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Brasil relaxa no meio ambiente e Pantanal começa a encolher

Barco com turistas navega em região alagada do Pantanal, em Miranda - Lalo de Almeida/The New York Times
Barco com turistas navega em região alagada do Pantanal, em Miranda Imagem: Lalo de Almeida/The New York Times

Ernesto Londoño

Em Miranda (MS)

27/12/2017 04h00

As crescentes indústrias da soja e pecuária do Brasil estão ameaçando um dos santuários da vida selvagem mais ricos do planeta, onde bandos de onças, jacarés, cervos e araras vivem livremente há eras.

A região do Pantanal, uma das maiores áreas alagadas tropicais do mundo, está começando a encolher. Nos últimos 15 anos, cerca de 22,5 mil quilômetros quadrados da área, que se espalha pelo Brasil, Paraguai e Bolívia, foram alterados, com trechos crescentes de terras amareladas e áridas brotando no bioma exuberante, que cobre mais de 180 mil quilômetros quadrados, ou cerca do tamanho da Síria.

Essa degradação do Pantanal é vista pelos críticos como um sinal do enfraquecimento da determinação do Brasil em proteger seu meio ambiente.

Apesar do governo brasileiro ter saudado neste ano uma realização modesta em sua principal luta ambiental (conter o desmatamento na Amazônia), ele tem enfrentado embaraços em outras áreas. As emissões pelo país de gases responsáveis pelo efeito estufa aumentaram 9% no ano passado, em comparação a 2015, a maior emissão pelo país desde 2008.

Alimentadas em grande parte pela conversão de terras florestais em terras agropecuárias e para outros fins comerciais, o aumento das emissões do ano passado colocou em dúvida a capacidade do Brasil de cumprir seus compromissos internacionais de combater a mudança climática, incluindo os determinados pelo acordo de Paris.

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O presidente Michel Temer durante evento com a imprensa no Pantanal
Imagem: Lalo de Almeida/The New York Times

Dados de mapeamento compilados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgados neste mês, mostram que o país perdeu 9,5% de suas florestas entre 2000 e 2014. A expansão da agricultura em áreas com poucas proteções ambientais ou fraca fiscalização coincidiu com um período politicamente turbulento no país, durante o qual uma poderosa bancada representando os interesses dos ruralistas no Congresso conseguiu a aprovação de várias políticas controversas a respeito do uso de terras.

Segundo os ambientalistas, o mais suscetível ao lobby dela é o presidente Michel Temer, que passou grande parte do ano trocando favores com os legisladores em um esforço bem-sucedido para convencer o Congresso a impedir que ele fosse julgado por acusações de corrupção.

"Na prática, Temer retirou o Brasil do acordo de Paris, assim como fez o presidente Trump, com a diferença que ele não tem a coragem de assumir essa posição publicamente", disse Marina Silva, que foi ministra do Meio Ambiente de 2003 a 2008. Nesse período, o país era celebrado no exterior por seus esforços agressivos para coibir o desmatamento desenfreado na Amazônia.

"Há um esforço para desmonte do aparato do governo, criado ao longo das últimas décadas, para apoio às políticas para redução dos gases do efeito estufa", disse Marina.

Temer assume seu apoio à agropecuária, a chamando de motor essencial para o crescimento econômico.

"Muitas vezes dizem que eu protejo os ruralistas e pecuaristas", ele disse durante um recente discurso em um evento setorial. "Eu não protejo, são os ruralistas e pecuaristas que protegem a economia nacional. Não temos que ter medo de dizer isso."

A Constituição brasileira de 1988, redigida após o país sair de um período de ditadura militar, buscou estabelecer um roteiro para o governo "defender e preservar o meio ambiente para a atual e futuras gerações". Ela rotulou os cinco principais biomas do país, incluindo o Pantanal, "parte do patrimônio nacional" cuja conservação seria assegurada por futuras leis.

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Terra preparada para o plantio de soja em uma fazenda em Miranda, na região alagada do Pantanal
Imagem: Lalo de Almeida/The New York Times

Uma lei que regulamenta o uso sustentável de terras nessas áreas foi aprovada para apenas um dos biomas, a Mata Atlântica. Isso significa que os proprietários de terras em locais como o Pantanal contavam com poucas restrições quando o boom dos commodities no Brasil, na virada do século, repentinamente tornou suas terras altamente lucrativas.

A produção agrícola e pecuária do Brasil disparou ao longo da última década, gerando uma safra de cerca de 238 milhões de toneladas em 2016-2017, cerca do dobro da safra 2005-2006, segundo estimativas do governo. No mesmo período, as terras agrícolas aumentaram 26%.

O governo Temer caracterizou o aumento das exportações agrícolas, principalmente para a China, como um ingrediente importante da lenta recuperação do país de uma recessão que durou anos.

Esse crescimento puxado pelas exportações gera oportunidades tentadoras para os proprietários de terras no Pantanal, uma região cujo terreno alagadiço e temperaturas elevadas antes a tornavam não atraente para a agricultura. Isso mudou à medida que novas tecnologias possibilitaram transformar pântanos em plantações de soja.

