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Candidata trans a governo nos EUA diz que Trump usa táticas de medo e ataca comunidade LGBT

Christine Hallquist venceu a primária democrata e é a primeira mulher transgênero candidata ao governo - Caleb Kenna/Reuters
Christine Hallquist venceu a primária democrata e é a primeira mulher transgênero candidata ao governo Imagem: Caleb Kenna/Reuters

Liam Stack

16/08/2018 17h56

Christine Hallquist, ex-executiva-chefe de uma companhia distribuidora de eletricidade, fez história na terça-feira (14) ao vencer outros três candidatos na eleição primária do Partido Democrata no estado de Vermont (nordeste dos EUA), tornando-se a primeira pessoa transgênero a ser indicada para um governo por um grande partido.

Hallquist, 62, era bem conhecida em Vermont antes de disputar o cargo, em parte por causa de sua transição de gênero em 2015, que aconteceu enquanto ela dirigia a Cooperativa Elétrica de Vermont e que foi mostrada em um documentário feito por seu filho.

Agora ela vai concorrer em novembro com o atual governador, Phil Scott, um republicano com bons índices de aprovação, mas em ligeira queda, que governou desde 2016 um dos estados mais progressistas do país.

Hallquist falou a "The New York Times" sobre a natureza histórica de sua vitória. Abaixo, uma versão editada e condensada da conversa.

NYT - Oi, Christine, como vão as coisas?

Christine Hallquist - Vão muito bem.

Parabéns por sua vitória. Você conseguiu dormir ontem à noite?

Muito obrigada. Dormi cerca de duas horas, entre 2h e 4h.

Agora que você ganhou, o que vai fazer nas próximas semanas?

Amanhã vamos levar a equipe inteira para a minha casa. Eu moro perto de um lindo lago. Vamos pegar um barril de chope e desfrutar a tarde. Vivemos em um Estado-parque, por isso vamos montar tendas e as pessoas vão passar a noite. À tarde na quinta, vamos planejar a próxima fase, que começará na sexta-feira de manhã.

Todo mundo vai passar a noite?

Todo mundo. Vai ser um tipo de reunião mista, negócios e prazer, para solidificar nosso trabalho de equipe, já muito bom, e ter a colaboração de todos sobre como vamos vencer Phil e como vamos fazer a próxima fase. Um acampamento de campanha, não é divertido?

Você é a primeira pessoa transgênero a vencer uma indicação para governador de um grande partido. O que isso significa para as pessoas LGBT, e especialmente as pessoas transgêneros, ver alguém como você ter êxito dessa forma?

Eu acho que se trata de ampliar a bússola moral do nosso país para sermos mais inclusivos, e certamente estou orgulhosa e honrada de ser essa líder nacional. Mas é claro que em Vermont tudo tem a ver com melhorar a vida dos cidadãos. E a boa notícia sobre Vermont é que já fomos líderes em direitos civis, por isso obviamente isso não foi um problema para as pessoas.

Como teria sido para você, quando criança, ver uma mulher transgênero de uma pequena cidade como Vermont ganhar uma disputa como esta?

Você sabe, recebo cartas todos os dias de pessoas do mundo inteiro, inclusive crianças, que me levam às lágrimas.

Isso dá esperança às pessoas. Dá esperança à comunidade transgênero. E minha esperança, é claro, é que Vermont já tem leis de proteção muito fortes, mas espero que o resto do país o acompanhe e proteja seus cidadãos transgêneros, inclusive os jovens, e faça adaptações para esses jovens.

Como você acha que o país como um todo está se saindo em relação a isso neste momento?

Ah! É por isso que sou candidata. Ah, meu Deus... você sabe, eu trabalhei duro para eleger o presidente [Barack] Obama, fui a New Hampshire e bati de porta em porta. Nossa família recebeu um convite especial, é claro que havia 500 mil deles, mas ainda foi um convite pessoal, e meu marido e eu fomos lá com meu filho e a mulher dele.

O ano de 2008 foi um momento épico na história para nós, e realmente parecia que os EUA tinham feito um acordo para ser um país inspirador. E então, é claro, aconteceu esta última, em 2016, e foi um golpe para todos nós que pensam dessa maneira.

Esse é, na verdade, nosso chamado à ação. No mundo da física, para cada ação há uma reação igual e oposta. Bem, 2018 é a reação a 2016. E esperamos que daqui a alguns anos olharemos para trás e diremos: "Nossa democracia é incrivelmente saudável porque sobrevivemos a um déspota".

Você descreveria o presidente Trump como um déspota?

Totalmente. É claro que ele é. Ele está usando todas as táticas de medo e divisão que qualquer líder do Terceiro Mundo usaria. É claro que ele vai começar com a comunidade transgênero, ele vai começar com os mais marginalizados. Mas nenhuma comunidade deve se sentir à vontade quando alguma comunidade está sendo atacada.

