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Deixamos para trás questões vitais? Artistas, atletas e cientistas comentam

Próteses dos braços foram removidas de uma réplica da Vênus de Milo na estação de metrô Louvre-Rivoli, em Paris, em março, após uma campanha da Handicap international para mostrar necessidades de amputados do mundo todo - Christophe Archambault/Agência France-Presse/Getty Images
Próteses dos braços foram removidas de uma réplica da Vênus de Milo na estação de metrô Louvre-Rivoli, em Paris, em março, após uma campanha da Handicap international para mostrar necessidades de amputados do mundo todo Imagem: Christophe Archambault/Agência France-Presse/Getty Images

02/01/2019 04h00

Pedimos a Daniel Libeskind, Julia Alvarez, Ray Kurzweil, Marta Vieira da Silva, Ben Katchor, Sharmeen Obaid-Chinoy e outros que pensassem sobre coisas vitais que podemos estar nos esquecendo dada a velocidade dos acontecimentos atuais. 

Conforme a vida moderna vai se acelerando, será que nossa sociedade deixou algo importante para trás? Isso poderia, ou deveria, ser retomado?

Por Daniel Libeskind*

Daniel Libeskind - Stefan Ruiz - Stefan Ruiz
Imagem: Stefan Ruiz

A sociedade se esqueceu de uma ideia que acompanhou a humanidade desde tempos imemoriais: a utopia. A noção de que há um mundo novo e melhor a se perseguir basicamente desapareceu de nossa sociedade cética e, por que não dizer, cínica.

Há uma abundância de distopias nos atormentando, mas um mundo sem utopia pode nem valer a pena; a utopia está para nossa noção de história assim como a velocidade da luz está para o cosmos. Ela forma o horizonte de possibilidades necessário para a orientação do mundo. Sem uma busca imaginativa por uma sociedade melhor, somos obrigados a lançar mão de expedientes confusos.

As ideologias do século passado foram desacreditadas, tidas como falsas utopias, por isso nos falta a noção de um futuro melhor. A ideia de uma utopia só voltará através de nosso espírito e nossa fé no que está por vir. Porém, quem somos nós para exigir algo do espírito que vaga a seu bel prazer?

*Daniel Libeskind é arquiteto, artista, professor e cenógrafo polonês-americano

Por Julia Alvarez*

Julia Alvarez - Bill Eichner - Bill Eichner
Imagem: Bill Eichner

Você se lembra do "saber de cor"? Lembra-se de como costumávamos decorar as coisas? Poemas inteiros que poderíamos recitar, os números de telefone de todos os amigos e parentes? Lembra-se de como tínhamos que memorizar um caminho até um determinado lugar, e dos atalhos interessantes que acabávamos descobrindo por causa de um erro? Tínhamos que nos lembrar do que precisávamos, porque não podíamos ligar para casa caso nos esquecêssemos. Lembra-se de quando tínhamos que nos lembrar da aparência dos outros sem procurá-los, quando não podíamos salvar as coisas mais importantes da vida no disco rígido de outra pessoa?

Lembra-se de como guardávamos as coisas importantes na memória, onde elas ficariam trancadas a vida toda? Tudo dentro de nós, sem restrições? Lembra-se do que podia sair do emaranhado de pensamentos quando nos sentávamos calmamente sem ter o que fazer, sem nada tocando, vibrando ou nos chamando atenção? E ficávamos refletindo e meditando sobre as coisas. Lembra-se de refletir?

Sem as lembranças, como nosso passado irá falar com nosso futuro? Como vamos nos lembrar se deixamos algo importante para trás e, se esse for o caso, onde iremos encontrá-lo?

*Julia Alvarez é autora de coleções de poesia, romances e livros para jovens leitores. Suas obras mais recentes são "Where Do They Go?", "A Wedding in Haiti" e "The Woman I Kept to Myself".

Por Sharmeen Obaid-Chinoy*

Sharmeen Obaid-Chinoy - Bina Khan - Bina Khan
Imagem: Bina Khan

Ele sempre descascou suas maçãs lentamente, deliberadamente, parando para ajustar o volume de seu rádio transistor enquanto nos sentávamos à mesa da cozinha. "Este é o noticiário das seis horas...", dizia o apresentador, e meu avô sorria. Minha avó, ocupada cozinhando atrás de nós, acabava se sentando e se servindo de uma garrafa de uísque Johnnie Walker, que, desde que o álcool fora proibido no Paquistão anos antes, continha apenas água.