No ano passado, havia 1,9 milhão de hectares de plantações de soja no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, os dois Estados que incluem o Pantanal, um aumento de 77% em comparação há uma década.

"Graças a Deus temos a China comprando nossos produtos", disse Roberto Folley Coelho, um proprietário de fazenda que ganha a vida criando gado, plantando arroz e soja e recebendo turistas.

Coelho zombou da noção de que suas plantações de soja poderiam estar causando danos ambientais, argumentando que a imposição de regulamentações ambientais na região causariam mais mal que bem.

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Fornos de uma fazenda no Pantanal
Imagem: Lalo de Almeida/The New York Times

"Temo que restrições à iniciativa privada possam levar a mais pobreza aqui", ele disse.

A ameaça de regulamentações ambientais rígidas permanece remota no Pantanal. Em 2011, uma lei foi apresentada no Congresso buscando criar a base para o desenvolvimento sustentável na região, mas não foi à frente.

"O que precisamos é chegar a um equilíbrio", disse Felipe Dias, diretor executivo do Instituto SOS Pantanal, que defende a conservação da região.

Mas segundo ele, os produtores rurais com frequência não dão atenção aos danos de longo prazo causados por suas plantações, que causam erosão do solo, poluindo e desviando rios. Isso altera os ritmos das estações de chuvas e secas no Pantanal, inundando de forma permanente grandes áreas. "Eles não pensam no amanhã", ele disse. "Desde que tudo esteja bem agora, eles não se importam com o que virá a acontecer."

Nacionalmente, um foco semelhante em ganhos econômicos de curto prazo torna o desenvolvimento sustentável uma reflexão tardia, argumentam os ambientalistas.

Em julho, Temer apoiou um projeto de lei que passou a ser conhecido como lei de "grilagem", criando um mecanismo para dar títulos de propriedade a pessoas que ocupam terras públicas na Amazônia. Os ambientalistas lutaram contra a medida, temendo que provocaria um deslocamento de comunidades indígenas e facilitaria o desmatamento.

No mês seguinte, o presidente emitiu um decreto que abria caminho para mineração em uma área protegida da Amazônia. Após protestos em casa e no exterior, assim como uma ação na Justiça, o governo voltou atrás na proposta.

Essas iniciativas ocorreram enquanto Temer, um líder altamente impopular, gastava um enorme capital político para escapar de ser julgado por acusações de corrupção e obstrução da Justiça, persuadindo os legisladores a bloqueá-las.

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Onça-pintada com um colar de identificação caminha em região alagada do Pantanal
Imagem: Lalo de Almeida/The New York Times

"Na falta de apoio popular, o governo Temer busca o apoio de grupos com força no Congresso, entre eles a bancada ruralista", disse Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, um grupo ambiental. "Temer recorre a esse apoio para protegê-lo das investigações e assim vendeu a agenda ambientalista."

Funcionários do governo Temer defenderam o retrospecto deles na questão do meio ambiente, argumentando que as críticas são exageradas. A principal realização deles neste ano foi uma redução de 16% no desmatamento da Amazônia, após vários anos de aumento constante.

"O desmatamento estava fora de controle", disse recentemente o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, aos repórteres. "Nós tratamos da situação."

Outra iniciativa citada pelo governo Temer como parte de seu compromisso com o meio ambiente foi recebida com críticas.

Em outubro, as autoridades anunciaram que ofereceriam às empresas multadas por violação das leis ambientais um grande desconto para quitarem suas dívidas. Segundo o governo, a arrecadação seria destinada a projetos de conservação. O ministério apontou que apenas cerca de 5% das multas ambientais foram pagas nos últimos anos.

"A medida carece de detalhes e não vai ao âmago do problema: a falta de fiscalização", disse Christian Poirier, diretor de programa da ONG Amazon Watch. "Isso representa uma anistia que reforça o clima de impunidade no Brasil."

Sarney defendeu a medida como sendo pragmática diante do fato de as grandes empresas poderem se recusar a pagar as multas, as combatendo na Justiça por anos. A solução a longo prazo, ele disse, é encontrar formas de compensar os proprietários que preservam suas terras.

"Os serviços de proteção florestal precisam ser remunerados", ele disse.

Adauto Rodrigues Oliveira, um produtor de soja em Miranda, concorda. Segundo ele, os ambientalistas demonstram pouca consideração pelo sustento dos produtores rurais.

"Eles não se importam, apenas dizem que você não pode plantar aqui", ele disse. "Os ambientalistas querem proteger as terras, mas não querem pagar compensações."

Ao ser perguntado sobre o impacto de longo prazo de suas plantações de soja na vida selvagem ao redor, ele deu de ombros. As pessoas na região estão menos pobres do que antes da agricultura na região decolar. "A soja é um bom negócio", ele disse. "Tem sido muito boa para o Pantanal."