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Análise: Antes relutante, Merkel assume cada vez mais o papel de líder do Ocidente

7.jul.2017 - Angela Merkel comanda reunião do G7 em Hamburgo ao lado dos presidentes Donald Trump (esq., de costas), Xi Jinping, Mauricio Macri e do premiê australiano, Malcom Turnbull (dir., de costas)  - REUTERS/John MACDOUGALL
7.jul.2017 - Angela Merkel comanda reunião do G7 em Hamburgo ao lado dos presidentes Donald Trump (esq., de costas), Xi Jinping, Mauricio Macri e do premiê australiano, Malcom Turnbull (dir., de costas) Imagem: REUTERS/John MACDOUGALL

Steven Erlanger

Em Berlim (Alemanha)

25/09/2017 12h53

A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, recua diante da ideia de que ela é hoje, quase de fato, a líder do mundo ocidental, a defensora das alianças transatlânticas e do multilateralismo. Mas, goste ou não, ela e o país que vai liderar pelo quarto mandato tornaram-se atores globais.

A Alemanha pode ser uma "hegemonia relutante", mas é uma hegemonia de qualquer modo --o maior, mais rico e mais importante país da Europa, que é a região mais rica do mundo. Muitas vezes se diz que a Alemanha é grande demais para a Europa e pequena demais para o mundo.

Mas com a Presidência de Donald Trump e os líderes agressivos e autoritários da Rússia, Turquia, Hungria e Polônia --e um recuo da extrema-direita na eleição alemã no domingo (24)--, Merkel teve a liderança imposta a ela.

Apesar de sua abordagem cuidadosa do poder, porém, depois de 12 anos no cargo "ela pegou gosto pela coisa", segundo Stefan Kornelius, seu biógrafo e um editor sênior do jornal "Süddeutsche Zeitung".

Ela discute habitualmente com Trump sobre comércio e clima, com o presidente Vladimir Putin, da Rússia, sobre a anexação da Crimeia e sanções econômicas e com o presidente Recep Tayyip Erdogan, da Turquia, sobre direitos humanos e migração.

Ela tornou-se uma defensora mais declarada dos direitos humanos, da simpatia pelos refugiados e da necessidade de reduzir as emissões de carbono. Como disse em maio, decepcionada com as posições ambíguas de Trump sobre a Otan, a Rússia, a mudança climática e o comércio, "o tempo em que podíamos contar plenamente com os outros de certa forma terminou".

Reeleita no domingo, a pragmática Merkel não recuará diante das novas responsabilidades, segundo analistas e especialistas. Em vez disso, ela quer usar sua posição para colocar a União Europeia em um rumo mais estável e viável, fazendo dela e da Alemanha uma força maior e talvez mais racional em um mundo cada vez mais rancoroso.

Mas primeiro ela terá a difícil tarefa de formar uma nova coalizão de governo, com os social-democratas indo para a oposição, e isso poderá demorar semanas. Com o apoio aos dois partidos principais em queda, e a alternativa para a Alemanha (AdF), de extrema-direita, recebendo cerca de 13% dos votos, ela precisará unir-se no governo aos Democratas Livres e aos Verdes, que raramente se olham nos olhos.

"Ela é um pilar de estabilidade e certeza em um mundo que navega por águas desconhecidas", diz Ivan Vejvoda, diretor do projeto Europa no Instituto de Ciências Humanas em Viena (Áustria). "Merkel foi relutantemente colocada no papel da mais declarada defensora da ordem liberal democrática no Ocidente, e ao mesmo tempo se envolve na realpolitik, tentando resolver importantes desafios globais."

Para alguém que "jamais gostou de se destacar ou de ser posta em um pedestal", diz Kornelius, esse é um grande desafio.

Mas diante dos desafios de Trump, Putin e Erdogan ela compreendeu que "a Alemanha é uma potência média no meio de tudo, e tem de lidar com esses sujeitos ou negligenciar seu dever para com seu povo", diz Volker Perthes, diretor do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança, em Berlim.

Tendo crescido na Alemanha Oriental, "ela aprendeu em sua biografia que vale a pena defender o Estado de direito e os valores liberais, e ela é muito sincera nisso", segundo Perthes.

Como ela disse certa vez ao primeiro-ministro de direita da Hungria, Viktor Orban, reagindo à sua dura posição sobre os refugiados, "eu vivi atrás de uma cerca por muito tempo". E acrescentou: "Não é algo que eu queira fazer de novo".

