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"Gorda", "cachorra", "cara de cavalo": Como Trump fala sobre as mulheres

Stephanie Clifford foi chamada de "cara de cavalo" por Trump - Joshua Roberts/Reuters
Stephanie Clifford foi chamada de "cara de cavalo" por Trump Imagem: Joshua Roberts/Reuters

Michael D. Shear e Eileen Sullivan

Em Washington (EUA)

17/10/2018 12h22

O presidente dos EUA, Donald Trump, referiu-se à atriz de filmes pornográficos Stephanie Clifford como "cara de cavalo" em um tuíte na terça-feira (16), acrescentando-a a uma longa lista de mulheres que ele atacou degradando sua aparência visual, zombando de suas funções físicas ou comparando-as a animais.

O ataque verbal de Trump ocorreu enquanto ele se gabava da decisão de um juiz federal que rejeitou uma ação de difamação apresentada por Clifford, que é conhecida profissionalmente como Stormy Daniels.

O advogado de Clifford reagiu chamando o presidente de "misógino repugnante". Clifford, que recebeu US$ 130 mil do ex-advogado de Trump para manter silêncio sobre sua suposta relação sexual com o atual presidente americano, respondeu no Twitter usando para Trump o apelido de "Tiny" [Pequenino].

"Juiz federal rejeita processo de Stormy Daniels contra Trump. Trump receberá todos os honorários." Ótimo, agora posso ir atrás da Cara de Cavalo e do seu advogado de terceira categoria no Estado do Texas. Ela confirmará a carta que assinou! Ela não sabe nada de mim, uma vigarista total! 
Donald Trump

O tuíte de Trump apareceu nos últimos dias de um ciclo eleitoral para o Congresso em que os candidatos republicanos já têm dificuldade para atrair eleitoras mulheres. A linguagem usada pelo presidente provavelmente não os ajudará muito.

O comentário do presidente sobre Clifford, que descreveu em detalhe o órgão genital de Trump num livro de memórias recente, apesar de chocante, não foi original.

Trump já acusou mulheres de terem rostos "gordos, feios" e de afastarem eleitores por causa de seu visual. Ele chamou uma mulher de "vagabunda louca e chorona" e disse que outra era uma "cachorra" com "cara de porco". Ele disse que a pausa de Hillary Clinton para ir ao banheiro durante um debate presidencial em 2015 foi "repugnante demais" para se comentar. Trump zombou de mulheres diversas vezes por estarem acima do peso.

"Essa retórica é o tipo de coisa que repeliu as mulheres republicanas de instrução superior que votaram em Trump em 2016, mas se afastaram", disse Debbie Walsh, diretora de Centro para Mulheres Americanas e Política na Universidade Rutgers. Chamando o comentário do presidente de "adolescente", Walsh disse que "você não pode continuar sendo um partido no poder se os eleitores que você atrai são homens brancos de mais de 60 anos".

O recurso de Trump à zombaria juvenil ilustra por que até os republicanos que ficaram animados pelo reforço que tiveram com a nomeação confirmada do juiz Brett Kavanaugh continuavam cautelosos em suas previsões de meio de mandato: nunca podemos adivinhar quando esse presidente vai se afastar da mensagem, como fez na terça-feira com Clifford.

"Dizer isso não é lisonjeiro para nenhum homem, quanto mais o presidente dos EUA. É uma enorme depreciação", tuitou o deputado republicano Ryan Costello, da Pensilvânia, que está se aposentando do Congresso. "E dizer isso permite que rapazes adolescentes se sintam autorizados a se referir às meninas por esses nomes. Tudo é muito embaraçoso."

Alguns comentários de Trump foram feitos antes de sua eleição. Os eleitores souberam semanas antes do dia da votação que ele tinha se gabado de que podia "agarrá-las pela xoxota". Ele continuou fazendo comentários rudes sobre os corpos de mulheres desde que assumiu o cargo, testando repetidamente os limites da aceitação pública ao vocabulário de um presidente.

Uma porta-voz da Casa Branca não quis fazer comentários para esta reportagem.

Aqui estão alguns dos ataques mais notáveis do presidente às mulheres ao longo dos anos:

18.abr.2015 - A ex-executiva da HP Carly Fiorina será a única mulher a disputar a indicação do Partido Republicano para a Presidência dos EUA; nesta foto, ela discursa em cúpula do partido em Nashua, New Hampshire - Brian Snyder/Reuters - Brian Snyder/Reuters
Trump já criticou a aparência de Carly Fiorina
Imagem: Brian Snyder/Reuters

Rostos de mulheres

Quando ataca as mulheres, como fez com Clifford em seu tuíte na terça-feira, Trump geralmente critica seus rostos.

Enquanto combatia seus adversários para a nomeação do Partido Republicano em 2016, Trump zombou na televisão do rosto de Carly Fiorina, dizendo que as pessoas não votariam na ex-executiva da Hewlett-Packard por causa de sua aparência.

"Vocês podem imaginar isso, o rosto de nossa próxima presidente?", disse Trump durante uma entrevista à revista "Rolling Stone". "Quero dizer, ela é uma mulher, e eu não deveria dizer coisas ruins, mas realmente, gente, vamos lá. Fala sério."

