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Jogo "Secret Hitler" brinca com fascismo e criadores cutucam: "reclame com Trump"

Imagem do site do jogo de tabuleiro "Secret Hitler" - Reprodução/secrethitler.com
Imagem do site do jogo de tabuleiro "Secret Hitler" Imagem: Reprodução/secrethitler.com

Jonah Engel Bromwich

07/09/2017 04h00

Eu estava cuidando da casa de meu irmão nesse verão quando vi algo suspeito: uma caixa na sua sala de estar estampada com as palavras "Secret Hitler".

Quando ele voltou, eu o confrontei. "Que diabos é isso?", perguntei, apontando para a caixa.

"É um jogo de tabuleiro", ele respondeu, revirando os olhos.

Mais especificamente, Secret Hitler (ou Hitler Secreto) é um jogo de dedução social, que pegou rapidamente assim que começou a ser enviado para os jogadores no último verão [no hemisfério norte]. É como o Mafia, Werewolf ou outros jogos nos quais os jogadores tentam identificar um traidor entre eles.

Nessa versão, de cinco a dez jogadores são divididos em duas equipes: uma deles maior, com progressistas, e uma equipe menor com fascistas. (Não há antifas). Um dos jogadores é escolhido para ser o Secret Hitler. Os fascistas, cientes da identidade de seu líder, tentam colocá-lo no poder enganando os progressistas, que não sabem quem ele é.

Os criadores desse jogo arrecadaram quase US$1,5 milhão (cerca de  R$ 4,6 milhões) desde que o anunciaram no Kickstarter em novembro de 2015. Ele logo se tornou o item mais vendido na categoria de brinquedos e jogos da Amazon quando foi lançado, e recentemente teve sua segunda tiragem esgotada. (A empresa não divulga dados de vendas, mas o dinheiro que eles arrecadaram sugere que eles venderam dezenas de milhares de cópias.)

O jogo foi concebido no começo de 2015 e impulsionado por sua associação com Max Temkin, 30, que é um dos criadores do provocativo party game Cards Against Humanity. Mas o Secret Hitler foi favorecido por uma outra tendência imprevista: um aumento significativo no interesse pelo fascismo na época da eleição de 2016, que também teve vendas repentinas de clássicos da literatura distópica e uma discussão revigorada sobre o movimento que levou líderes como Hitler e Mussolini ao poder.

Secret Hitler também chegou em meio a um revival dos jogos de tabuleiro, que encontraram um novo mercado entre consumidores adultos. De acordo com Evelyn Rodriguez, uma pesquisadora de mercado na Euromonitor International, pessoas acima de 18 anos têm jogado mais jogos de tabuleiro nos últimos anos, com um crescimento constante de vendas de títulos como Colonizadores de Catan e Enigma.

Os dados da Euromonitor mostram que os jogos independentes tiveram um crescimento especial de popularidade, uma vez que o Kickstarter se tornou um centro para criadores com ideias que poderiam ser arriscadas ou estranhas demais para editoras tradicionais. Através da plataforma de financiamento coletivo, os criadores podem levantar dinheiro ao mesmo tempo em que encontram um público para títulos peculiares e obtêm feedback de possíveis compradores enquanto os jogos ainda estão sendo desenvolvidos.

O ingrediente secreto do desenvolvimento de Secret Hitler foi uma sessão de "binge-watching". Em algum momento entre o final de fevereiro e começo de março de 2015, um de seus criadores, Mike Boxleiter, 32, passou um final de semana assistindo à minissérie sobre a Segunda Guerra Mundial produzida por Steven Spielberg, "Band of Brothers".

Boxleiter, Temkin e um terceiro criador, Tommy Maranges, estavam obcecados com as complexidades dos jogos de dedução. Quando Boxleiter voltou para o escritório que eles dividiam na segunda-feira, depois de assistir a 705 minutos de americanos lutando contra alemães, ele trouxe uma ideia para um jogo novo, baseado na ascensão de Hitler ao poder. Dois dias depois, o grupo já tinha um protótipo jogável de Secret Hitler.

"Foi um mês antes de Hillary sequer anunciar sua candidatura", disse Maranges, 27. "Na verdade pensamos: e se fizermos um jogo sobre o passado, e não sobre qualquer outro período na história?"

Eles criaram uma campanha no Kickstarter em 23 de novembro de 2015, com uma meta de arrecadar US$ 54.450 (cerca de R$ 170 mil) para imprimir sua primeira tiragem do jogo. Em 24 horas, eles haviam levantado mais do que o dobro dessa quantia. Quando o jogo começou a ser enviado, em agosto de 2015, ele já havia atraído mais de 30 mil apoiadores, fazendo dele um dos cinco jogos de tabuleiro mais apoiados na história do Kickstarter. (O jogo ainda não está disponível para outros países, mas ele não inclui qualquer símbolo nazista ou imagens de Hitler, aumentando suas chances de ser aceito em países como a Alemanha.)

Embora seja mais fácil para jogos provocativos encontrarem apoiadores no Kickstarter, mesmo algumas pessoas do site de financiamento coletivo não pareceram se convencer com o nome no começo.

"Eu os aconselhei a não darem esse nome", disse Luke Crane, diretor de jogos do Kickstarter. "Eu disse para não chamarem assim. Minhas palavras exatas talvez tenham sido um pouco mais enfáticas".

Ele disse que, mesmo com o sucesso do jogo, ainda conhecia algumas pessoas que não o jogariam por causa do nome. Mas acrescentou que estava claro que os criadores do jogo haviam aproveitado um tópico de discussão de uma forma difícil de se conseguir, mesmo entre as poucas pessoas que o fazem.

Os criadores de Secret Hitler sabem que alguns consumidores não verão nenhuma graça no título do jogo, seja porque nazistas não são motivo de piada, seja devido aos temores pela visibilidade crescente de supremacistas brancos e outros extremistas desde a eleição do presidente Donald Trump.

Os criadores do jogo não se furtaram a associar o jogo ao presidente. No site, eles aconselham aqueles que "não acharem nada de engraçado ou legal no fascismo" a encaminhar reclamações para a Casa Branca. Eles também enviaram cópias do jogo para senadores e lançaram um pacote de expansão da gestão Trump, com cartas para alguns membros do governo. Ele logo ficou datado, considerando que foram criadas cartas para Steve Bannon e Sean Spicer, que deixaram a Casa Branca durante o verão.

Nenhum dos criadores do jogo, que moram em Chicago, votou em Trump. Temkin, que trabalhou em campanhas do partido Democrata, disse que acha que não conhece ninguém que tenha votado nele, e que sua vitória pegou os criadores do jogo de surpresa. Ele disse que até mesmo sentiu uma pontada de arrependimento pelo momento em que lançou o jogo.

"É uma pena que, quando esse jogo sair, Donald Trump não será mais relevante para a política americana, porque seria um marketing ótimo para a gente", Temkin lembra-se de ter pensado.

* Com reportagem de Niraj Chokshi.