Então, as histórias começavam, quase sempre com meu avô contando sobre as mangas doces que costumava roubar das árvores do vizinho. Minha avó falava do movimento de resistência do qual havia participado antes da divisão do subcontinente indiano em 1947. Os dois netos atentos, comiam suas fatias de maçã.

Aquelas tardes à mesa da cozinha e as histórias que escutávamos, moldaram a forma em que vemos o mundo. Tínhamos o luxo do tempo e o desejo de compartilhá-lo. Hoje, minhas filhas têm seus smartphones, e suas agendas estão cheias de atividades - não há tempo para fatias de maçãs ou histórias. Há muito pouco tempo para ser criança.

*Sharmeen Obaid-Chinoy é jornalista, cineasta e ativista paquistanesa. Ela ganhou dois prêmios Oscar e três Emmy.

Por Ray Kurzweil*

Ray Kurzweil - Weinberg-Clark Photography - Weinberg-Clark Photography
Imagem: Weinberg-Clark Photography

Nas próximas três décadas, a inteligência natural e a artificial irão se tornar uma só; viveremos indefinidamente e seremos um bilhão de vezes mais inteligentes. Nesta era de tecnologias céleres, a pobreza, a doença, a escassez de recursos, o analfabetismo e a violência estão diminuindo. Nos últimos 20 anos, a pobreza global diminuiu mais de 50%. Nos últimos 200 anos, duplicamos nossa expectativa de vida. Esses são apenas dois exemplos dos notáveis avanços que alcançamos na vida moderna, com progressos comparáveis na ampliação da educação, na instalação de saneamento básico e na introdução da democracia por todo o mundo.

No cerne dessas tendências reside a constante e contínua duplicação da relação preço-desempenho e da capacidade das tecnologias de informação - mil vezes mais poderosas do que eram anos atrás e que serão um milhão de vezes mais poderosas daqui 20 anos. Conforme a medicina, a agricultura, a energia e a produção se tornam formas da tecnologia da informação, veremos a transformação radical de todos os aspectos de nossas vidas, incluindo nossa saúde, alimentos, roupas, habitação e trabalho. O futuro é melhor do que você pensa. Então, ao invés de olhar o passado em busca do que a sociedade pode ter deixado para trás, anseio pelo futuro em que nossa espécie irá romper os grilhões de seu legado genético e atingir patamares inconcebíveis de inteligência, progresso material e longevidade.

*Ray Kurzweil é escritor, cientista da computação, inventor e futurista americano.

Por Danielle Allen*

Danielle Allen - Handout - Handout
Imagem: Handout

Nós, basicamente e intencionalmente desistimos de cultivar o conhecimento democrático - o conhecimento, as habilidades e as capacidades das quais atores cívicos necessitam para sustentar democracias saudáveis.

De acordo com a Comissão de Educação dos Estados, em meados do século 20, os americanos que se formavam no ensino médio tinham três cursos diferentes sobre democracia, civismo e governo, e "o civismo fazia parte de todo o currículo do ensino fundamental". Agora, a educação cívica em geral consiste somente de um curso de apenas um semestre sobre governo ou civismo nos 40 Estados onde é exigida.

Os resultados de nosso falta de investimento na educação cívica parecem sérios. De acordo com os cientistas políticos Roberto Foa e Yascha Mounk, apenas cerca de 30% da geração do milênio a consideram "essencial" para viver em uma democracia, comparados com os 72% dos nascidos antes da Segunda Guerra Mundial. Podemos, e devemos reverter isso.

Em junho passado, Massachusetts, meu estado natal, aprovou novos padrões educacionais, introduzindo um curso de cívica de um ano para o oitavo ano e aumentando seu foco em outras áreas do currículo. Podemos reconstruir a educação cívica estado por estado. Naturalmente, essa educação sem melhorias na forma em que nossas instituições políticas funcionam não irá resolver o problema, mas, sem cidadãos que saibam como operar as instituições democráticas que tanto desejamos, não seremos capazes de resgatar nossa democracia.

*Danielle Allen é classicista e cientista política. É professora da Universidade de Harvard e autora de "Cuz: The Life and Times of Michael A."

