Contrabandistas escondem migrantes em máquinas de lavar para cruzar fronteira dos EUA
Os atravessadores de pessoas hoje cobram muito mais pelas viagens clandestinas para os EUA do que alguns anos atrás. Os postos de controle como o de Falfurrias, no Texas, ao norte da fronteira, na estrada que vai para San Antonio, ajudam a explicar o motivo.
Os migrantes que vêm da América Central habitualmente pagam mais de US$ 10 mil (cerca de R$ 38 mil) e os mexicanos muitas vezes pagam mais de US$ 6.000 (R$ 22,7 mil) só para entrar nos EUA e continuar até seu destino desejado. Conforme aumentam os custos do contrabando humano, as redes criminosas têm mais recursos para escapar da detecção.
A Patrulha de Fronteiras é encarregada de impedir que migrantes cruzem ilegalmente a fronteira sudoeste e, ainda mais importante, que cheguem ao interior do país. Atravessar a zona de 160 km fortemente patrulhada depois da fronteira pode ser tão difícil quanto entrar nos EUA.
Por isso, enquanto as pessoas muitas vezes pensam na fronteira como uma linha do gol que os migrantes tentam cruzar, de muitas maneiras se parece mais com a linha da grande área.
A Patrulha de Fronteiras adota o que chama de "abordagem em camadas". No vale do rio Grande, isso começa com barcos de patrulha no rio lamacento. Depois há as cercas de aço de 5,4 metros afastadas do rio, onde os agentes patrulham em caminhonetes. Em áreas mais distantes, eles usam veículos que transitam em qualquer terreno ou cavalos.
Os oficiais da Patrulha de Fronteiras alisam a terra junto à cerca com pneus gigantes puxados por um caminhão, para que depois possam ver os rastros deixados por migrantes.
Os contrabandistas às vezes envolvem os sapatos dos migrantes em tiras de pano para tentar apagar as pegadas. E os guias cada vez mais se dão ao trabalho de revestir suas cargas com camuflagem para cruzar a fronteira.
Nos intervalos nas cercas de aço há câmeras ocultas e sensores para alertar as patrulhas. Eu dirigi até uma abertura na cerca entre Brownville e McAllen algumas semanas atrás e fui descoberto quase imediatamente por um agente. Ele verificou minha placa e viu que era um carro alugado, por isso me fez encostar. Os contrabandistas costumam usar carros alugados para evitar suspeitas, disse ele.
As redes de contrabando alugam casas ou trailers, cobrem as janelas e começam a mover os migrantes por locais muitas vezes sujos e lotados de gente. Investigadores americanos chamam esses esconderijos dos dois lados da fronteira de "stash houses", o mesmo termo que usam para os locais onde são guardadas drogas. A polícia de Houston invadiu uma dessas casas em 2014 na qual havia 115 pessoas, inclusive crianças de apenas cinco anos, sem água quente e com um único banheiro.
Antes de mudar um grupo de imigrantes, os contrabandistas verificam o caminho procurando por sinais de polícia, segundo Paul Beeson, diretor da força-tarefa conjunta do Departamento de Segurança Interna que supervisiona a fronteira sudoeste. "Eles têm vigilância contra nós", disse ele.
Mas muitos migrantes contrabandeados são apanhados nos postos de controle nas rodovias, como o de Falfurrias, a mais de 110 km ao norte da fronteira e uma das últimas linhas de defesa da Patrulha de Fronteiras. Em um dia movimentado, mais de 30 mil veículos passam por Falfurrias, e mais migrantes ilegais são apreendidos lá do que em qualquer outro posto de controle do país, segundo Rene Quintanilla, um agente de supervisão na sede do setor Vale do Rio Grande.
Lá, os agentes têm de confiar nos instintos, disse Quintanilla. Em segundos, eles decidem se vão enviar um veículo com passageiros e carga para uma inspeção mais completa.
Os agentes são treinados para observar incongruências quando interrogam um motorista nervoso, como uma única chave na ignição, o que pode ser um sinal de que o veículo é usado para contrabando, já que a maioria das pessoas usa chaveiros com outras chaves ou enfeites, ou quando os carros estão com a traseira baixa, onde pode haver migrantes escondidos.
Quando os agentes da Patrulha de Fronteiras começaram a buscar carros afundados atrás, disse Quintanilla, os contrabandistas passaram a instalar suspensões reforçadas. "Alguns desses veículos são modificados para esconder técnicas de contrabando conhecidas", afirmou.
