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Análise: Trump dá um impulso aos supremacistas brancos

Donald Trump, na coletiva de imprensa desta terça-feira (15) no saguão da Trump Tower - Kevin Lamarque/Reuters
Donald Trump, na coletiva de imprensa desta terça-feira (15) no saguão da Trump Tower Imagem: Kevin Lamarque/Reuters

Glenn Thrush e Maggie Haberman

Em Washington

16/08/2017 08h04

O presidente Donald Trump escorou nesta terça-feira (15) o movimento nacionalista branco como nenhum presidente fez em gerações, ao igualar os ativistas que protestavam contra o racismo com os neonazistas e supremacistas brancos que causaram distúrbios em Charlottesville, Virgínia, no fim de semana.

Ele nunca foi tão longe na defesa das ações deles como fez durante uma turbulenta coletiva de imprensa no saguão dourado da Trump Tower, afirmando furiosamente que os chamados ativistas da esquerda alternativa eram tão responsáveis pelo confronto sangrento quanto os manifestantes brandindo suásticas, bandeiras de batalha confederadas, faixas antissemitas e cartazes "Trump/Pence".

"Obrigado, presidente Trump, por sua honestidade e coragem em dizer a verdade", escreveu David Duke, um ex-líder da Ku Klux Klan, em uma postagem no Twitter logo após Trump ter falado.

Richard Spencer, um líder nacionalista branco que participou das manifestações do fim de semana e jurou inundar Charlottesville com protestos semelhantes nas próximas semanas, se sentiu igualmente encorajado. “A declaração de Trump foi justa e com pés no chão”, tuitou Spencer.

O governador da Virgínia, Terry McAuliffe, um democrata, não perdeu tempo em acusar o presidente de aumentar as divisões que deram uma projeção indesejável a uma cidade universitária normalmente pacata.

"Neonazistas, membros da Klan e supremacistas brancos vieram a Charlottesville altamente armados, vomitando ódio e procurando briga", disse McAuliffe. "Um deles assassinou uma mulher jovem em um ato de terrorismo doméstico, e dois de nossos melhores oficiais foram mortos em um trágico acidente, enquanto serviam na proteção desta comunidade. Não foram 'ambos os lados'."

Nenhuma expressão no vocabulário do presidente é mais gasta quanto "sem precedente". Mas membros da equipe do presidente, atordoados e desanimados, disseram que nunca esperavam ouvir uma articulação tão volúvel das opiniões que o presidente há muito expressa de forma privada. O presidente do Conselho Econômico Nacional, Gary Cohn, e o secretário do Tesouro, Steven T. Mnuchin, que são judeus, permaneceram desconfortavelmente ao lado do presidente enquanto este exacerbava uma controvérsia que já envolveu a Casa Branca em confusão.

"Eu já condenei os neonazistas", Trump disse aos repórteres, que o interrompiam repetidamente quando ele parecia igualar as ações dos manifestantes da cada lado.

Ele falou das "pessoas muito boas de ambos os lados". E sobre os manifestantes que se reuniram na noite de sexta-feira, alguns cantando slogans racistas e antissemitas, ele disse: "Havia muitas pessoas naquele grupo que estavam lá para protestar de forma inocente e protestar de forma legal".

Desde os anos 60, políticos republicanos têm feito fortes apelos aos eleitores brancos, especialmente os do Sul, em termos culturais genéricos. Mas como regra, eles adotavam uma linha dura com a ala marginal racista, nativista e antissemita do partido, Ronald Reagan, George H.W. Bush e George W. Bush condenavam de modo enfático os supremacistas brancos.

Em 1991, o primeiro presidente Bush não poupou Duke, que, na época, disputava o governo da Louisiana, dizendo: "Quando alguém endossa tão recentemente o nazismo, é inconcebível que essa pessoa possa de forma razoável aspirar a um papel de liderança em uma sociedade livre".

Mas Trump, que repetidas vezes disse não ter preconceito, tem sido dúbio em suas declarações públicas e privadas contra os nacionalistas brancos e outras organizações racistas.

