NY Times: Brumadinho deveria servir de lição para o mundo
Após a ruptura catastrófica de uma barragem de rejeitos no Brasil na semana passada, deixando pelo menos 110 mortos, 238 desaparecidos e um desastre ambiental de proporções épicas, a polícia foi rápida em prender cinco pessoas que tinham sido responsáveis "por inspecionar a barragem e que, mais recentemente, afirmaram que estava "estável". Certamente erraram e os tribunais decidirão se o fizeram de forma criminosa. Mas reunir os suspeitos de sempre acaba por não abordar a responsabilidade por um desastre desta magnitude e um perigo que muitas comunidades de mineração enfrentam em todo o mundo.
Rejeitos são os resíduos úmidos das operações de mineração, muitas vezes misturados com produtos químicos tóxicos. Em milhares de minas ao redor do mundo, milhões de toneladas de lixo acumulam-se atrás de barragens. O tipo mais comum de barragem --e o mais barato de construir-- é conhecido como "alteamento a montante", feito empilhando lodo grosso e elevando a altura da represa à medida que a "lagoa" cresce. Na mina onde ocorreu o incidente no sudeste do Brasil, de propriedade da gigante mineradora Vale, a represa tinha 28 andares de altura.
O perigo representado pelas barragens de rejeitos é bem conhecido. Três anos atrás, outra barragem de alteamento a montante no mesmo Estado brasileiro, Minas Gerais, e de co-propriedade da Vale e do Grupo BHP da Austrália, entrou em colapso, matando 19 pessoas. A sujeira daquela barragem fluiu por mais de 640 km até o oceano Atlântico. Outras barragens entraram em colapso em muitos países ao redor do mundo e, embora o número geral de falhas a cada ano tenha diminuído, a ocorrência de grandes colapsos aumentou. Segundo o banco de dados World Mine Tailings Failures, ocorreram 46 colapsos "sérios" ou "muito graves", como os do Brasil, entre 1998 e 2017.
Um dos motivos é o aumento das chuvas por causa da mudança climática, que pode erodir a parede de uma barragem anos após a piscina de rejeitos não estar mais em uso. Um estudo descobriu que a chuva forte foi citada como contribuinte para um quarto das falhas globais nas barragens. Como existem milhares de barragens de rejeitos em todo o mundo e as empresas de mineração geram cada vez mais resíduos --elas produziram 8,5 bilhões de toneladas em 2017, mais do que o dobro em 2000, segundo um pesquisador australiano - as barragens representam um perigo que não vai ser resolvido ao prender alguns trabalhadores.
O custo das falhas é alto, como a Vale está aprendendo. As ações da empresa caíram 24% na segunda-feira após o incidente de sexta-feira, e a Vale deve enfrentar bilhões de dólares em multas. Somente esse custo deve impulsionar a Vale e o resto do setor de mineração a olhar de forma imediata para a maneira como essas empresas descartam o lodo de mineração e inspecionam suas barragens. Um relatório conjunto, em novembro de 2017, do Programa Ambiental das Nações Unidas e da fundação norueguesa GRID-Arendal constatou que, na maioria das falhas, havia amplos sinais de alerta antecipados. "A tragédia é que os sinais de alerta foram ignorados ou não reconhecidos pelos gestores que contam com poucos recursos", diz o relatório.
Após o incidente de 2015 no Estado de Minas Gerais, investigadores estaduais e federais pediram a contratação de mais inspetores de barragens. Mas o governo federal cortou os orçamentos, deixando a Vale e outras empresas fazerem o próprio monitoramento. Está longe de ser certo que o governo faça melhor desta vez: o novo presidente direitista do Brasil, Jair Bolsonaro, já criticou os reguladores ambientais, e seu ministro de infraestrutura alertou contra a "demonização" da Vale.
A Vale, em contraste, foi rápida em prometer mudanças. Fabio Schvartsman, seu executivo-chefe, disse na terça-feira que a empresa decidiu parar as operações com mineração, onde outras dez barragens de alteamento a montante ainda estavam em uso até que todas fossem totalmente desativadas, um processo que deve levar de um a três anos. A represa que colapsou na semana passada esteve fora de uso por dois anos e meio, disse ele, e estava em processo de desativação.
A indústria global de mineração deve prestar atenção. Está claro que a indústria precisa examinar de perto as barragens de alteamento a montante, estabelecer padrões internacionais rigorosos para a maneira como são construídas e inspecionadas e estudar formas alternativas de descarte de seus resíduos.
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