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Jovens cubanos estão determinados a modernizar o país no futuro pós-Castro

Jovem cubana faz uma selfie no Malecón, em Havana. Os cubanos de vinte e trinta anos estão determinados a modernizar e globalizar o país - Yamil Lage/Agência France-Presse/Getty Images
Jovem cubana faz uma selfie no Malecón, em Havana. Os cubanos de vinte e trinta anos estão determinados a modernizar e globalizar o país Imagem: Yamil Lage/Agência France-Presse/Getty Images

Ruth Behar

07/01/2019 04h00

"Era sua", anunciou minha mãe, segurando uma blusa azul de uniforme.

Com 82 anos, ela ainda me surpreende com lembranças que trouxe de Cuba e mantém guardadas desde os anos 1960.

Havia uma estrela pregada no peito e uma barra grossa, que foi sendo desfeita aos poucos, acompanhando meu crescimento.

"Você não lembra?" Balancei a cabeça, em negativa.

"Você usava quando tinha quatro anos. Frequentou a mesma escola judaica que eu em Havana. As aulas eram em espanhol e iídiche. Incrível, não é? Aí veio Castro."

Eu cresci, como muitos filhos de exilados cubanos, traumatizada pelo que meus pais perderam na revolução de 1959, liderada por Fidel Castro. Eles acreditavam nas reformas sociais que Castro pretendia - direitos iguais para as mulheres e os negros, creches públicas, terra para os agricultores, moradia para os carentes, saúde de qualidade para todos e educação para as crianças -, e se sentiram traídos com sua guinada para o autoritarismo e comunismo.

E também como outros exilados de sua geração, eles se recusam a retornar à ilha. Preferem se ater às lembranças de uma Cuba que não existe mais. Há quase trinta anos eu tenho voltado sozinha, tentando entender no que o país se transformou.

Há também os filhos que ficaram, a geração criada pelos revolucionários, que tentaram construir uma sociedade justa através do trabalho voluntário e do sacrifício comunal. Enfrentaram períodos de escassez extrema e agora têm que lidar com o declínio do sistema previdenciário nacional. Uma amiga que cuida dos pais graças ao Airbnb sempre se questiona sobre quem teria sido e o que teria conquistado se a família tivesse ido embora.

"Você tem sorte de seus pais a terem levado embora quando era pequena", me diz ela.

Entretanto, com a aproximação do 60º aniversário da revolução, uma nova geração, tanto dentro quanto fora do país - a dos netos -, está começando a se livrar dos traumas do passado.

Idania del Río, dona da Clandestina, em Havana. O empreendedorismo cubano ganhou força desde que Raúl Castro legalizou os negócios privados, em 2016 - Yamil Lage/Agência France-Presse/Getty  - Yamil Lage/Agência France-Presse/Getty
Idania del Río, dona da Clandestina, em Havana. O empreendedorismo cubano ganhou força desde que Raúl Castro legalizou os negócios privados, em 2016
Imagem: Yamil Lage/Agência France-Presse/Getty

Os jovens de hoje são individualistas, e teriam sido rotulados como "diversionistas ideológicos" pelos mais velhos, os mesmos que trabalharam no corte da cana pelo bem da nação. E embora tenham crescido ouvindo histórias sobre os horrores do imperialismo norte-americano e o embargo comercial em curso, têm tatuagens espalhadas pelo corpo que declaram "Você só precisa de amor" ou "Viva intensamente".

E amam grifes. Em maio de 2016, a Chanel veio a Havana para fazer um desfile, e o contraste geracional ficou ainda mais gritante quando o neto de Fidel, Tony Castro (Antonio Castro Ulloa), um aspirante a modelo de 19 anos - que, diga-se de passagem, é a cara do avô - fez uma aparição no Paseo del Prado.

Ídolo dessa nova geração, Idania del Río, 37 anos, voltou a Havana, depois de trabalhar no exterior, quando Raúl Castro legalizou os negócios privados. Sua oficina de graphic design, a Clandestina, oferece camisetas em silkscreen que chamaram a atenção até do presidente Obama em sua histórica visita, em março de 2016, e agora são vendidas pela Amazon.

Um número surpreendente de jovens tem condições de gastar US$ 28 - quase o equivalente ao salário mínimo médio local - para comprar uma dessas peças, mas suas ambições não podem ir muito além disso. Eles trabalham em restaurantes, ajeitam e reformam cômodos para alugar para turistas, dão aquela repaginada no antigo Chevy para transformá-lo em um táxi rosa-choque. Querem que Cuba se transforme em um país "comum". Enquanto isso, todas as transações continuam sendo em dinheiro vivo, ninguém tem cartão de crédito e as economias são guardadas debaixo do colchão.

A reabertura da ilha ao mundo capitalista também gera uma desigualdade cada vez maior. No início dos anos 1990, quando comecei a viajar de volta a Cuba, notei as cortinas escuras nas lojas para turistas, instaladas para esconder os produtos dos cubanos e evitar que desejassem o que não tinham condições de comprar. Agora, é tudo às claras - inclusive Chanel.

