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Oposição venezuelana procura plano B após fracasso em levar ajuda humanitária

23.fev.2019 - Confronto na ponte Francisco de Paula Santander, na fronteira entre a Venezuela e a Colômbia - Marco Bello/Reuters
23.fev.2019 - Confronto na ponte Francisco de Paula Santander, na fronteira entre a Venezuela e a Colômbia Imagem: Marco Bello/Reuters

Nicholas Casey e Albinson Linares

Em Cúcuta (Colômbia)

25/02/2019 14h59

Enquanto a ajuda humanitária que está no centro do impasse na fronteira venezuelana continuava trancada em armazéns no domingo (24), e com o bloqueio do presidente Nicolás Maduro ainda intacto, ficou claro que os líderes da oposição que tentam derrubá-lo não tinham preparado um plano B.

Juan Guaidó, a principal autoridade da oposição, e seus aliados esperavam que forçar a entrada na Venezuela dos muito necessários alimentos e remédios representaria um momento de colapso irreversível da autoridade de Maduro. Mas apenas um caminhão de ajuda conseguiu atravessar no sábado (23), prazo estabelecido pela oposição para pôr fim ao impasse, e Maduro evitou com facilidade o maior desafio a seu poder desde que Guaidó se declarou o líder por direito do país, no mês passado.

Choques entre manifestantes de oposição e forças leais a Maduro, que deixaram quatro mortos desde sexta-feira (22), continuaram no domingo, ameaçando a imagem do movimento não violento de Guaidó. Os oficiais militares que são cruciais para manter Maduro no poder resistiram amplamente ao pedido de Guaidó por deserções em massa; apenas cerca de 150 desertaram. E até o destino do próprio Guaidó permanecia incerto: depois que ele se esgueirou pela fronteira da Colômbia na sexta-feira, desobedecendo a uma proibição de viagem, ninguém sabia se Maduro permitiria que ele voltasse.

"Foi um dos resultados que imaginávamos, mas não o que queríamos", disse legislador de oposição Armando Armas, acrescentando que era improvável que os organizadores tentassem fazer a ajuda passar em breve. "Não podemos mais expor nosso pessoal. A entrada de ajuda humanitária não pode ser o gatilho de um conflito maior."

Maduro predominou nesse duelo na fronteira, entretanto, as condições internas do país continuavam profundamente desfavoráveis a ele. Maduro segue extremamente impopular na Venezuela, onde conduziu um dos piores desastres econômicos da história da América Latina, uma calamidade que levou um décimo da população a deixar o país, em grande parte porque faltavam alimentos e remédios. Novos danos foram causados a sua imagem no sábado, quando ele negou ajuda aos venezuelanos que sofrem.

Guaidó, por sua vez, galvanizou o país, e mais de 50 outros governos reconheceram sua reivindicação à Presidência. O presidente dos EUA, Donald Trump, um apoiador declarado de Guaidó, emitiu sanções paralisantes contra a companhia estatal de petróleo da Venezuela.

O vice-presidente americano, Mike Pence, chegou à Colômbia nesta segunda-feira (25), onde se encontrou com Guaidó e fez ameaças contra militares venezuelanos que apoiam Maduro.

Mesmo que poucos duvidassem que a força da oposição diminuiria por seu fracasso em entregar comida e medicamentos, o sábado pareceu ser um ponto de inflexão, com novos discursos sobre a necessidade de intervenção estrangeira.

Guaidó, 35, surgiu no cenário nacional nos últimos meses e buscava usar a chegada de ajuda internacional como arma política. Ele anunciou que sábado seria um dia de "avalanche de ajuda", em que os apoiadores desafiariam o presidente e romperiam seu controle das fronteiras. Os presidentes da Colômbia, Chile e Paraguai aderiram ao esforço, juntamente com o bilionário britânico Richard Branson, que voou até a fronteira para participar de um show com vários artistas pop latinos que pediram que a entrada da ajuda fosse autorizada.

Mas no final do dia a avalanche mais parecia uma gota no balde.

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Alguns suprimentos, em vez de chegarem aos venezuelanos necessitados, foram queimados depois de entrar no país. Maduro, vendo a ajuda como um ataque à sua autoridade, declarou que seu país não é um mendigo e não precisa dela. Forças do governo e grupos aliados apoiaram essa mensagem com violência, atraindo a condenação da ONU no domingo.