O que você diria às pessoas, dentro e fora da comunidade LGBT, que duvidavam que uma mulher transgênero pudesse ter uma vitória política como esta?

Eu diria: "Tenham mais fé em seus companheiros seres humanos". Eu nunca perdi a fé nos seres humanos e continuo tendo confirmação dessa bondade.

Que tipo de reações você recebe enquanto faz campanha à sua situação de mulher transgênero? Como você incluiu isso na história que conta aos eleitores?

Em Vermont, não faz parte da minha história. Posso dizer seguramente que falei com milhares de cidadãos, e só posso me lembrar de um que mencionou o fato. Simplesmente não é um problema aqui em Vermont, e eu acho que os dados provam isso.

O que disse essa pessoa que mencionou o fato?

Foi simplesmente uma declaração curiosa. Ele me perguntou: "Você não acha que sua situação de transgênero vai atrapalhar sua possibilidade de se eleger?". E minha resposta foi: "Não". Essa foi a extensão da conversa.

Recentemente, entrevistei Sharice Davids, uma lésbica que ganhou uma primária democrata para o Congresso em Kansas, e ela disse a mesma coisa. Exatamente uma pessoa lhe perguntou sobre sua sexualidade durante a campanha, e foi uma pergunta mais curiosa que maliciosa.

Essas declarações apenas provam que as únicas pessoas que usarão isso são as que estão no poder, que tentam manter seu poder por meios injustos. Não é um problema para a população. Por que as pessoas no poder fazem dela um problema? Porque elas têm uma relação indigna com seu poder.

Bem, também poderia significar que as pessoas que votam nas primárias democratas não penalizam um candidato por ser gay ou transgênero, certo? Poderia dizer mais sobre os eleitores liberais do que sobre a população como um todo. Quero dizer, não ser uma Debbie Downer [personagem negativa da televisão].

Sem problema. Vou demonstrar isso em novembro. E estou igualmente confiante. Você sabe por que eu soube disso? Porque atendo a algumas das partes mais pobres e rurais de Vermont, é o que eu fazia como CEO. Eu atendia o que alguns poderiam chamar de a parte mais republicana de Vermont, e as pessoas não tinham problemas com isso. É tipo: "OK, apenas mantenha minhas luzes acesas e minhas tarifas baixas, e tudo bem com você".

Vamos falar sobre alguns problemas. Você enfatizou sua experiência como ex-executiva-chefe da Cooperativa Elétrica de Vermont, onde trabalhou durante 12 anos, e prometeu melhorar o acesso à internet nas áreas rurais do Estado. Outros tentaram e falharam nisso. Como você terá êxito?

Eu passei dez anos na comissão assessora técnica da Associação Cooperativa Rural Nacional, que é a organização responsável por fornecer eletricidade a toda a área rural dos EUA.

Nesse nível técnico, vimos que os problemas da América rural seguiam o mesmo padrão que vimos nos anos 1930. Nos anos 1940, a América rural não tinha eletricidade, e as cidades tinham. E, é claro, você está vendo índices cada vez maiores de pobreza, envelhecimento da população, fuga para a cidade.

Chegamos à conclusão de que hoje enfrentamos uma divisão digital. Por isso trabalhamos com um modelo em que podemos estender fibra por um terço do custo que é feito hoje. A empresa de eletricidade estende a fibra na estação elétrica usando seu equipamento. É só mais um cabo. Aliás, é isso que as empresas elétricas fazem. Constroem infraestrutura e podem pegar empréstimos por 30 anos com taxas de juros muito baixas.

A presidente do Partido Republicano de Vermont disse que não acha que sua posição de mulher transgênero, que é a base da natureza histórica de sua candidatura, deva influir na disputa. Por que você acha que eles querem minimizar isso?

Desculpe, qual foi a declaração dela?

Ela disse que não acha que o fato de você ser transgênero deva "influir nisto".

Ora, você deve saber que isso é preconceito, e eu vou denunciar. Quando você elege um candidato, você ouve a história de vida do candidato. Então está bem se um homem diz: "Eu cresci caçando, cresci na área rural", mas não está bem eu dizer que sou transgênero? Tenho uma notícia para você: isso é preconceito, e vou denunciar.

Você não pode contar sua história porque é transgênero? Que pena, eu estou contando essa história, e as pessoas têm de superar porque têm de reconhecer seu próprio preconceito implícito.

É simplesmente quem eu sou. Sou uma mulher transgênero. Eu não digo que sou uma mulher. Só sou legalmente mulher há três anos. Então eu digo a verdade. Sou uma mulher transgênero. As pessoas têm de superar esse fato, porque não vou dizer outra coisa. Você sempre ouve as pessoas dizerem que são uma mulher ou uma mãe solteira, isso ou aquilo. Bem, essa é a minha história.