Nos anos 1980, os guias que tentavam conectar motoristas com migrantes que saíam do mato muitas vezes deixavam um xis ou outra marca no acostamento da estrada. Hoje, telefones celulares e apps de mapas permitem conexões cuidadosamente ensaiadas sem deixar sinais óbvios para os agentes seguirem.
"Já vi cargas que usavam uma combinação de celulares, telefones via satélite e rádios de comunicação", disse Benjamine Huffman, chefe de planejamento estratégico e análise da Patrulha de Fronteiras.
Estava tão quente no dia em que um fotógrafo e eu visitamos a região que um dos cachorros dos agentes ficava procurando água quando deveria estar farejando pessoas escondidas e drogas. Os agentes têm de aguentar a fumaça dos escapamentos durante turnos inteiros, dia após dia, o que me deixou tonto em apenas uma hora.
Os contrabandistas escondem os migrantes no porta-malas dos carros, empilhados na carroceria de caminhonetes, cobertos com lonas, ou mesmo trancados em caixas de ferramentas na carroceria de caminhões. Os agentes encontraram migrantes na traseira de caminhões de lixo e enterrados em serragem. Os migrantes se amontoaram em todo tipo de compartimentos para evitar a detecção.
Transportar migrantes não autorizados é um crime federal, e os motoristas esperam ser bem recompensados pelo risco que correm. Os pagamentos variam de algumas centenas de dólares e mais de US$ 1.000 por migrante. As queixas criminais vistas pela reportagem do "The New York Times" e entrevistas com policiais mostram que nem todos os motoristas são membros das redes de contrabando. Alguns são recrutados pela internet; alguns conduzem um grupo para saldar uma dívida.
Uma mulher, que foi parada em maio em uma estrada de fazenda no oeste do Texas com três migrantes ilegais no país em sua Mercedes prata, disse aos policiais que esperava US$ 6.000 para conduzi-los durante quatro horas do condado de Kinney a San Antonio. Ela foi condenada a oito meses de prisão e três anos de condicional.
Cada vez mais contrabandistas contam com carretas de 18 rodas, trancando os migrantes nos contêineres, muitas vezes escondidos atrás de pilhas de carga.
Nos caminhões refrigerados para manter os produtos frescos, migrantes com pouca roupa, alguns suados do percurso ou molhados pelo rio Grande, podem congelar. Com frequência, os contêineres de metal sem refrigeração se tornam perigosamente quentes ao sol do sul do Texas.
Nos últimos dois meses, agentes da Patrulha de Fronteiras frustraram 42 tentativas de contrabando com carretas na fronteira sudoeste, descobrindo 406 pessoas. Em julho do ano passado, dez migrantes morreram ao viajar na traseira de um caminhão no calor escaldante de San Antonio. O motorista foi condenado à prisão perpétua, sem condicional.
No ano passado, um migrante chamado Martín Gómez Arellano morreu no interior de um compartimento oculto num caminhão apreendido no posto de controle de Falfurrias. Os agentes encontraram outro migrante no veículo, mas Gómez Arellano ficou preso em uma caixa de ferramentas de 73,5 centímetros.
O motorista se confessou culpado e foi condenado a mais de 17 anos de prisão. O Projeto Direitos Civis do Texas fez uma denúncia de homicídio doloso contra o governo.
Os agentes dizem que estão tentando proteger os migrantes de círculos de contrabando perigosos. "É como eles os veem: um punhado de dólares", disse Frank Garza, um supervisor no posto de Falfurrias. "Não como uma pessoa, apenas uma quantia."
Os defensores de migrantes, assim como os grupos de liberdades civis, costumam criticar duramente as táticas da Patrulha de Fronteiras. "O que acontece nos postos de controle é muito perturbador em muitos aspectos", disse Chris Rickerd, advogado de políticas no Departamento de Advocacia Política Nacional da União Americana de Liberdades Civis. Ele indicou denúncias de discriminação racial e casos de cidadãos americanos serem presos com pequenas quantidades de drogas.
Os esforços para escapar à detecção na fronteira nos postos de controle não são uma novidade. A imigração ilegal atingiu o pico em 2000, quando mais de 1,6 milhão de pessoas foram apanhadas tentando cruzar a fronteira às escondidas. Exemplos espetaculares incluíram pessoas que se esconderam em um bloco de motor, atrás de um painel de instrumentos e até no interior de um banco de passageiro.
Sob o presidente Donald Trump, há uma ênfase maior para apanhar as pessoas que entram ilegalmente. Aqui em Falfurrias, a Patrulha de Fronteiras está construindo um posto ainda maior adiante na estrada, redobrando os esforços para descobrir migrantes escondidos.
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