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O vizinho discreto e educado que é um simpatizante nazista no interior dos EUA

Tony Hovater na entrada de sua casa em New Carlisle, Ohio, EUA - George Etheredge/The New York Times
Tony Hovater na entrada de sua casa em New Carlisle, Ohio, EUA Imagem: George Etheredge/The New York Times

Richard Fausset

Em Huber Heights, Ohio (EUA)*

03/12/2017 14h02

Tony e Maria Hovater se casaram recentemente. Eles deixaram uma lista de presentes de casamento na Target. Na lista constava uma forma de muffins, um aparador com quatro gavetas e um descascador fatiador de abacaxi.

Maria Hovater, 25 anos, temia que o antifa (o movimento antifascista) estragasse a cerimônia. Casamentos já são difíceis de planejar mesmo quando seu noivo não é um nacionalista branco assumido.

Mas Tony Hovater, nos dias que antecederam o casamento, estava menos ansioso. Há momentos em que pode parecer tóxico assumir abertamente ser um extremista de direita em Ohio em 2017. Mas nem sempre. Ele disse que a eleição do presidente Donald Trump ajudou a abrir um espaço para pessoas como ele, demonstrando que não é o fim do mundo ser atacado como o intolerante que ele certamente é: "Você pode simplesmente dizer: 'Sou, e daí?' E seguir em frente".

Era uma noite de meio de semana no Applebee's em Huber Heights, um subúrbio de Dayton, poucas semanas antes do casamento. O casal, que mora na vizinha New Carlisle, estava sentado lado a lado a uma mesa, jovem e apaixonado. Ele vestia uma camiseta simples, ela uma jaqueta jeans sem mangas. Ela pediu asas desossadas. Os pais dela o conheceram, ela disse, e aprovaram o casamento. A cerimônia seria pequena. Alguns dos melhores amigos dela estariam presentes. "Muitas das garotas não se interessam por política", ela disse.

Em Ohio, em meio a plantações e colinas arredondadas, aos restaurantes Olive Garden e Steak 'n Shakes, a presença de Tony Hovater mal chama atenção. Ele é o vizinho simpatizante nazista, educado e discreto em um momento em que as velhas fronteiras da atividade política aceitável podem parecer alarmantemente em fluxo. A maioria dos americanos ficaria enojada e desconcertada com seus comentários casuais de aprovação a Hitler, desdém pela democracia e crença de que as raças são melhores separadas.

Mas suas tatuagens são referências inócuas à cultura pop: uma fatia de torta de cereja adorna um braço, uma homenagem à série de TV "Twin Peaks". Ele diz que prefere disseminar a doutrina do nacionalismo branco com sátira. Ele é um grande fã de "Seinfeld". "Acho que parece estranho falar sobre coisas desse tipo", ele diz. "Sabe como é, me deparar com isso no meio dos anos 90, um humor judeu, nova-iorquino, observacional."

Hovater, 29 anos, é soldador por ofício. Ele não é um astro entre a direita radical americana ressurgente, mas sim um soldado dedicado, um organizador, um convidado ocasional de podcast em um site chamado Radio Aryan (rádio ariana), um autodescrito "vilão da rede social", apesar de que, em pessoa, seus modos do Meio-Oeste certamente agradariam qualquer mãe.

Em 2015, ele ajudou a fundar o Partido Tradicionalista dos Trabalhadores, um dos grupos de extrema direita que marcharam em Charlottesville, Virgínia, em agosto e de novo na manifestação "Vidas Brancas Importam" no mês passado, no Tennessee. A missão declarada do grupo é "lutar pelos interesses dos americanos brancos".

Seus líderes alegam se opor ao racismo, apesar da Liga Antidifamação dizer que o grupo "participou de eventos de supremacistas brancos por todo o país". Em seu site, uma braçadeira com suástica é vendida por US$ 20.

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Livros na casa de Tony Hovater, um simpatizante nazista
Imagem: George Etheredge/The New York Times

Se a manifestação em Charlottesville causou choque, com centenas de americanos brancos marchando em apoio a ideologias que muitos há muito consideram vis demais, perigosas ou estúpidas para serem tratadas na política tradicional, ela ofuscou o fato de que alguns no movimento pequeno, definido vagamente como "direita alternativa", esperam fazer essas ideias parecerem menos chocantes para os "normies" (pessoas normais), que seus simpatizantes tendiam a ridicularizar online.

E para conquistar em vez de ridicularizar, o movimento precisará de pessoas como os Hovaters e sua aparência de vida normal, seu apreço pela Rádio Pública Nacional, por seus quatro gatos, seu registro de casamento.

"Precisamos ter mais famílias. Precisamos ser apenas normais", disse Matthew Heimbach, o líder do Partido Tradicionalista dos Trabalhadores, em uma conversa com Tony Hovater em um podcast. Por que, ele perguntou zombando de si mesmo, tantos seguidores são "anormais"?

Hovater respondeu: "Honestamente, acho que é preciso pessoas com, tipo, uma visão diferente da vida para que as coisas sigam nessa direção no início. Porque a maioria das pessoas é facilmente pacificada. Tipo, aqui está algum dinheiro, aqui está uma boa TV, vá assistir seus programas esportivos, sabe como é."

Ele acrescentou: "O fato de estarmos vendo cada vez mais e mais pessoas normais virem até nós é porque as coisas ficaram ruins demais. E se continuarem piorando, atrairemos cada vez mais pessoas normais".