Por Jacob Soll*

Jacob Soll - Geraldine Bruneel - Geraldine Bruneel
Imagem: Geraldine Bruneel

A sofisticação costumava ser valorizada tanto como uma forma de olhar o mundo quanto como um modo de viver nele. Agora, conforme nossas relações se tornam estonteantemente complexas e depressivamente francas, ela está se perdendo. Isso é estranho e preocupante. Estamos abandonando nossa compreensão do conceito geral de que as coisas são complicadas, e esse conhecimento profundo - cívico, cultural, político - é uma ferramenta antiga e perfeita para os desafios de um novo mundo.

Apenas dentro da tradição ocidental, Maquiavel, Castiglione, Bacon, Hobbes, Cavendish, Montesquieu, Wollstonecraft e, sim, Ben Franklin, para não mencionar a maioria dos grandes romancistas e cientistas, todos clamam por ela. Assim como os grandes compositores e pintores.

E, então, perdemos nossa sofisticação social, desde a elegância e as boas maneiras até as grandes conversas e a necessidade essencial da ironia elevada. Essas coisas também já foram fundamentais para a política. Ninguém precisava ser rico para ter essas qualidades. Quando eu era criança, meu barbeiro era socialmente sofisticado.

Greta Garbo e Cary Grant fizeram da sofisticação uma característica democrática; tudo estava relacionado à nuance e à capacidade de ver os vários tons do nosso mundo. Jane Austen e Honoré de Balzac também a conheciam. Frederick Douglass viu que para defender a liberdade, teria que dominar a linguagem em todas suas variações. Este é um paradoxo e um desafio na era da inteligência artificial e do Twitter. Se não pudermos redescobrir a sofisticação humana - a tolice elegante e educada -, não teremos a lâmina analítica da compreensão profunda.

*Jacob Soll é professor de Filosofia, História e Contabilidade na Universidade do Sul da Califórnia.

Por Alexia Webster*

Alexia Webster  - Hannah Reyes Morales - Hannah Reyes Morales
Imagem: Hannah Reyes Morales

Desde minha primeira visita, me apaixonei loucamente pelo Mediterrâneo.

A cada cinco anos mais ou menos, quando minha família tinha condições, cruzávamos o hemisfério, deixando para trás o inverno seco e gelado de Johanesburgo para visitar a aldeia onde meus avós viviam em uma pequena ilha na Grécia.

O mar era um reino de magia, um reino do outro mundo onde os polvos dançavam em câmera lenta e o coral rosa e os ouriços-do-mar se instalavam nas rochas, como casinhas estranhas em uma aldeia subaquática. Anos se passaram desde minhas primeiras visitas e, embora as colinas ainda se iluminem com a luz da Via Láctea e o zumbido espesso das cigarras encha o ar, meu reino subaquático foi invadido, e o Mediterrâneo está quase estéril.

Agora, nos meses de verão, turistas como eu chegam em grandes embarcações, os iates tomam conta da baía e barcos que mais parecem naves espaciais iluminando o mar com seus holofotes submarinos.Olhando para as águas que meus antepassados exploraram, espero ingenuamente que exista um canto secreto onde as criaturas da minha infância estejam escondidas, esperando que as luzes sejam apagadas.

*Alexia Webster é fotógrafa documentarista e artista visual da África do Sul.

Por Claire Ptak* 

Claire Ptak - Handout - Handout
Imagem: Handout

Desde o modo em que desenvolvo minhas receitas até a maneira na qual criei o espaço que se transformou na minha padaria/café no leste de Londres, vou sempre em frente, mas com um pé no passado. Minha inspiração veio da pitoresca loja de bolos europeia, que modernizei, mas meu trabalho é uma síntese do moderno com o que era feito pelos que vieram antes de mim.

Estamos constantemente construindo com base no passado, inovando e recriando. As receitas são exemplos perfeitos disso. Passadas de geração em geração, elas recebem anotações de cada padeiro que as usa.

Quando planejei o bolo de casamento para o príncipe Harry e Meghan Markle há alguns meses, abandonei a tradição do bolo de frutas, optando por limão e flor de sabugueiro, sabores que encarnam o ethos do momento: sazonalidade e sustentabilidade. Os suportes de bolo da família real, dourados e lindamente produzidos, já haviam sido usados inúmeras vezes durante muitos anos, adquirindo um brilho que considero mais bonito que o de algo novo e perfeito. E as muitas mãos que os seguraram os tornam intrinsecamente mais belos.

