Entenda como funcionam as regiões autônomas da Espanha e o que a Catalunha deseja
A declaração de independência pelo Parlamento regional da Catalunha representou uma escalada de um antigo confronto com o governo central da Espanha.
O governo em Madri buscou rapidamente esmagar o movimento de secessão catalão como sendo uma violação da Constituição espanhola e destituiu a região rebelde, ao menos temporariamente, de seus poderes autônomos.
Os eventos em rápido desdobramento provocaram novas preocupações com possíveis repercussões entre outras regiões da Espanha que contam com graus variados de autonomia. De forma mais ampla, a declaração pelos líderes catalães coloca em dúvida a unidade política da Espanha, que conta com a quinta maior economia na União Europeia.
Aqui estão algumas respostas para perguntas sobre as regiões autônomas da Espanha:
Quais são as origens das regiões da Espanha?
A Espanha conta com 17 comunidades autônomas, o que a torna um país descentralizado, mas não uma federação. A maioria das regiões há muito contam com suas próprias tradições e histórias, mas algumas possuem raízes mais recentes e políticas.
O primeiro-ministro da Espanha, Mariano Rajoy, com frequência se refere ao país como "a nação mais antiga da Europa". Essa visão se baseia na união política do século 15 resultante do casamento de Isabel de Castela com Fernando 2º de Aragão, cujo reino incluía a Catalunha.
Os catalães comemoram como seu feriado nacional uma derrota em 1714 ao final da Guerra da Sucessão Espanhola, quando Barcelona foi conquistada pelas tropas de Filipe 5º, o primeiro monarca Bourbon da Espanha. Filipe reprimiu os catalães e destruiu parte de Barcelona.
"Posteriormente, as iniciativas de construção de nação na Espanha visaram e foram implantadas não apenas para manter o país unido como uma só nação, mas também para consolidar um sistema hierárquico de governo para assegurar que tanto Madri quanto a língua e valores culturais castelhanos exercessem um papel proeminente e quase exclusivo na moldagem do país", disse Elisa Martí-López, uma professora de história da Universidade do Noroeste.
Como a Constituição moderna da Espanha assegura a ideia da autonomia?
Quando uma nova Constituição entrou em vigor em 1978, três anos após a morte do ditador general Francisco Franco, seus autores buscaram reconhecer as partes do país com herança cultural distinta.
Mas também afirmaram que não haveria soberania fora a da nação espanhola.
Antes mesmo da Constituição ser aprovada, a Catalunha já buscava recuperar parte da autonomia que perdeu na guerra civil dos anos 30, como parte de um acordo político intermediado por políticos em Madri para assegurar que os catalães aprovariam a estrutura política da Espanha.
De fato, Adolfo Suárez, que se tornou o primeiro-ministro conservador da Espanha, restaurou o Generalitat, o governo regional da Catalunha, como a única instituição da Segunda República espanhola dos anos 30 a ser restabelecida após a ditadura de Franco.
Em 1981, os principais partidos da Espanha concordaram em dividir o país em 19 regiões, incluindo duas cidades-enclave no Norte da África, Ceuta e Melilla. Em 1995, cada região já contava com seu próprio estatuto de autonomia.
"A Constituição era vista como um instrumento de transição e paz que, nos primeiros anos, também poderia criar uma maior ligação social e desenvolvimento econômico", disse Miguel Herrero de Miñón, um dos sete pais fundadores da Constituição de 1978.
"Outros conceitos foram adicionados posteriormente", ele acrescentou. "O mais desastroso deles foi generalizar o mapa de regiões."
Em outubro, os dois principais partidos da Espanha, o Partido Popular de Rajoy e o Partido Socialista Operário Espanhol, concordaram em formar uma comissão para preparar uma reforma constitucional. A decisão deles visa em grande parte tentar desarmar a crise catalã.
Mas a comissão levará seis meses para preparar seu relatório preliminar e não há garantia de que os políticos chegarão a um consenso a respeito do que mudar, em particular em relação à questão sensível do poder regional.