Frustrada na fronteira, a oposição começou a se unir em torno da bandeira da ação estrangeira para derrubar Maduro. Antes da reunião com Pence e outros líderes regionais em Bogotá na segunda-feira, Guaidó escreveu no Twitter que "devemos manter todas as opções abertas para a libertação de nossa pátria". Julio Borges, outro líder de oposição, disse que pediria o uso da força naquele encontro.

O presidente Donald Trump levantou algumas esperanças de tal intervenção, dizendo que "o ocaso do socialismo" chegou ao hemisfério ocidental.

Mas "a retórica americana foi exagerada", disse Charles Shapiro, ex-embaixador americano na Venezuela, acrescentando que as declarações podem ter levado alguns da oposição a acreditar que a ajuda militar estaria a caminho se Maduro bloqueasse a ajuda.

Enquanto esses carregamentos eram obstruídos, imagens de violência marcaram as pontes na fronteira com a Colômbia no domingo. Perto da ponte Santander, onde a ajuda tinha sido queimada no sábado, dezenas de jovens atiraram pedras contra soldados venezuelanos e ergueram barreiras.

Outros percorreram as ruas de um bairro próximo em busca de artigos para fabricar bombas caseiras e máscaras para evitar gás lacrimogêneo.

"Ontem trouxemos ajuda humanitária, flores e bandeiras, e recebemos balas", disse Delbert Rondón, 34, que tinha vindo da cidade de Mérida em busca de remédios. "Estou aqui embaixo da ponte ajudando os rapazes. Eu lhes passo pedras, trapos, garrafas de água, vinagre. Temos de ajudá-los porque eles são a resistência."

Essas cenas, porém, eram as que a oposição tentava evitar.

Grandes movimentos de protesto em 2014 e 2017 começaram como demonstrações pacíficas, mas com o passar das semanas foram dominadas por grupos compostos na maioria por jovens que se chocaram com as forças de segurança nas ruas. Só em 2017 os choques resultaram em mais de cem mortes dos dois lados.

O movimento de Guaidó parecia evitar a violência de rua e os pedidos de intervenção militar estrangeira.

Depois de se declarar presidente em 23 de janeiro, sob aplausos de multidões, ele reuniu centenas de milhares de apoiadores nas ruas de Caracas, a capital, e em outras cidades em comícios geralmente pacíficos. Sua estratégia se baseava em uma mistura de desobediência civil e pressão internacional, pedindo que os militares de Maduro o abandonem, em vez de pretender que uma campanha militar externa o derrube.

"O caráter não violento desses protestos é absolutamente chave para fazer uma diferença", disse David Smilde, membro sênior do Escritório de Washington para a América Latina. "Quando há luta, não dá certo por um simples motivo: quando os protestos ficam violentos, não são mais de massa."

Smilde acrescentou que quanto mais a oposição pedir intervenção militar externa, menor a probabilidade de que os venezuelanos se manifestem nas ruas, acreditando que a ajuda estrangeira está chegando.

Uma marcha no domingo na fronteira colombiana deveria ser um modelo para outras. Os organizadores disseram que o plano era que os manifestantes andassem ao lado de caminhões cheios de ajuda humanitária atravessando as três pontes. Eles convenceriam os soldados do outro lado a deixar a ajuda passar com apelos de que as famílias dos militares sofrem a mesma escassez que a maioria dos venezuelanos.

Os manifestantes foram abençoados por um padre em um acampamento ao amanhecer, e no início da tarde se reuniram com rosas brancas e começaram a se dar os braços perto da ponte Tienditas. Os organizadores pretendiam usar um caminhão-guincho para remover os contêineres de navio deixados como obstáculos pelo governo Maduro.

Em uma ponte para pedestres mais ao sul, houve aplausos quando caminhões de ajuda começaram a se aproximar da fronteira, com centenas de jovens venezuelanos sentados sobre os carregamentos.

Mas então soldados da Guarda Nacional da Venezuela dispararam bombas de gás na direção dos veículos. Muitos manifestantes desceram dos caminhões e correram contra os soldados, atirando pedras. Em breve, a multidão passava pedras para os que as atiravam sobre a ponte contra os militares venezuelanos, enquanto ativistas da oposição e policiais colombianos assistiam.