Quero acreditar que nossa sociedade aprecia essa nuance: algo velho, algo novo.

*Claire Ptak é padeira e chef confeiteira. É proprietária da Violet Cakes em Londres e autora de "The Violet Bakery Cookbook".

Por Richard McGuire*

Richard McGuire - Anja Jahn - Anja Jahn
Imagem: Anja Jahn

Em geral, gosto de pensar que ganhamos algo em troca de tudo o que perdemos.

No metrô de Nova York ontem, contei 30 pessoas no vagão, e todas elas, com exceção de uma, estavam olhando para seus celulares. Algumas também estavam com fones de ouvido. De repente, vi a mesma cena como se eu estivesse no futuro; os dispositivos portáteis pareciam antiquados e desajeitados, como se todos estivessem carregando um tanque de oxigênio. Tenho certeza de que, algum dia, esses aparelhos irão acabar sendo cirurgicamente implantados. É só uma questão de tempo.

Admito que sou viciado, como milhões de outros. Sinto-me nu sem o meu celular. Sinto-me desesperado quando não sei onde o deixei. Eu confesso: gosto de ter uma extensão do meu cérebro quando não consigo me lembrar de um fato. Será que iria querer esse dispositivo implantado? Acho que não.

O que ganhamos no acesso à informação, perdemos em termos de tempo. Cada e-mail, cada texto, cada telefonema espera uma resposta instantânea. As redes sociais e as notícias ininterruptas exigem nossa atenção constante. Uma maneira simples que encontrei para recuperar algum tempo foi por meio da meditação, reservando alguns momentos para mim e me desconectando da colmeia.

*Richard McGuire é artista, músico e autor americano. Seu novo livro é "Richard McGuire Art for the Street 1978-82".

Por Witold Rybczynski*

Witold Rybczynski - David Graham - David Graham
Imagem: David Graham

Até recentemente, era óbvio que os edifícios importantes em nossas cidades deveriam ser construídos para durar um longo tempo. Ao contrário dos bens de consumo, a arquitetura era permanente. Isso significava materiais duráveis, lógico, mas significou também ideias duráveis; ambos precisavam resistir ao teste do tempo.

Não mais. A globalização, o branding e o fenômeno do arquiteto celebridade mudaram tudo isso. As construções acabaram virando uma espécie de sucesso de bilheteria; em vez da durabilidade, o imediatismo e o aqui e agora começaram a ser celebrados.

É tudo muito animador, por enquanto. Mas, e o amanhã? Uma vez que a novidade desaparece, o que resta? As velhas construções serão como os bambolês e as coleções de pedras - as modas passadas? Será que simplesmente serão descartadas, como celulares velhos? Será que a única alternativa disponível para um edifício mais antigo seria a modernização - a "repaginada", no jargão do incorporador - ou a demolição? Se a arquitetura continuar por este caminho, vai sacrificar uma de suas funções mais preciosas: a conexão viva com o passado, com as pessoas que eram como nós, mas diferentes.

*Witold Rybczynski é arquiteto, professor e escritor canadense-americano. É professor emérito de Urbanismo na Universidade da Pensilvânia.

Por Ben Katchor*

Ben Katchor - Handout - Handout
Imagem: Handout

Quando cursei o Brooklyn College no início dos anos 1970, a mensalidade era gratuita. Como eu morava em casa, minhas únicas despesas eram com os livros, o dinheiro do almoço e as passagens de ônibus. Passei o meu tempo estudando arte e literatura com a sensação de que estava embarcando em uma missão de extrema importância.

Ao contrário da delicatessen local, onde eu almoçava todos os dias, a faculdade não cobrou a conta do curso ou das horas que passava em sua biblioteca. Nas noites de inverno, parecia que o brilho que emanava das janelas da sala de aula era o resultado da atividade intelectual que ocorria no interior. Como com a luz dos postes da rua que iluminavam meu caminho de volta para casa, a energia era bancada pelo contribuinte, para a segurança dos cidadãos do Brooklyn.