Aparando as arestas

O rosto de Hovater é estreito e pontuado por duas sobrancelhas em forma de acento circunflexo e tende a usar seu adjetivo favorito, "edgy" (ousado) com máxima intenção sarcástica.  É o tipo de afirmação implícita de que as margens do discurso político americano aceitável (margens estabelecidas por gerações anteriores, como as que combateram o nazismo) são risíveis. "Não quero que você ache que sou um republicano 'ousado'", ele diz, enquanto condena o conceito de democracia.

"Nem mesmo acho que essas coisas deveriam ser 'ousadas'", ele diz, enquanto defende suas afirmações de que os judeus controlam o mundo das finanças e da mídia e "parecem trabalhar mais em prol de seus próprios interesses do que os dos outros".

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Tony Hovater em frente à sua casa em New Carlisle
Imagem: George Etheredge/The New York Times

Sua evolução política, de um roqueiro vagamente esquerdista a um libertário ardoroso e então ativista fascista, foi alimentada em grande parte por frustrações de um tipo que não pareceriam exóticas para a maioria dos conservadores americanos. Ele acredita que o governo federal se tornou grande demais, que a mídia de notícias é tendenciosa e os programas de ação afirmativa para as minorias são fundamentalmente injustos.

Hovater cresceu em bases integradas do Exército e cursou um colégio de maioria branca em Ohio. Ele não passou nenhuma necessidade, nem experimentou nenhum episódio racial marcante. Seus pais, ele diz, eram pessoas do tipo que "sempre acham que as coisas não estão bem. Mas não necessariamente sabem por quê."

Ele é inflexível em sua crença de que as raças provavelmente estariam melhor separadas, mas insiste que não é racista. Ele é um nacionalista branco, ele diz, não um supremacista branco. Havia casais inter-raciais no casamento. Hovater disse não ter nenhum problema com isso.

"É um lance deles", ele disse.

Mas online é mais feio. No Facebook, Hovater postou uma foto supostamente mostrando como a vida seria caso a Alemanha tivesse vencido a Segunda Guerra Mundial: um cenário de rua cheio de pessoas brancas felizes, um movimentando restaurante popular americano e suásticas por toda parte.

"Que parte disso supostamente não é atraente?" ele escreveu.

Em um ensaio lamentando a inclinação para a esquerda do libertarismo, ele escreveu: "Se continuar nesse ritmo, estou certo que o candidato presidencial que apresentarão daqui algumas eleições será uma sapatona aleijada, obesa, negra e com dislexia".

Após participar da manifestação em Charlottesville, na qual um nacionalista branco lançou seu carro contra um grupo de manifestantes contrários de esquerda, matando um deles, Hovater escreveu que estava orgulhoso dos camaradas que se juntaram a ele lá: "Fizemos história. Salve a vitória".

Em alemão, "Salve a vitória" é "Sieg heil".

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Tony Hovater faz compras em supermercado em Huber Heights, Ohio, EUA
Imagem: George Etheredge/The New York Times

Um movimento crescente

Antes do nacionalismo branco, seu mundo era o heavy metal. Ele tocava bateria em duas bandas e seu abraçar do fascismo, na superfície, compartilha algumas características da busca por ser "mais bacana que você" dos hipsters (pessoas que buscam ser diferentes da moda dominante) dos subgêneros musicais mais extremos. Online, ele e seus aliados também podem passar a impressão de que seu movimento é uma grande piada, uma enorme evento de trolagem de garotos politicamente incorretos brincando com a pilha de cinzas da história.

No site do partido, a braçadeira com suástica é listada formalmente como "Braçadeira NSDAP LARP". NSDAP é a sigla em inglês do Partido Nazista de Hitler. LARP significa "Live-Action Role Playing" (jogo de interpretação ao vivo), um termo que originalmente descreve os fãs de fantasia que se vestem como magos e bruxos.

Mas o movimento não é uma piada. O partido, disse Hovater, agora já está próximo de contar com 1.000 filiados. Ele disse que já realizou campanhas para fornecimento de alimentos nos Apalaches. "Essas são pessoas ignoradas pelo establishment", ele disse.

Ele declarou como sendo "exagerada" a estimativa amplamente aceita de que 6 milhões de judeus morreram no Holocausto. Ele disse que apesar do desejo do líder nazista Heinrich Himmler de exterminar grupos como os eslavos e homossexuais, Hitler "era bem mais relaxado nesses assuntos".

"Acho que ele foi um sujeito que realmente acreditava na sua causa", ele disse sobre Hitler. "Ele realmente acreditava estar lutando pelo seu povo e fazendo o que achava ser certo."

Em uma noite recente, Tony Hovater estava em casa, fritando alho picado com pimenta e aguardando o macarrão cozinhar. Os gatos entravam e saíam da pequena casa alugada bem arrumada. Livros sobre Mussolini e Hitler dividiam espaço na prateleira com uma pilha de jogos para Nintendo Wii. Um dia antes, o vizinho ao lado, que Hovater não conhece muito bem, tinha pendurado uma bandeira confederada em frente de sua casa.

"Este é um tipo de território indesejável aqui", disse Hovater. "Muitas pessoas consideram Cincinnati a cidade sulista mais ao norte."

O macarrão estava pronto. Maria Hovater falou sobre quão assustador foi assistir de sua casa no verão a manifestação em Charlottesville sair do controle. Tony Hovater disse ter ficado feliz que o movimento cresceu.

Eles então falaram sobre seu futuro, sobre se mudarem para um lugar maior, sobre a lua-de-mel, sobre terem filhos.

*Dias após a publicação original dessa história no "New York Times", em 25 de novembro, Hovater perdeu o emprego que tinha no restaurante que trabalhava. Mesmo sem ter o estabelecimento citado na reportagem, o dono do restaurante afirmou que o local sofreu críticas e até ameaças. Hovater confirmou ter sido demitido.