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China usa cervos para alimentar tigres ameaçados de extinção

Em Wangqing

20/09/2013 19h33

No alto das montanhas do nordeste da China, conservacionistas que se esforçam para preservar o tigre de Amur, o maior felino vivo do mundo, ameaçado de extinção, estão soltando cervos no território destes predadores para lhes servir de alimento.

Centenas de animais, também conhecidos como tigres da Sibéria e pelo nome científico de 'Panthera tigris altaica', que antes rondava as florestas de pinheiros e carvalhos da Manchúria, mas atualmente apenas uns 20 ainda sobrevivem na natureza.

Historicamente, o povo xamanístico chinês Manchu reverenciava e caçava os tigres, e o imperador Kangxi, da dinastia Qing, se vangloriava de ter matado 135 com arco e flecha, segundo Peter Dekker, pesquisador independente das armas da dinastia Qing.

A China foi habitat de várias subespécies de tigre, mas agora seu legado sobrevive mais no folclore - "onde há montanhas, há tigres", diz um velho ditado - do que na vida real.

Conservacionistas apontam o aumento das ocupações humanas, o desmatamento e a caça ilegal dos tigres - para uso na medicina tradicional - e dos animais que são suas presas como as razões principais para a queda dramática de sua população.

"O número de presas está muito baixo em comparação com outros países", disse Rohit Singh, da iniciativa Tigers Alive, da organização ambientalista Fundo Mundial para a Natureza (WWF).

A ONG tem um projeto para aumentar o número de cervos na Reserva Natural Nacional Jilin Wangqing em um esforço para dar aos tigres - e aos leopardos de Amur, ainda mais ameaçados - uma chance de prosperar e multiplicar.

Em 2012, um total de 37 cervos foram soltos na região, enquanto no mês passado um número similar foi libertado para alimentar os felinos.

Mas o apetite dos tigres é enorme.

Dale Miquelle, diretor do programa russo da Sociedade de Conservação da Vida Selvagem (WCS), com sede em Vladivostok, explicou que um tigre precisa matar cerca de 50 cervos ou javalis selvagens por ano para sobreviver e que manter uma taxa de caça sustentável exige uma população de presas 10 vezes superior.

"Seja o veado vermelho, o veado sika ou o javali selvagem, você precisa de um número relativamente grande de animais", afirmou Miquelle, falando por telefone da Rússia, onde vive uma população muito maior de tigres de Amur, estimada entre 350 e 400 indivíduos.

"No fim das contas, trata-se de garantir que estes animais (as presas) sejam protegidos da caça ilegal, que tenham um território para onde expandir suas populações e que seu hábitat não seja destruído por outras atividades", afirmou.

A reserva Wangqing faz parte de um corredor que liga a população de tigre de Amur da China com a da Rússia, a menos de 100 km de distância.

O corredor é "muito importante para os tigres", disse Tang Lijun, vice-diretor do departamento administrativo da reserva, acrescentando que foram tomadas medidas para reduzir significativamente a derrubada de árvores na região para ajudar a preservar os felinos.

As medidas incluem esquemas para fornecer a trabalhadores florestais fontes alternativas de renda à medida que o trabalho de corte de árvores diminuir, como a criação de peixes, de cogumelos e outros empreendimentos agrícolas.

As estimativas do número mundial de tigres selvagens variam de 2.700 a 3.200, disse Joseph Vattakaven, conselheiro de conservação do WWF e especialista em felinos, enquanto há um século a população era de 100 mil indivíduos.

Devido ao número extremamente baixo da população de tigres e leopardos no nordeste da China, os avistamentos são raros.

A última vez em que uma câmera da WWF flagrou um tigre foi em abril de 2012, mas Miquelle disse que os dispositivos na Reserva Natural Hunchun, na China, parte do "corredor" onde o WCS tem um programa, registraram pelo menos quatro tigres diferentes este ano.

Filmagens coletadas pelo WWF no mês passado mostraram um macho adulto de leopardo de Amur ('Panthera pardus orientalis'), o felino mais ameaçado de extinção do mundo, caminhando na reserva florestal Wangqing e parando para um grande bocejo antes de subir no galho de uma árvore caída e sumir de vista.

Nos anos 1970, o número de tigres de Amur na China e na Rússia era de aproximadamente 150 cada, disse Vattakaven, mas a população russa aumentou "por causa da proteção e de outros esforços".

Joe Walston, executivo da WCS Ásia, acrescentou, em Nova York: "se não tivesse sido pela Rússia, não haveria mais tigres selvagens na China".

"Então o teste realmente é a China fazer os esforços que foram feitos na Rússia". acrescentou.

Um fator chave, continuou, foi que a China deveria evitar grandes projetos de infraestrutura, "que dividirão e partirão os hábitats dos tigres".

Dekker, com sede em Amsterdã, disse que para os Manchu - que governaram a China entre 1644 e 1911 - os tigres eram um adversário valioso e que deveria ser combatido com lanças ao invés de arcos e flechas.

"Os homens manchu deveriam mostrar sua virilidade enfrentando os animais na natureza, preferivelmente derrotando-os em seu próprio jogo", afirmou por e-mail, embora os imperadores também usassem arcos ou armas de fogo em caças eventuais.

Os governantes se preocupavam em preservar as populações de tigre para assegurar que continuariam com o seu esporte, prosseguiu.

Mas hoje, além das razões ecológicas, a beleza destes animais anima os ambientalistas a incentivar sua preservação.

"É uma espécie tão carismática", disse Singh, do WWF. "Simplesmente não podemos perdê-los, são uma espécie muito bonita".