn calculou que o conjunto vale US$ 2 milhões.

Não houve testemunhas, disse Fenn. As dezenas de milhares de pessoas que entraram na busca confiam totalmente na sua palavra e nas pistas contidas em seu poema para como orientação.

Vários sites na web acompanham obsessivamente a caçada. Jenny Kile, que dirige o site "Mysterious Writings" ('escritas misteriosas'), envia seu "sentimento e orações" aos familiares de Wallace, mas defende intensamente os méritos do mistério.

"Há tragédias e riscos em tudo o que fazemos", disse ela. "E embora as autoridades e outras pessoas críticas queiram apontar o dedo, 'The Thrill of the Chase' não é de modo algum culpado pelas mortes ou acidentes que acontecem durante a caçada. A maioria das pessoas entende isso."

"Acredito que a maior tragédia da vida é não vivê-la", disse ela. "É mais danoso não incentivar as pessoas a perseguir seus sonhos e não incentivá-las a viver uma vida extraordinária, cheia de aventura e diversão."

Esse sentimento fez eco ao de Fenn. Na juventude, ele passou a maioria dos verões no Parque Nacional Yellowstone, na parte central das Montanhas Rochas. Mais tarde, lutou no Vietnã, onde foi atingido duas vezes e fez 328 missões aéreas de combate em 348 dias.

"Por pior que fosse, foi minha grande aventura e me ensinou que a vida é preciosa", disse ele sobre esses incidentes. "Quando eu morrer, quero que seja porque estou esgotado."

Os críticos, inclusive Linda Bilyeu, discordam. Em uma forte crítica no último verão, depois que o corpo de seu ex-marido foi recuperado, Linda sugeriu à mídia local que a caça ao tesouro tinha distorcido suas prioridades e que ela acreditava que "a mente dele foi manipulada". Linda confirma essa declaração hoje.

"Ouvi muitas vezes que Randy morreu fazendo o que gostava de fazer", disse ela na época. "É mentira. O que ele gostava de fazer era passar o tempo com a família e os amigos."

Mas Fenn afirmou que a aventura e a família não são mutuamente excludentes.

"Até a pessoa mais sedada tem algum sentido de aventura espreitando no fundo da mente", disse ele.