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Análise - Com Trump, Putin comemora: finalmente EUA levam Rússia a sério

16.jul.2018 - Presidente dos EUA, Donald Trump, encontra-se com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Helsinque, Finlândia - AP Photo/Pablo Martinez Monsivais
16.jul.2018 - Presidente dos EUA, Donald Trump, encontra-se com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Helsinque, Finlândia Imagem: AP Photo/Pablo Martinez Monsivais

Andrew Higgins e Steven Erlanger

Em Helsinque (Finlândia)

17/07/2018 15h05

O presidente russo Vladimir Putin não conseguiu fazer o americano Donald Trump endossar a ocupação da Crimeia, suspender as sanções, deter uma nova corrida armamentista que Moscou mal pode financiar ou fechar um acordo sobre qualquer das questões que têm envenenado as relações entre a Rússia e os Estados Unidos.

Mas Putin conseguiu o que mais precisava na reunião em Helsinque: uma declaração de Trump de que não importa o que diga a comunidade de inteligência americana sobre a interferência de Moscou na eleição de 2016, e seja qual for o prejuízo causado pelos atos da Rússia na Ucrânia, Putin é bem recebido de volta ao clube dos líderes mundiais.

Embora Putin não pareça ter obtido grandes concessões de Trump, as agências de notícias russas, controladas pelo Estado, citaram o ministro das Relações Exteriores, Sergey Lavrov, dizendo que a reunião foi "melhor que ótima" e "fabulosa".

O apresentador do Rossiya 24, um canal de notícias estatal que reflete a visão do Kremlin dos acontecimentos, declarou que "nessas circunstâncias, apenas ter uma boa conversa já é uma grande coisa". Os dois presidentes, disse o âncora, "mostraram-se dispostos a alcançar um entendimento".

Ora sombrio, ora bem-humorado, Putin comandou uma entrevista coletiva dos dois, com seu domínio dos detalhes de políticas e seu talento teatral. E fazendo Trump levar mais a sério sua negação de que a Rússia interferiu na eleição de 2016 do que a conclusão de órgãos de inteligência dos EUA de que ela de fato interveio.

O presidente americano adotou uma figura menos imponente, deixando Putin explicar a política americana para a Crimeia e assentindo enquanto o presidente russo zombava das acusações de conspiração entre a campanha de Trump e Moscou como um "absurdo total".

Putin até levou uma bola de futebol e a atirou a Trump depois de ser elogiado pelo sucesso da Rússia como sede da Copa do Mundo. "A bola agora está no seu campo", disse Putin.

13.jul.2018 - Donald Trump recebe a bola da Copa do Mundo de presente de Vladimir Putin durante encontro dos dois líderes em Helsinque - AP Photo/Alexander Zemlianichenko - AP Photo/Alexander Zemlianichenko
Donald Trump recebe a bola da Copa do Mundo de presente de Vladimir Putin
Imagem: AP Photo/Alexander Zemlianichenko

Quando um jornalista perguntou se a Rússia tinha material comprometedor sobre Trump, uma referência a notícias de que ele foi gravado em vídeo com prostitutas durante uma visita a Moscou em 2013, o presidente russo começou a rir antes de insistir que o presidente americano foi um dos diversos de empresários que visitaram a Rússia, e que, na época, ele nem soube que Trump estava em Moscou.

Trump declarou a jornalistas que, antes de se encontrar com Putin na segunda-feira (16) no Salão dos Espelhos do palácio presidencial da Finlândia, o relacionamento entre Moscou e Washington "nunca havia sido pior".

"Isso mudou há cerca de quatro horas", afirmou Trump. "Eu realmente acredito nisso."

Muitos não acreditam, porém, assim como muitos duvidaram da afirmação de Trump depois de seu encontro com o ditador da Coreia do Norte de que ele resolveu a crise nuclear coreana.

Para Putin, frustrado há meses pelo fracasso de Trump em cumprir suas repetidas promessas de "se entender com a Rússia", a primeira reunião formal entre os dois líderes devolveu a Rússia ao que o presidente russo considera seu papel indispensável e inegável como uma das duas grandes potências responsáveis pela resolução dos assuntos mundiais.

"Ficar novamente em bases iguais com o presidente americano, como um equivalente respeitado, é um dos principais objetivos estratégicos de Putin, e ele começou a alcançar esse grande objetivo", disse Norbert  Röttgen, presidente da Comissão de Política Externa do Parlamento alemão.

Mas Röttgen acrescentou que, apesar dos temores europeus, Putin não extraiu concessões que prejudicariam os aliados ocidentais dos EUA. Muitos europeus ficarão felizes porque Washington e Moscou "começaram a conversar de novo, e isso é bom em questões como a não-proliferação nuclear, a Síria e a segurança de Israel", disse ele.

Jeremy Shapiro, um ex-diplomata americano que hoje está no Conselho Europeu para Relações Exteriores, disse que os aliados europeus ficarão aliviados porque Trump não anunciou o cancelamento dos exercícios militares, como fez depois do encontro com Kim Jong-un, ou outras concessões drásticas.

Segundo Shapiro, entretanto, os aliados "perceberão que este presidente americano está muito mais interessado em política interna do que em geopolítica ou qualquer coisa ligada à Europa".