No sábado (12), em seus primeiros comentários sobre Charlottesville, Trump atribuiu a violência a manifestantes dos “vários lados”.

Após uma tempestade de críticas a seus comentários, os assessores de Trump o persuadiram a moderar sua mensagem, ao atribuir explicitamente a culpa pela violência aos agitadores da extrema-direita, o que levou a uma condenação mais forte dos grupos de ódio, enviada por e-mail aos repórteres e atribuída a um "porta-voz" cujo nome não foi mencionado.

Quando isso não bastou para abafar a controvérsia, assessores, incluindo o novo chefe de Gabinete de Trump, John F. Kelly, o pressionaram a fazer outra declaração pública. A filha de Trump, Ivanka, e seu genro, Jared Kushner, pediram a ele que adotasse uma posição mais moderada, segundo duas pessoas com conhecimento da situação. Mas assim como em muitos outros momentos críticos na presidência de Trump, os dois estavam a milhares de quilômetros de distância, em férias na Croácia.

Trump aceitou contrariado.

Racismo é maligno", disse o presidente, repetindo de seu resort de golfe em Bedminster, Nova Jersey, uma declaração escrita por assessores durante voos de avião e helicóptero.

"Aqueles que causam violência em seu nome são criminosos e bandidos, incluindo a KKK, supremacistas brancos e outros grupos de ódio", ele acrescentou, em resposta a uma condenação bipartidária a suas declarações mais dúbias feitas durante as primeiras 48 horas da crise.

Mas seu tom mais unificador, que sua equipe caracterizou como mais tradicionalmente presidencial, rapidamente deu lugar à postura mais familiar de Trump. Logo após fazer a declaração na segunda-feira, ele começou a se queixar da imprensa de forma privada para sua equipe. Ele reclamava aos assessores sobre a forma injusta como estava sendo tratado, além de expressar simpatia pelos manifestantes não violentos, que ele disse que estavam defendendo seu “legado”, segundo um funcionário da Ala Oeste da Casa Branca.

Ele sentia que já tinha cedido terreno demais a seus oponentes, disse o funcionário.

Trump se orgulha do estilo sem remorso que aprendeu com seu pai, Fred Trump, um empreendedor imobiliário de Nova York, e com Roy Cohn, um advogado combativo que serviu como assessor do senador Joseph McCarthy nos anos 50. Durante a campanha presidencial de 2016, Trump conquistou um apoio significativo de supremacistas brancos, expressou simpatia pelos sulistas brancos que lutam para preservar os monumentos de ícones confederados e hesitou em se distanciar de racistas como Duke.

A fúria do presidente cresceu na segunda-feira, quando membros do conselho empresarial da Casa Branca começaram a renunciar em protesto contra a reação dele a Charlottesville. Como de costume, Trump se manifestou tuitando furiosamente contra a mídia.

Na tarde desta terça-feira, a equipe de Trump sentiu a culminação de um ciclo familiar: o presidente estava prestes a reverter para sua posição inicial mais desafiadora. Quando Trump se aproximou do microfone no saguão da Trump Tower, assessores estremeceram com a perspectiva de um presidente sem mediação. E com razão.

Grupos da "esquerda alternativa" também foram "muito, muito violentos"”, disse Trump no início de sua discussão com os repórteres. Ele declarou que era "culpa de ambos os lados", repetindo seus comentários do sábado e reiniciando uma briga que minou o moral de sua equipe após o breve entusiasmo que se seguiu à contratação de Kelly, que imporia disciplina a uma Ala Oeste caótica.

Eric Cantor, um ex-deputado federal republicano pela Virgínia que já foi membro da liderança do Partido Republicano, ficou horrorizado com o que ocorreu em Charlottesville e disse que o presidente precisava ter se manifestado mais cedo.

"Isso realmente exigia uma declaração logo no início", disse Cantor, que é judeu. Ele acrescentou que os esforços do presidente para igualar as ações dos contra-manifestantes, por mais violentas que tenham sido, com as dos neonazistas e com a do motorista do carro que assassinou uma manifestante, eram "inaceitáveis".

"Não há equivalência moral", disse Cantor.