"Os políticos estão discutindo coisas que eles não entendem, disse Herrero de Miñón, citando sugestões por alguns políticos de que a Espanha precisa de um sistema federativo. "Quase nenhum político espanhol sabe a diferença entre uma confederação e uma federação."
Que direitos as regiões autônomas têm?
Cada região autônoma tem seu próprio Parlamento eleito, cujos parlamentares elegem um governo para dirigir a região.
As regiões têm controle sobre uma série de áreas, as mais importantes sendo a saúde e educação. Algumas regiões contam com mais autonomia, notadamente a Catalunha e o País Basco, que contam com suas próprias forças policiais.
Duas regiões, o País Basco e Navarra, também possuem sistemas fiscais independentes, algo que a Catalunha exigiu em 2012, mas o governo de Rajoy recusou. (Na época, a Espanha passava por dificuldades devido a um resgate aos bancos.)
Duas regiões coletam seus próprios impostos; as outras 15 fazem parte de um sistema espanhol de redistribuição de impostos que transfere fundos de regiões mais ricas, como a Catalunha, para regiões mais pobres.
Por que há um forte ressentimento na Catalunha com o governo central?
Há motivos históricos e culturais para as tensões, mas um ponto de virada ocorreu em 2010, quando o Tribunal Constitucional da Espanha rejeitou parte de um estatuto de autonomia acertado em 2006 e aprovado em um referendo catalão e pelos parlamentares dos Parlamentos catalão e espanhol.
O ressentimento é voltado contra o partido de governo de Rajoy, pois ele fez campanha contra o estatuto catalão promovido pelos socialistas, seu principal adversário na Espanha.
Novas eleições regionais ajudarão a resolver a crise?
Não há garantia de que novas eleições catalãs desarmarão o confronto constitucional, muito menos mudar o cenário político na região.
Rajoy estabeleceu 21 de dezembro como data para eleições antecipadas. Mas o nível de participação depende em parte da participação ou não dos políticos separatistas.
Um Parlamento recém-eleito poderia apresentar novos riscos para o governo de Rajoy em Madri, particularmente se outra coalizão independente for reeleita e controlar o Parlamento catalão.
"Apesar de esperarmos que os partidos separatistas reconheçam e concordem em participar da eleição, isso não é certo", escreveu Federico Santi, um analista do Eurasia Group, uma consultoria de risco político em Washington, em um e-mail de orientação aos clientes. "Além disso, há um risco real de que mesmo se eleições forem realizadas, os partidos separatistas vençam de novo e obtenham uma maioria ainda mais forte no Parlamento regional."
A Catalunha poderia prosperar como uma república independente?
Seria extremamente complicado sem um acordo com o governo central em Madri e com as instituições da União Europeia.
Apesar de a Catalunha ser relativamente rica (ela conta com 16% da população da Espanha, mas representa 19% do produto econômico da Espanha e 25% de suas exportações), o conflito com Madri persuadiu mais de 1.600 empresas a transferirem seus quartéis-generais legais da Catalunha desde o início do mês.
O estabelecimento de uma república independente dependeria em parte da Catalunha assumir ou não sua parcela da dívida espanhola.
A Catalunha teria que estabelecer suas próprias defesas e segurança de fronteira, banco central, sistema tributário e muitas outras instituições e serviços atualmente fornecidos por Madri.
E a Catalunha supostamente iria querer manter os direitos e privilégios que vêm com a filiação à União Europeia, algo que o governo regional até o momento não conseguiu garantir.
As autoridades da UE têm evitado interferir em uma disputa de soberania em um dos Estados membros mais importantes do bloco, e em grande parte rejeitaram a declaração de independência catalã de 27 de outubro.
Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, disse em uma postagem no Twitter após o Parlamento da Catalunha ter votado pela independência que, para a UE, "Nada mudou. A Espanha continua sendo nossa única interlocutora".
*Patrick Kingsley contribuiu com reportagem.
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