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Padres gays enfrentam crise silenciosa dentro da Igreja Católica

Greg Greiten é um padre católico gay de uma paróquia perto de Milwaukee, nos EUA - Gabriella Demczuk/The New York Times
Greg Greiten é um padre católico gay de uma paróquia perto de Milwaukee, nos EUA Imagem: Gabriella Demczuk/The New York Times

Elizabeth Dias

Em Milwaukee, Wisconsin (EUA)

20/02/2019 09h58

Gregory Greiten tinha 17 anos quando os padres organizaram o jogo. Era 1982 e ele estava em retiro com seus colegas do St. Lawrence, um seminário católico para meninos adolescentes que queriam ser padres. Os líderes pediram que cada menino classificasse o que preferia: ser queimado 90% do corpo, ficar paraplégico ou ser gay.

Todos escolheram ser queimados ou paralisados. Nenhum disse a palavra "gay". Eles chamaram aquilo de "Jogo da Vida".

A lição foi profunda. Sete anos depois, ele subiu na janela do dormitório do seminário e passou uma perna sobre o parapeito. "Na verdade, eu sou gay", lembra-se Greiten de ter dito a si mesmo pela primeira vez. Hoje ele é um padre na região de Milwaukee. "Foi como uma sentença de morte."

O "armário" da Igreja Católica depende de uma contradição impossível. Durante anos, líderes da igreja afastaram os fiéis gays, envergonhados, e insistiram que as "tendências homossexuais" são "distúrbios". No entanto, a igreja tem milhares de padres gays.

As histórias desses padres não são ditas. Ocultas do mundo exterior, são conhecidas só entre eles mesmos, quando são.

Menos de dez padres nos EUA ousaram se revelar publicamente. Mas os gays foram provavelmente de 30% a 40% do clero católico americano, segundo dezenas de estimativas dos próprios padres gays e de pesquisadores. Alguns padres dizem que o número se aproxima de 75%.

Duas dúzias de padres e seminaristas gays de 13 Estados americanos compartilharam a "The New York Times", nos últimos dois meses, detalhes íntimos de sua vida no armário católico.

Quase todos exigiram estrita confidencialidade para falar sem medo de retaliação de seus bispos ou superiores. Alguns tinham sido expressamente proibidos de se assumir ou mesmo de falar publicamente sobre homossexualidade. A maior parte deles está no ministério ativo e poderia perder mais que os empregos se fossem expostos.

A igreja quase sempre controla a moradia, o seguro-saúde e a aposentadoria dos padres. Eles podem perder tudo isso se o bispo achar que sua sexualidade os desqualifica, mesmo que sejam fiéis ao voto do celibato.

O ambiente para os padres gays se tornou mais perigoso. A queda de Theodore McCarrick, o antes poderoso cardeal que perdeu a batina na semana passada por abuso sexual de meninos e rapazes, inflamou acusações de que a homossexualidade é a culpada da crise ressurgente de abusos na igreja.

Diversos estudos concluíram que não há conexão entre ser gay e abusar de crianças. No entanto, bispos importantes destacaram padres gays como a raiz do problema, e organizações noticiosas de direita atacam o que chamam de "subcultura homossexual" da igreja, "máfia lavanda" ou "cabala gay".

Até o papa Francisco se tornou mais crítico nos últimos meses. Ele chamou a homossexualidade de "moda", recomendou que homens com essa "tendência enraizada" não sejam aceitos no ministério e admoestou os padres gays a serem "perfeitamente responsáveis, tentando nunca provocar escândalo".

Nesta semana, Francisco conduzirá uma esperada cúpula sobre abuso sexual, com bispos do mundo todo. O debate promete ser não apenas sobre responsabilizar os bispos, mas também sobre a própria homossexualidade.

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Quando Francisco pronunciou sua pergunta revolucionária, "Quem sou eu para julgar?", em 2013, ele tentou abrir a porta do armário. Alguns padres cautelosos passaram.

Mas se a porta do armário se entreabriu a crise dos abusos sexuais agora ameaça fechá-la com força. As acusações generalizadas levaram muitos padres mais para o fundo do armário.

