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Eles tentaram correr, mas já era tarde: o drama de quem não chegou ao mar no incêndio grego

24.jul.2018 - Degraus que levam ao mar em Mati, na Grécia, onde um grupo de pessoas tentou fugir do incêndio que atingiu a região - Jason Horowitz/The New York Times
24.jul.2018 - Degraus que levam ao mar em Mati, na Grécia, onde um grupo de pessoas tentou fugir do incêndio que atingiu a região Imagem: Jason Horowitz/The New York Times

Jason Horowitz

Em Mati (Grécia)

25/07/2018 12h30

Eles quase alcançaram a água.

Perto de Atenas, enquanto o vento atiçava as chamas que mataram pelo menos 76 pessoas em casas de férias à beira-mar, 26 homens, mulheres e crianças tiveram a esperança de chegar pelo caminho estreito até uma pequena escada que levava à praia.

O portão de entrada estava a pouco mais de dez passos. Mas, com a fumaça bloqueando a visão e intoxicando seus pulmões, eles perderam o rumo. As autoridades encontraram os corpos no dia seguinte, terça-feira (24), vários deles ainda abraçados a outros.

Ao entardecer, uma caixa de óculos, uma fivela de cinturão, carcaças de cachorros e restos de telefones celulares estavam espalhados pelo campo fumegante onde eles padeceram. Entre cones de pinheiros queimados e árvores nuas, inclinadas como se tivessem sido atingidas por um vento nuclear, havia uma grande sandália de couro e outra pequena, com fecho de velcro.

Ao redor, luvas de borracha azul descartadas pelos socorristas que carregaram os cadáveres.

A Grécia, país que conhece muito bem a tragédia, acordou na manhã de terça-feira com a versão mais grave do gênero em uma década. Além dos mortos pela fumaça ou pelo fogo, ou que se afogaram no mar tentando fugir, 187 pessoas foram hospitalizadas, mais de 20 delas crianças. Dez continuavam em estado grave, disse o governo na terça à noite.

Os incêndios obrigaram milhares de turistas, moradores e aposentados a fugir de Mati, uma área de férias a cerca de 30 quilômetros da capital, Atenas. As chamas ainda devastavam os campos de Kineta, aproximadamente 50 quilômetros a oeste.

"Faremos o que for humanamente possível para controlar o fogo", disse o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, em declaração pela televisão na terça-feira, enquanto anunciava o estado de emergência na região de Ática, que inclui Atenas.

O governo declarou três dias de luto e enviou forças do Exército, da guarda costeira e brigadas contra incêndio. Também pediu a ajuda da União Europeia para conter o fogo.

"Não devemos deixar que o luto nos domine, porque estas são horas de batalha, união, coragem e acima de tudo solidariedade", disse Tsipras.

O cheiro acre, lufadas de vento com fumaça e montes de lixo incinerado davam à comunidade litorânea um ar de apocalipse. As ruas pareciam pintadas de preto, e as luzes da polícia refletiam nas janelas quebradas enquanto guinchos erguiam e baixavam sobre caminhões os restos calcinados de carros.

Elena Apostolov, dona de uma loja de animais, caminhava com uma gaiola vazia. "Não encontramos nada", disse.

Danae Koliou, 23, desviou dos cadáveres e apanhou um celular abandonado, com 48 ligações perdidas.

Os bombeiros usavam máscaras e os socorristas levavam sacolas com bolachas, suco de laranja, pão e cereais para os sobreviventes famintos, muitos dos quais tinham perdido tudo.

"Tudo está ruim", disse George Roumeliotis, presidente da força-tarefa da Defesa Civil do lugar. Ele fez uma pausa para gritar a seus colegas de camisa laranja que começassem a levar comida para outros lugares. "Temos mortos", disse ele, "e pessoas que procuram seus amigos e familiares".

A direção errática do vento deixou algumas casas e arbustos de primavera relativamente ilesos, e outros reduzidos a cinzas. Uma família se amontoou em uma sacada aparentemente intocada perto do mar. A poucos metros de distância, não sobrou nada.

Os moradores disseram que as chamas chegaram depressa.