Mais tarde Trump negou que estivesse falando sobre a aparência de Fiorina e disse à CNN que se referia à sua "imagem pública". Mas comentários semelhantes sobre outras mulheres são uma parte habitual de seu repertório.

Durante sua longa disputa com a estrela da televisão Rosie O'Donnell, Trump a descreveu como tendo "um rosto gordo e feio". Em 2016, ele retuitou uma foto nada favorável de Heidi Cruz, mulher do senador republicano Ted Cruz, do Texas, que era um de seus principais adversários na campanha. A legenda da foto: "Imagens valem mil palavras".

Em um número de 1992 da revista "New York", Trump foi citado dizendo que Katarina Witt, uma patinadora olímpica alemã, seria considerada atraente só "se você gostar de uma mulher de pele ruim que tem o porte de um defensor de futebol americano".

1.dez.2015 - Omarosa Manigault Newman e Donald Trump - Timothy A. CLARY / AFP - Timothy A. CLARY / AFP
Omarosa Manigault Newman também foi vítima das ofensas de Trump
Imagem: Timothy A. CLARY / AFP

Mulheres como animais

O presidente muitas vezes expressa sua ira comparando as mulheres a animais, um esforço para desumanizar suas adversárias que ele também usa contra homens.

Depois que sua ex-assessora Omarosa Manigault Newman publicou seu livro revelador "Unhinged" [algo como "destrambelhado"], Trump respondeu chamando-a de "aquela cachorra" e de uma "vagabunda louca e chorona".

Não foi diferente da linguagem que ele usou no início dos anos 1990, quando enviou a Gail Collins, então colunista da "New York Newsday", um exemplar de uma coluna que ela havia escrito. Collins, que hoje é editorialista de "The New York Times", lembrou que ele rabiscou vários insultos sobre a coluna, chamando-a de "cachorra e mentirosa" e escrevendo que ela tinha "cara de porco".

2.mai.2017 - Hillary Clinton - Brendan McDermid/Reuters - Brendan McDermid/Reuters
Hillary Clinton foi constantemente atacada durante a eleição
Imagem: Brendan McDermid/Reuters

Funções corporais femininas

Em um comício de campanha em dezembro de 2015, Trump chamou a atenção para a pausa de Hillary Clinton para ir ao banheiro durante um debate presidencial democrata. Seus apoiadores o aplaudiram.

"Eu sei aonde ela foi... é nojento. Não quero falar sobre isso", disse Trump. "Não, é nojento demais. Não diga, é nojento."

Trump também sugeriu em agosto de 2015 que Megyn Kelly, na época jornalista da Fox News, foi dura com ele quando moderava um debate republicano porque estava menstruada. Na noite após o debate, Trump disse: "Você podia ver que ela tinha sangue saindo pelos olhos, sangue saindo por todo lugar".

E depois de se tornar presidente e mudar-se para a Casa Branca Trump zombou de Mika Brzezinski, da MSNBC, em 2017, dizendo que ela tinha "QI baixo" e que estava "sangrando muito por causa de um lifting facial" durante uma reunião social em seu hotel na Flórida perto do Ano Novo.

Na segunda-feira (15), Trump insinuou uma imagem perturbadora quando disse a repórteres que manteria sua promessa de doar US$ 1 milhão a uma instituição beneficente só se pudesse testar "pessoalmente" o DNA da senadora Elizabeth Warren. "Não vai ser algo que vou gostar de fazer", acrescentou ele.

A cantora Cher - Hannah McKay/Reuters - Hannah McKay/Reuters
Trump criticou as cirurgias plásticas de Cher
Imagem: Hannah McKay/Reuters

Peso e forma física

Talvez o mais comum seja a fixação de Trump pela aparência geral das mulheres. Ele muitas vezes usa o visual como uma forma de reduzir suas capacidades, sua inteligência ou sua eficácia. Às vezes as três coisas ao mesmo tempo. Atacar a aparência de uma mulher tornou-se sua reação padrão a críticas de adversárias.

Depois que Jessica Leeds disse em 2016 que Trump a bolinou em um avião nos anos 1980, ele afirmou: "Acreditem em mim, ela não seria minha primeira opção". Sobre Natasha Stoynoff, uma ex-redatora da revista "People" que disse que Trump a abordou durante uma entrevista, Trump negou e disse: "Olhem a página dela no Facebook, vocês vão entender".

Em março de 2012, Trump atacou a cantora e atriz Cher por suas críticas a candidatos republicanos, dizendo no Twitter que ela deveria "parar de fazer cirurgias plásticas ruins e declarações ofensivas".

Scott Reed, um estrategista republicano veterano que supervisiona os assuntos políticos na Câmara de Comércio dos EUA, pediu ao presidente na terça-feira para não se distrair atacando as mulheres como fez no passado.

"Precisamos de uma dose forte de mensagens disciplinadas da Casa Branca nos próximos 20 dias", disse Reed. "Se não, essa eleição de meio de mandato será um grande risco."