"A vasta maioria dos padres gays não está segura", disse o padre Bob Bussen, de Park City, em Utah, que se assumiu há cerca de 12 anos quando celebrou missa para a comunidade LGBTQ.

"A vida no armário é pior que ser considerado culpado", disse ele. "Não é um armário. É uma jaula."

Mesmo antes que um padre possa saber que é gay, ele conhece o armário. O código é ensinado cedo, muitas vezes no seminário. "Numquam duo, semper tres", diz a advertência. "Nunca dois, sempre três." Andem em trios, nunca em dupla. Nada de caminhadas sozinhos, ou idas ao cinema em dupla.

Os superiores avisaram durante anos: qualquer amizade masculina é perigosa demais, pode escorregar para algo sexual e se transformar no que eles chamavam de "amizade particular".

Hoje, o estudo para o sacerdócio nos EUA geralmente começa no ensino secundário ou depois. Mas até 1980 a igreja muitas vezes recrutava meninos a partir da nona série, adolescentes ainda na puberdade.

Para muitos padres e bispos que hoje têm mais de 50 anos, esse ambiente limitava o desenvolvimento sexual saudável. Os padres não podem se casar, por isso a sexualidade desde o início tinha a ver com abstinência e obediência.

Os padres americanos tendem a se assumir em uma idade muito posterior à dos homens gays médios --15 anos. Muitos padres gays falaram sobre ser presos entre negação e confusão, finalmente se assumindo pessoalmente com 30 ou 40 anos.

Greiten tinha 24 quando percebeu que era gay e pensou em saltar da janela do dormitório. Ele não saltou, mas confidenciou seu desespero a um colega. O próprio amigo se assumiu. Foi uma revelação: havia outros estudantes para padres que eram gays. Só que ninguém falava sobre isso.

Greiten procurou um ex-professor do seminário que ele achava que poderia ser gay.

"Haverá um momento em sua vida em que você olhará para trás e se amará por ser gay", disse o homem a Greiten, segundo ele lembra. "Eu pensei: 'Esse homem deve estar totalmente louco'."

Mas ele tinha descoberto a estranha ironia do armário católico, não é nada secreto.

"É mais ou menos um armário aberto", disse Greiten. "É tornar a coisa pública, falar sobre ela, que cria o problema."

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Há apenas um ano, depois de uma reunião com um grupo de padres gays, Greiten decidiu que estava na hora de encerrar seu silêncio. Na missa de domingo, durante o Advento, ele disse à sua paróquia num subúrbio de classe média que era gay, e celibatário. Eles se levantaram e aplaudiram.

Sua história viralizou. Um padre de 90 anos lhe telefonou para dizer que passou a vida toda no armário e desejava que o futuro fosse diferente.

Para alguns líderes da igreja, essa demonstração de apoio pode ter sido ainda mais ameaçadora que sua sexualidade. Greiten havia cometido o pecado capital: abriu a porta para a discussão.

Seu arcebispo, Jerome Listecki, de Milwaukee, emitiu um comunicado dizendo que desejava que Greiten não tivesse se declarado publicamente. Choveram cartas chamando-o de "satânico", "lixo gay" e um "monstro" que sodomizava crianças.

Culpar os gays por abuso sexual quase certamente será um tópico importante nesta semana no Vaticano.

"Em vez de ver maior responsabilidade por parte dos bispos, poderá se tornar mais uma vez uma condenação das pessoas lésbicas, gays, transexuais na igreja", disse John Coe, 63, um decano permanente em Kentucky, que se assumiu gay no ano passado, sobre a cúpula.

Greiten gostaria de falar pessoalmente com o papa Francisco. "Escute minha história de como a igreja me traumatizou por ser gay", pediu ele, no ar.

"Não tem a ver só com a crise de abuso sexual", disse ele, com a voz cada vez mais tensa. "Eles estão traumatizando e ferindo sexualmente mais uma geração. Temos de nos erguer e dizer chega de abuso sexual, chega de trauma sexual e de feridas sexuais. Temos de ser honestos quando se trata de sexualidade."