"Houve um cheiro de fumaça, mas só o cheiro", disse Antonis Tsiongios, 60, um encanador que possuía uma casa de férias aqui. "E duas horas depois o fogo chegou."

Então, disse ele, era tarde demais para escapar. A rua de saída da cidade estava lotada de carros e envolta em chamas.

A única saída era o mar.

Tsiongios apontou para uma passagem estreita atrás de um cacto torto, onde, segundo ele, mais de cem pessoas lutaram para chegar à praia rochosa. Ele conseguiu e entrou na água até que o incêndio acabou. Mas a mãe idosa de um amigo dele não, e está desaparecida.

Algumas pessoas nadaram para longe, esperando que barcos viessem socorrê-las. Algumas foram tiradas do mar por pescadores, enquanto outras se agarraram a balsas improvisadas até que a guarda costeira chegou.

Doze embarcações da guarda costeira, ajudadas por barcos particulares, resgataram dezenas de pessoas do mar e ajudaram a retirar cerca de 800 encurraladas nas praias de Mati e da vizinha Kokkino Limanaki, segundo autoridades.

Mas o mar também cobrou seu preço. Alguns moradores nadaram até locais seguros, mas viram seus vizinhos se afogar. Outros ficaram na água durante horas, com os olhos queimando pela fumaça, até que pescadores os puxaram para os barcos.

Vaios Kiriakis, um instrutor de ginástica de seus 50 anos, disse que sentiu o cheiro de fumaça pela primeira vez na segunda-feira à tarde, em sua casa na cidade vizinha de Rafina, e então viu as chamas de seu terraço. Poucas horas depois, disse Kiriakis, ele, sua mulher e o filho de 12 anos fugiram com um pouco de dinheiro e jaquetas à prova d'água até uma praia perto do porto.

"Você podia ver o fogo se aproximando em grande velocidade, e não se podia fazer nada senão ir embora", disse ele.

A família viu a fumaça preta e branca do incêndio subir enquanto consumia árvores, carros e casas. Às 3h, segundo ele, as chamas se apagaram e ele voltou, quando viu que o fogo tinha parado a cem metros de sua casa.

O número de mortos é o maior na Grécia desde 2007, quando incêndios florestais mataram 60 pessoas na região do Peloponeso. E é provável que cresça quando as autoridades começarem a dura tarefa de examinar os carros queimados e casas destruídas onde alguns evacuados tentaram escapar ou se refugiar, mas acabaram presos.

Evangelos Bournous, o prefeito da área de Rafina-Pikermi, disse a repórteres que viu as chamas envolverem mais de cem casas. "É uma catástrofe completa", disse ele.

A Europa tem enfrentado ondas de calor extremo nos últimos verões.

Imagens de um desastre

AFP

No ano passado, turistas só de chinelos e trajes de banho fugiram de incêndios na França e na Itália. Neste ano, o clima mais úmido evitou os incêndios costumeiros na Espanha, Itália e Portugal, mas as temperaturas incomumente elevadas causaram fogos em florestas na Suécia, Finlândia e Noruega. Ondas de calor no Reino Unido e na Alemanha também preocupam as autoridades de saúde.

Mas na Grécia ocorreram as condições mais mortíferas, com ventos alcançando quase 100 km por hora, o clima seco e a temperatura chegando a 38ºC.

Os políticos aqui já começaram a indicar culpados e a falar sobre incêndio criminoso. Um promotor da Suprema Corte ordenou uma investigação, e Tsipras disse que a extensão dos fogos parece suspeita. Os céticos citaram a falta de verbas para manutenção das florestas e o desrespeito ao zoneamento territorial.

Mas, na terça-feira, enquanto o vento se acalmava e nuvens de chuva substituíam a fumaça grossa, tudo isso parecia inútil.

O que restou foi a evidência terrível de férias na praia que terminaram em uma tragédia inimaginável. O que restou foi uma casa, diante da qual 26 turistas morreram juntos, que ainda emanava o calor do incêndio fatal. O que restou foi uma melancia queimada e quatro raquetes chamuscadas no quintal.

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