No passado, uma das maneiras de fugir era emigrando; hoje, porém, os países estão fechando as fronteiras e os EUA já não nos oferecem uma opção mais ágil para a cidadania.

Os jovens cubanos não sonham mais em ir embora, mas sim em viajar.

Miguel Diaz-Canel, à esqueda, sucedeu Raúl Castro na presidência de Cuba, em abril, em uma cerimônia histórica que encerrou décadas do regime da família. Diaz-Canel, candidato único à presidência, foi eleito para um mandato de cinco anos com 603 dos 604 votos possíveis na Assembleia Nacional - Yamil Lage/Agência France-Presse/Getty Images - Yamil Lage/Agência France-Presse/Getty Images
Miguel Diaz-Canel, à esqueda, sucedeu Raúl Castro na presidência de Cuba, em abril, em uma cerimônia histórica que encerrou décadas do regime da família. Diaz-Canel, candidato único à presidência, foi eleito para um mandato de cinco anos com 603 dos 604 votos possíveis na Assembleia Nacional
Imagem: Yamil Lage/Agência France-Presse/Getty Images

O neto da minha antiga babá quer visitar Guantánamo, terra de seu pai; entretanto, com um salário equivalente a US$ 12/mês, ele sabe que até o preço da passagem do ônibus que sai de Havana para percorrer os 965 quilômetros até lá é proibitivo.

Seu cunhado entra na conversa. "Meu sonho é conhecer o mundo e voltar para cá", diz. E riu, embora deixasse claro que não desejava mudanças políticas. "Cuba não tem problemas de gangues, nem com armas. É bem seguro."

As dificuldades financeiras enfrentadas por esses dois jovens negros cubanos têm que ser avaliadas em relação à segurança que ambos sentem. O racismo não acabou em Cuba; aliás, muitos afirmam que aumentou, com a expansão das empresas privadas, cujos benefícios pendem claramente para os cubanos brancos. Porém, uma das conquistas mais duradouras da revolução é a de ter instilado um forte orgulho nacional na herança africana cubana, dando aos negros uma voz que continua a pedir maior igualdade e o direito de autoexpressão - tanto que até o movimento Black Lives Matter tem defensores por aqui.

Mas Cuba, prestes a enfrentar o futuro pós-Castro, chegou a um ponto de incerteza; ao mesmo tempo em que tem orgulho de reformas constitucionais que incluem a proposição da legalização do casamento homoafetivo, uma questão demográfica básica assombra o país.

Os índices de natalidade em Cuba caíram a níveis alarmantes, e a população já é a mais velha da América Latina. Como uma conhecida minha vivia dizendo: "Jamais terei um filho para Fidel Castro." Há quem diga que são as condições econômicas, e principalmente o grave problema de moradia, que torna a decisão de ter filhos especialmente complexa.

Menino ergue a bandeira cubana em escola na vila de Santo Domingo, na Sierra Maestra, em Cuba - Alexandre Meneghini/Reuters - Alexandre Meneghini/Reuters
Menino ergue a bandeira cubana em escola na vila de Santo Domingo, na Sierra Maestra, em Cuba
Imagem: Alexandre Meneghini/Reuters

Nossos antigos vizinhos em Havana continuam morando no mesmo apartamento modesto de dois quartos. Ambos hoje têm 90 anos - exemplos vivos do excelente sistema de saúde pública nacional - e ocupam um dos cômodos, enquanto os filhos ocupam o outro. A neta, de 37 anos, dorme com os avós; seu namorado de mais de uma década também morou a vida inteira com os pais.

"Não podemos nos casar porque não temos onde morar. Acho que nem vai dar para termos filhos. Além de eu estar envelhecendo, não ganhamos o suficiente para sustentar uma criança", ela me disse.

Fiquei imaginando como seria sua filha, de uniforme escolar e lenço vermelho, feito uma pioneira novinha, e me lembrei do uniforme que minha mãe guardou, presa às lembranças da minha infância interrompida em Cuba.

A avó da moça estava ouvindo a conversa, como é típico das cubanas. Anos atrás, ela vendeu a aliança para comprar um ventilador, mas não se arrepende. Sorrindo para a neta, ela comentou: "Nunca se sabe o que pode acontecer. Aquí vivimos de la esperanza."

Aqui vivemos de esperança.

Eu sei que a neta não acredita mais em sonhos utópicos do "poderia ser". E está decidida a viver sua vida no presente, como outros cubanos de sua geração.

No entanto, sorri gentil para a avó e diz: "Eu sei, vovó."

Ruth Behar é professora de Antropologia da Universidade de Michigan e autora do romance juvenil "Lucky Broken Girl" e da coletânea de poemas "Everything I Kept".

Este texto faz parte da série Fator de Mudança, que inclui artigos de opinião, fotos e desenhos sobre eventos e tendências de 2018 que repercutirão não só em 2019, mas nos anos seguintes.