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Agricultores paulistas são remunerados para preservar florestas e rios

Vitoria Velez

Em Jaguariúna (SP)

25/03/2013 10h41

Um projeto de repasse de verbas a agricultores para que replantem a flora nativa e preservem os rios ganha força no interior paulista, em uma região antes dominada pela exuberante Mata Atlântica e que deu lugar ao pasto para pecuária, afetando a disponibilidade de água para milhões de pessoas.

Com este objetivo, a cervejaria Ambev, a maior da América Latina, se associou à ONG The Nature Conservancy  para desenvolver em Jaguariúna, a 130 quilômetros de São Paulo, um programa que assegure o abastecimento de água no Estado de São Paulo, inclusive na região metropolitana da capital, onde cerca de 20 milhões de pessoas consomem 65 mil litros de água por segundo.

Dessa forma, as empresas pagarão por "serviços ambientais" dos agricultores para que preservem suas terras e recuperem a vegetação, mantendo limpa a bacia dos rios Piracicaba-Capivari-Jundiaí, que fornece água a 4,5 milhões de pessoas em dezenas de cidades de São Paulo e Minas Gerais.

Nesta região, o corte de árvores para criar espaço para o gado e os cultivos agrícolas degradou a terra, impedindo que a água da chuva chegue até os lençóis freáticos.

A água representa 95% da matéria-prima da cervejaria, que assegura ter reduzido nos últimos anos mais de 30% o consumo de recursos hídricos na elaboração da bebida em suas fábricas. Hoje, produzir um litro de sua cerveja requer 3,4 litros de água.

Mas segundo a ONG Water Footprint, que desenvolveu um indicador que calcula o uso da água direto e indireto em várias atividades, produzir um copo de 250 ml de cerveja a partir da cevada requer 74 litros de água em toda a cadeia de produção.

Neste sentido, a bióloga Nurit Bensusan, ex-coordenadora da Fundo Mundial para a Natureza-Brasil, pediu para que se faça uma reflexão sobre o uso da água, especialmente na agricultura.

"Temos que pensar em como se gasta a água no planeta. Cerca de 70% da água é gasta em agricultura e, se quisermos fazer alguma diferença (...) temos que repensar nossos modelos de ocupação do solo e também de consumo", afirmou.

Desmatamento x incentivo

"É uma mudança de paradigma muito grande: no passado, o produtor era incentivado a desmatar para produzir cada vez mais. Agora a gente diz, 'Não, faz o contrário, vai proteger a floresta'", afirmou à AFP Anita Diederichsen, coordenadora de projetos de produtores de água da TNC.

A iniciativa, que conta com o apoio da Prefeitura de Jaguariúna, se inspirou no programa Produtor de Água, desenvolvido pela ANA (Agência Nacional das Águas), com parceria da ONG e de governos locais em mais de dez municípios brasileiros, como Baneário Camboriú (Santa Catarina), Extrema (Minas Gerais), Nazaré Paulista e Joanópolis (São Paulo), os três últimos pertencentes à bacia dos rios Piracicaba-Capivari-Jundiaí.

Os pagamentos aos agricultores variam de acordo com o tamanho de sua propriedade. "O valor pago para a conservação de uma floresta existente, por exemplo, pode chegar a R$ 125 reais (cerca de US$ 62) por hectare ao ano", explicou Henrique Bracale, engenheiro agrônomo e especialista em recuperação ambiental da ONG.

Técnicos do projeto não quiseram dar cifras concretas do pagamentos que começarão a ser feitos, uma vez que o programa está em fase inicial e ficará operacional em um ano.

Um dos 'produtores de água' é Nery Gonçalves, de Camboriú, em Santa Catarina, que cultiva palmeiras reais em sua propriedade de 28 hectares. Como o terreno é acidentado, apenas cinco hectares são produtivos.

"Pensei que, já que não posso aproveitar a grande maioria do terreno, vamos dar tudo para a floresta", afirmou.

Nery explicou que o que recebe como pagamento - R$ 3.600 ao ano - é simbólico e se seus 28 hectares fossem produtivos, não seria um bom negócio.

"Mas não preciso desse terreno para viver e sei que estou fazendo minha parte para preservar a água; durmo com a cabeça tranquila no travesseiro", acrescentou.

José Iackowski Gonçalves é proprietário de 18,5 hectares improdutivos em Nazaré Paulista, cidade do Estado de São Paulo, onde também foi implementado o programa 'Produtor de Água'.

"Aderi ao programa porque a propriedade tem uma floresta de mais de 100 anos, muita madeira de lei, fauna e flora ricas e vale a pena preservar isso para as futuras gerações", explicou.

Expertise

Chama atenção que dois antagonistas tradicionais, uma ONG ambientalista presente em mais de 30 países, e uma empresa como a Ambev, que opera em 16 países e teve receita líquida de R$ 32,2 bilhões em 2012, sejam aliadas em um projeto de preservação.

Mas para seus representantes, desafios ambientais exigem trabalho conjunto.

"Estamos nos associando à melhor ONG de conservação, com uma expertise específica que seria impossível ter em casa", explicou o diretor de relações socioambientais da Ambev, Ricardo Rolim.

"Trabalhar com a Ambev é uma oportunidade. As corporações têm uma experiência gigantesca em gestão e a empresa vem demonstrando preocupação com a preservação de bacias", completou Anita.

O Brasil possui 12% de água de todo o mundo e abriga a maior reserva hídrica do planeta: o Aquífero Guarani, que se estende por oito estados brasileiros e pega parte da Argentina, Uruguai e Paraguai.