Nos últimos anos tive a oportunidade de lecionar em faculdades particulares dos Estados Unidos e escolas europeias geridas pelo Estado. Os alunos que não são pagantes fazem seu trabalho com uma serenidade que não seria possível caso houvesse uma mensalidade a ser paga.

Em uma economia onde a própria ideia da necessidade de um "trabalho" para garantir um rendimento básico é questionada, é óbvio que os cidadãos interessados devem novamente ser convidados a estudar, e a ensinar, em universidades gratuitas bancadas pelo Estado.

*Ben Katchor é cartunista e ilustrador americano mais conhecido por seus famosos quadrinhos "Julius Knipl, Real Estate Photographer".

Por Marta Vieira da Silva*

Marta Vieira da Silva - Ryan Brown/ONU Mulheres - Ryan Brown/ONU Mulheres
Imagem: Ryan Brown/ONU Mulheres

As palavras que eu sempre ouvi na infância ainda são constantemente ditas para as meninas ao redor do mundo: o esporte não é para você.

Quando chegam à adolescência, a pressão sobre as jovens para que se ajustem a um certo tipo de feminilidade torna ainda mais difícil a ocupação de espaços públicos, o desenvolvimento do senso de autonomia e jogar.

Quando uma menina não está autorizada a praticar um esporte, lhe é negada uma ferramenta preciosa para desenvolver habilidades que podem ser transferidas para várias outras áreas de sua vida: confiança, liderança, disciplina, resiliência, espírito de equipe e respeito pela diversidade.

Costumo dizer às meninas: acredite em você, porque se não, ninguém mais vai fazer isso. No entanto, também é verdade que, com os investimentos certos das instituições esportivas, tanto no setor público quanto no privado, o caminho para que as jovens atinjam seu pleno potencial pode tornar as coisas mais fáceis do quanto foram para mim.

Precisamos de mais mulheres em cargos decisórios nos órgãos governamentais, melhores políticas para as atletas e mais oportunidades para que as meninas pratiquem esportes, onde quer que estejam no mundo.

Não poderemos dizer que a humanidade avançou verdadeiramente até que possamos nivelar o campo de jogo para mulheres e meninas, em todas as áreas onde exista o potencial para que se destaquem.

*Marta Vieira da Silva joga pelo Orlando Pride e pela seleção brasileira de futebol feminino. Ela foi eleita a melhor jogadora do mundo pela FIFA por seis anos, e é embaixadora da boa vontade das Nações Unidas para mulheres e meninas no esporte.

Por Emily Thompson*

Emily Thompson - Paul Body - Paul Body
Imagem: Paul Body

Após dez anos da invenção do telefone, alguém cujo nome se perdeu na história fez o primeiro telefonema obsceno. A nova tecnologia, que possibilitava conversas independentemente da proximidade física, gerou comportamentos que não mais eram controlados pelas normas sociais, que sempre impediram que a maioria das pessoas dissesse coisas desagradáveis umas às outras.

Alguns anos depois, apareceram as primeiras cabines telefônicas. Elas isolavam ainda mais os aparelhos, acústica e visualmente, permitindo que cada usuário habitasse um espaço imaginário compartilhado apenas com a pessoa no outro lado da linha. Mas esse espaço não ficava nem cá nem lá, e ampliava a natureza antissocial do telefonema. Coisas estranhas acontecem em cabines telefônicas; não há regras. Clark Kent se transformava em Superman. Quem sabe o que Scott Pruitt poderia ter aprontado lá?

Hoje, quando escolhemos estar com nosso telefone o tempo todo e em todos os lugares, somos aprisionados em cabines telefônicas virtuais que perpetuamente nos desconectam do nosso entorno. Quando não estamos presentes no lugar onde realmente estamos, nos tornamos zumbis sociais, um rosto estranhamente iluminado pela luz azulada de nossa tela. Nós nos comportamos de modo a ignorar as pessoas ao nosso redor. Muitos agem obscenamente.

Vamos recuperar o nosso contexto e nos reconectar ao nosso entorno, de uma maneira que suscite o melhor de nossa natureza. Superman só foi capaz de lutar pela verdade e justiça ao sair da cabine e se conectar com a cidade.

Seja um super-herói. Desligue o telefone, olhe para as pessoas ao seu redor e sorria.

*Emily Thompson, professora de História em Princeton, vive muito bem sem um smartphone.