Trump quer garantir que as acusações sobre a Rússia não manchem sua vitória eleitoral, disse o especialista.

"Ele não se preocupa em se aproximar demais da Rússia agora, sua base não se importará e seu pessoal não se demitirá", afirmou ele.

Putin, um patriota orgulhoso e irritável, há muito ficou magoado pela expulsão da Rússia do Grupo dos 7 países democráticos industrializados depois da anexação da Crimeia, em 2014, pela imposição de sanções e por sua redução à posição de "potência regional" pelo presidente Barack Obama.

Revelando o que ele descreve como novas armas "invencíveis" em um discurso sobre o estado da nação em março, em Moscou, Putin se queixou amargamente de que "ninguém realmente queria falar conosco". E acrescentou: "Agora escutem!"

A reunião em Helsinque mostrou, no mínimo, que os EUA estão escutando, e até dispostos a dar a Moscou uma aprovação sobre a Crimeia; sobre a derrubada do avião de passageiros que ia da Holanda à Indonésia em 2014; sobre a Ucrânia; e sobre sua ingerência na eleição.

"Para Putin, este é o quarto presidente americano, e esta é a cúpula com que ele sonhava há 18 anos", disse Alina Polyakova, do Instituto Brookings. "Ele finalmente conseguiu se apresentar como um estadista global que flutua acima da política mesquinha e apresenta a si próprio e à Rússia como um grande mediador para a paz e a ajuda humanitária".

Trump se esquivou de uma pergunta sobre se confiava mais nas negações de Putin sobre interferência do que nas conclusões de suas próprias agências de inteligência de que a Rússia de fato interferiu, mas ainda disse: "Não vejo qualquer motivo por que ela faria isso".

16.jul.2018 - Acompanhado da primeira-dama Melania, presidente dos EUA, Donald Trump, encontra-se com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Helsinque, Finlândia - Alexei Nikolsky, Sputnik, Kremlin Pool Photo via AP - Alexei Nikolsky, Sputnik, Kremlin Pool Photo via AP
Arquivo - Acompanhado da primeira-dama Melania, presidente dos EUA, Donald Trump, encontra-se com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Helsinque, Finlândia
Imagem: Alexei Nikolsky, Sputnik, Kremlin Pool Photo via AP

Assim como Trump, que antes da reunião disse que tinha "baixas expectativas", o Kremlin também minimizou a perspectiva de um avanço surpreendente nas relações.

Isso levou a elite política russa a começar a comemorar o resultado da reunião antes mesmo que ela terminasse, e a se felicitar porque Trump, simplesmente por se encontrar com Putin como um igual, havia reconhecido a Rússia como potência global, e não regional.

"É engraçado lembrar o absurdo de Obama e sua turma sobre a Rússia como uma 'potência regional' fraca", disse em um tuíte na segunda-feira à tarde, enquanto os presidentes ainda conversavam, Alexei Pushkov, membro da câmara alta do Parlamento russo e ex-chefe da Comissão de Relações Exteriores da câmara baixa.

"Hoje a atenção do mundo está em Helsinque, e está perfeitamente claro para todos que a Rússia e os EUA estão decidindo o destino do mundo, que os líderes das principais potências do planeta estão reunidos", disse ele no tuíte.

Sobre a Ucrânia, a questão de política externa que mais dividia Washington e Moscou, Trump deixou Putin falar sozinho. O presidente russo até respondeu a uma pergunta feita a Trump sobre a Crimeia, declarando que o americano lhe havia dito que considerava a anexação da península ilegal, mas que a Rússia a considerava um assunto encerrado.

"Aqui Putin assume o papel não apenas de um grande estadista, mas até de um ventríloquo", disse Alina Polyakova. Trump, acrescentou ela, "apenas balançou a cabeça com entusiasmo e deixou Putin dirigir o show".

Em seus comentários iniciais, Putin disse que os dois tinham concordado em melhorar os laços econômicos, que deveriam ser abreviados pelas sanções americanas impostas depois da crise da Ucrânia e da interferência na eleição.

"Concordamos em criar um grupo de trabalho de alto nível que uniria capitães de indústria da Rússia e dos EUA", disse Putin. "Afinal, empresários e homens de negócios sabem muito bem como favorecer essa cooperação empresarial bem-sucedida."

Depois da crise da Ucrânia, os EUA saíram de um grupo de trabalho para executivos que se reunia regularmente desde meados dos anos 1990. Embora fosse um pequeno passo, um renascimento desse grupo sugeria um abrandamento da pressão econômica. "É claro que empresas dos dois países estão interessadas nisso", disse Putin, referindo-se à cooperação econômica.

James Nixey, que estuda a Rússia na Chatham House, um instituto de pesquisas em Londres, comentou "o enorme abismo entre as palavras de elogio relativamente calorosas que foram trocadas e a ausência de detalhes sobre qualquer conteúdo".

Ele acrescentou que quando perguntaram a Trump se os dois lados são culpados pela relação tumultuada, Trump disse que sim, "mas só falou do seu lado. Ele preferiu voltar ao que conhece melhor, a eleição, onde sente que pode se sair bem".

Declarações de Trump geram forte críticas até de aliados

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