Mas é o futuro da Europa e da União Europeia, com todos os seus problemas de moeda, desequilíbrios comerciais, dívida soberana, terrorismo, migração, defesa, demografia, desemprego jovem e crescimento lento, mas melhorando, o que realmente a preocupa.

Especialmente depois da crise financeira global de 2008, Merkel ganhou um papel de liderança conforme o peso na Europa mudava. "Depois de 2012 você podia realmente sentir isso", afirma Kornelius.

Merkel demorou, mas finalmente fez a escolha polêmica, contra o conselho de seu poderoso ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, de manter a Grécia na moeda comum, o euro. "Ela impediu que o euro despencasse e provavelmente toda a União Europeia desmoronasse", diz Kornelius.

Ela liderou a reação ocidental à anexação russa da Crimeia, tem sido um baluarte contra os partidos de direita e o populismo, pressionou por ajuda à Síria e ao norte da África, foi franca na defesa do acordo de Paris sobre mudança climática, comprometeu a Alemanha rica a gastar significativamente mais na defesa europeia e instigou a participação alemã e europeia nas iniciativas diplomáticas para pôr fim à crise sobre a Coreia do Norte.

"O novo papel é simplesmente uma realidade", aponta Daniela Schwarzer, diretora do Conselho Alemão para Relação Exteriores, em Berlim. "A Alemanha já está em um papel de liderança. Isso é mais claro no interior da UE desde a crise na zona do euro. Mas agora está implementando uma abordagem normativa à política externa", baseada nos acordos internacionais e no Estado de direito.

"Conforme os EUA sob Trump se afastam desse papel, a Alemanha tem um enorme interesse em manter a ordem europeia e também a global", acrescentou ela.

Mas para isso Merkel precisará resolver os crescentes problemas da moeda comum --a falta de disciplina fiscal entre os países membros e a falta de apoios institucionais europeus-- e fazer isso em conjunto com o novo presidente francês, Emmanuel Macron.

Ela também terá de ajudar a modernizar e reformar a UE para que possa funcionar com toda a sua diversidade e sem o Reino Unido, que contribui com 14% do orçamento do bloco. E está comprometida a pagar significativamente mais pela defesa coletiva.

Não há um cuidado missionário, mas um profundo senso de dever.

"Se ela pensa em um legado, é em finalmente consertar a zona do euro", disse Kornelius. "E ela quer avançar com uma Europa mais diversificada."

Essa Europa precisa encontrar um acordo melhor com figuras mais autoritárias como Orban na Hungria e Jaroslaw Kaczynski, o líder efetivo da Polônia, que valorizam sua participação no bloco, mas nem sempre compartilham seus valores e não querem que a burocracia de Bruxelas os atrapalhe.

"Tudo parece difícil, mas ela gosta disso", afirma Kornelius. "Do mesmo modo é ambicioso, mesmo que ela ande passo a passo, como sempre. Mas isso combina com a Europa --você não pode revolucionar a Europa. Ela se senta e espera e deixa todo mundo falar, e então encontra um meio-termo. Essa é sua força."

Em geral os líderes europeus admitem que Merkel, por virtude do poderio alemão e de sua própria duração no governo, tem a voz decisiva em Bruxelas. Mesmo na burocracia europeia a Alemanha tem grande influência. Tomando a Europa como interesse nacional fundamental, as autoridades graduadas são incentivadas a ocupar cargos na UE.

"'Salvadora do Ocidente' dá crédito demais à Alemanha e coloca muito peso nela", diz Schwarzer. "A Alemanha ainda pensa em sua política externa como predominantemente europeia, dentro da UE ou certamente com parceiros da UE."

"A Alemanha nunca quer liderar sozinha", acrescenta Schwarzer. "Mas se erguerá, mesmo contra aliados, se ela vir os princípios da ordem internacional minados. É por isso que as eleições francesas foram tão importantes, por que o Brexit é tão doloroso e por que a Polônia e a Hungria são tão difíceis."

A campanha eleitoral alemã foi complacente em um país próspero, com pouco debate sobre os desafios internacionais à frente.

Mas o papel global de Merkel só pode crescer nos próximos anos, enquanto a Alemanha se vê cada vez mais como um país "normal", restrito mas não paralisado pelo passado nazista.

Na Alemanha, aponta Schwarzer, "você vê o impacto da história, que é cautela e o desejo de não estar só". Mas, diz ela, "assumir mais responsabilidade e não poder contar com aliados e estruturas como a UE, como pudemos na última década, é a nova realidade".