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Análise: Palco do G20 é um país em que faltam segurança e comida

Líderes dos países participantes do G20 em Buenos Aires posam para foto do evento - Alexander Nemenov/AFP
Líderes dos países participantes do G20 em Buenos Aires posam para foto do evento Imagem: Alexander Nemenov/AFP

Daniel Politi

Em Buenos Aires (Argentina)

30/11/2018 17h18

Quando os primeiros planos foram feitos para que a Argentina recebesse os chefes de Estado das maiores economias mundiais na cúpula do Grupo dos 20, nesta semana, o governo viu a reunião como uma oportunidade de ouro para exibir um país próspero e estável.

Quando os líderes mundiais chegaram a Buenos Aires nesta sexta-feira (30), porém, encontraram um país atacado por forte recessão e abalado por uma série recente de incidentes de segurança.

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Entre eles estão um ataque a jogadores de futebol por um grupo de torcedores descontrolados no último fim de semana, uma ameaça de atentado a bomba por ativistas veganos e a recente prisão em Buenos Aires de dois irmãos suspeitos de ligação com o movimento militante libanês Hizbollah.

Enquanto isso, greves de funcionários públicos levaram ao cancelamento de dezenas de voos nesta semana e problemas nos transportes em grande parte do país.

Enquanto o governo decidia bloquear grandes áreas da capital antes da cúpula, Patricia Bullrich, a principal autoridade de segurança, deu um conselho franco aos moradores da cidade de quase 2,9 milhões de habitantes: pensem em viajar.

"Nossa recomendação é usar o fim de semana prolongado para sair, a partir da quinta-feira, porque a cidade ficará complicada", disse ela.

O conselho foi incongruente com as altas esperanças que o governo argentino expressou um ano atrás, quando assumiu a presidência do G20.

"Nós inspiramos confiança em todo o mundo, porque eles veem que seguimos pelo caminho certo", disse então o presidente Mauricio Macri.

Durante os 12 anos de governo de esquerda dos presidentes Néstor Kirchner e sua mulher, Cristina Fernández Kirchner, a Argentina declarou a moratória da dívida externa, o que afastou os investidores, e cultivou ligações estreitas com a China e a Rússia, enquanto se afastava dos EUA.

Desde sua eleição em 2015, Macri, um político de centro-direita, tentou restaurar a confiança dos investidores contendo os gastos públicos. Ele também realinhou a política externa argentina cultivando laços mais estreitos com o governo Trump.

E se esforçou para posicionar a Argentina como um ator proeminente nos debates globais sobre questões como a mudança climática, migração e política comercial.

"Deixamos de ser um país que estava nas margens" para ter a responsabilidade de planejar o G20, disse Macri no ano passado. "Temos de aproveitar para garantir que o mundo veja todo o nosso potencial, ao vivo e em pessoa."

Entretanto, os líderes das maiores economias do mundo chegarão a um país que enfrenta muitas dificuldades, especialmente econômicas, que contribuíram para forte queda nos índices de aprovação de Macri.

A moeda argentina teve grande desvalorização no início do ano, e Macri tomou a dolorosa medida de recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para um empréstimo. Um mês depois esse empréstimo teve de ser ampliado.

Mesmo sem muitas notícias boas para mostrar, porém, as autoridades argentinas se esforçam para realizar uma cúpula organizada.

O governo está mobilizando 22 mil forças de segurança e bloqueando grandes setores da capital para proteger os chefes de Estado visitantes e suas comitivas. A cidade de Buenos Aires declarou feriado nesta sexta para reduzir o tráfego e incentivar as pessoas a viajar.

As autoridades temem as manifestações que marcaram a cúpula do G20 em Hamburgo, na Alemanha, no ano passado. Críticos da globalização do capitalismo queimaram carros, saquearam negócios e entraram em conflito com a polícia em confrontos que deixaram centenas de feridos e levaram à prisão ou detenção de mais de 400 pessoas.

A reunião deste ano ocorre em um período de considerável inquietação social em Buenos Aires, onde protestos e bloqueios de ruas se tornaram uma ocorrência quase diária. E dezembro é historicamente um mês em que esses tipos de demonstrações se tornam violentos, especialmente em tempos de dificuldades econômicas.

A sugestão de que os moradores da capital deixem a cidade durante o evento foi recebida com indignação pelos argentinos, que lutam para pagar as contas com a inflação disparada.

"Eu mal tenho dinheiro para comer, e ela quer que eu saia da cidade?", disse Paula Valladares, 46, que é cuidadora de idosos. "Eu preciso trabalhar. Se não trabalhar, não como."

Os que tentaram atender logo à recomendação enfrentaram problemas na segunda-feira (26), pois todos os voos da estatal Aerolíneas Argentinas foram cancelados devido a uma greve de trabalhadores.

Na manhã de terça, todo o transporte público foi paralisado durante três horas, em outra greve.

Mesmo antes do ataque neste fim de semana ao ônibus que transportava jogadores do Boca Juniors ao estádio, quando vários atletas ficaram feridos, levando ao adiamento da partida muito esperada, que agora será realizada fora do país, a cidade já estava de prontidão depois de uma ameaça de bomba que causou a evacuação da embaixada dos EUA, do aeroporto regional, do Senado, de um banco e um hospital.

Foram alarmes falsos.

Mas no início do mês um grupo de anarquistas veganos foi acusado de deixar um artefato explosivo no cemitério de Recoleta, local onde repousam diversas figuras importantes da história argentina, como a ex-primeira-dama Eva Perón.

Uma das pessoas envolvidas no complô ficou ferida depois que o artefato, ao que parece, detonou prematuramente.

O governo também culpou um grupo anarquista por uma bomba caseira que foi atirada contra a casa de um juiz.

Outro episódio incomum que ganhou manchetes foi a prisão em meados de novembro de dois cidadãos argentinos acusados de ter ligações com o Hizbollah. Sua família negou com veemência que os dois homens, de 23 e 25 anos, fossem terroristas.

O grupo de direitos humanos argentino Centro de Estudos Jurídicos e Sociais acusa o governo do país de ter usado o G20 como uma "desculpa para endurecer ainda mais seu discurso contra os protestos sociais e manifestações de rua e exagerar sua guerra contra o terrorismo".

Organizações que planejam o principal protesto contra o G20 dizem ter certeza de que o bloqueio da cidade afetará a participação. Mas ainda esperam grande comparecimento em uma marcha que terminará no Congresso, a cerca de 5 quilômetros de onde estarão reunidos os mais poderosos líderes mundiais.

Alguns moradores de Buenos Aires não veem a hora de tudo isso terminar.

"Temos um país tão grande, por que eles tinham de vir aqui?", perguntou-se Esteban Torres, 31, empregado no comércio. "Como se a vida nesta cidade já não fosse bastante difícil."