Samarco recebe maior multa já aplicada pelo Ibama, mas não resolve problema
A mineradora Samarco recebeu a maior multa já aplicada pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), foram ao menos R$ 250 milhões pelo rompimento de duas barragens em Mariana, cidade histórica de Minas Gerais. O valor é a soma de cinco autos de infração no valor de R$ 50 milhões cada.
Mas mesmo sendo uma punição histórica, a multa aplicada pelo Ibama à Samarco pode nem chegar a ser paga, uma vez que ainda cabem recursos e existem brechas na lei que podem favorecer a mineradora, explicam especialistas ouvidos pelo UOL. O valor da multa, muito abaixo dos danos causados -- estimados em R$ 20 bilhões --, também não estimula que ações para evitar tragédias como essa sejam tomadas.
Antes do acidente em Mariana, a multa de maior valor aplicada pelo Ibama foi à Petrobras, em julho de 2000, segundo o próprio instituto. O auto contou com três multas que totalizaram R$ 168 milhões pelo vazamento de quatro milhões de litros de óleo na refinaria Presidente Getúlio Vargas, em Araucária, Paraná.
Na época, o óleo cru vazou por duas horas sem que a empresa notasse e percorreu 2,8 km dentro da área da refinaria, chegando a atingir o rio Barigui e o Iguaçu. A Petrobras demorou para assumir a falha e não conseguiu conter a mancha de óleo, que no dia seguinte ao desastre já havia percorrido 44 km e tinha espessura de cinco centímetros.
O terceiro lugar no pódio das maiores penalidades do Ibama ficou com a petroleira Chevron, de acordo com o órgão. Em 2011, a empresa recebeu duas multas, uma de R$ 50 milhões e outra de R$ 10 milhões, pelo vazamento de 3,7 mil barris de óleo no Campo de Frade, na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro.
Nesta sexta-feira (27), o governo federal e os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo afirmaram que entrarão na Justiça contra a mineradora Samarco para garantir recursos para um plano de recuperação. A ação, estimada em R$ 20 bilhões, também terá como alvo a Vale e a BHP Billinton, empresas controladoras da Samarco. A medida não é legalmente vista como multa, mas entrará na lista de contas punitivas já recebidas pela empresa.
Os valores arrecadados serão usados para criar um fundo de recursos para os seguintes objetivos: conter a expansão dos impactos da enxurrada de lama que avançou pelo rio Doce e atingiu o mar do Espírito Santo, executar projetos de revitalização da bacia do rio e pagar indenizações à população afetada.
Multas já anunciadas à Samarco
A punição do Ibama não será a única que a mineradora Samarco, propriedade da Vale do Rio Doce e da BHP Billiton, receberá pela catástrofe. A multa do Ibama abrande infrações por poluir rios, tornar áreas urbanas impróprias para a ocupação humana, causar interrupção do abastecimento público de água, lançar resíduos em desacordo com as exigências legais, provocar a morte de animais e a perda da biodiversidade ao longo do rio Doce, colocando em risco a saúde humana.
Mas além dela, a Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais anunciou que multou a empresa em mais de R$ 112 milhões pelos danos ambientais resultantes dos rompimentos. De acordo com a secretaria, o valor da multa (exatos R$ 112.630.376,32) é a faixa máxima nos critérios da legislação estadual. A Samarco tem, a partir do dia da aplicação da penalidade (19 de novembro), prazo de 20 dias para recorrer da decisão.
O governo do Espírito Santo também vai penalizar a mineradora e afirma que a multa será proporcional ao patrimônio da empresa, acrescida de valores calculados em cima dos danos, segundo a Secretaria de Meio Ambiente local.
A Comissão Representativa da Assembleia Legislativa do Espírito Santo chegou a apresentar uma denúncia ao Ministério Público Estadual pedindo uma multa de R$ 7 milhões pelo não-cumprimento de sete determinações previstas no Termo de Compromisso Socioambiental assinado pela mineradora.
Tantas multas quitam o problema?
A julgar pelo histórico, existem grandes chances de o dinheiro das multas aplicadas pelo Ibama à Samarco não chegar aos cofres públicos.
Entre os anos de 2011 e 2014, apenas 8,7% dos valores cobrados em multas ambientais pelo Ibama foram arrecadadas. Isso significa que R$ 4,9 bilhões em multas ambientais já constituídas (em que não cabe recurso no processo administrativo), apenas R$ 424,2 milhões foram pagos.
Além disso, segundo o advogado do Instituto Socioambiental (ISA), Maurício Guetta, os pagamentos demoram para ser feitos já que a empresa recorre e é preciso aguardar julgamento e, em alguns casos, cabe ainda ação judicial. Mas não é só isso, uma brecha na lei permite que a empresa escolha qual multa pagar.
Todos os órgãos que fiscalizam e fazem controle ambiental podem autuar. Assim, Ibama, governos estaduais e municípios podem multar, mas há um vácuo legislativo que garante que a empresa pague para apenas um órgão. Advogado Raul Silva Telles do Valle
Chefe de assuntos jurídicos da Secretaria de Meio Ambiente do Distrito Federal, do Valle afirma que existem também problemas burocráticos e brechas na lei que podem acabar beneficiando a empresa causadora de danos.
Por mais que Minas Gerais alegue que está cobrando uma punição pelos danos em seu território, o Espírito Santo afirme que quer indenização pelos transtornos em suas terras e o Ibama peça multa por toda a bacia do Rio Doce, a Samarco pode afirmar na Justiça que o “fato de origem” para todas os impactos ambientais é o mesmo, e que, assim sendo, cabe apenas uma multa por todo caos gerado. Dessa forma, a empresa pode se livrar dos altos valores e acabar pagando a menor punição.
“As grandes empresas usam grandes advogados, que encontram brechas na lei, mostrando as falhas legislativas que de fato existem no sistema. Há também casos em que a demora dentro do Ibama, a burocracia, a falta de pessoal e pequenos descuidos podem colocar as cobranças em risco”, afirma Raul.
As empresas usam recursos e buscam falhas nos relatórios dos órgãos públicos, como, por exemplo, um técnico não habilitado para aquele serviço específico, para diminuir a quantia da cobrança ou invalidar o relatório e eliminar a dívida.
De acordo o advogado, o Ibama já chegou a ser o órgão federal campeão em valor de multas e com a pior arrecadação, devido a problemas institucionais que, segundo ele, estão sendo melhorados, mas ainda não foram sanados.
Multa não funciona como desincentivo
“O importante é entender que a multa é aplicada para causar um efeito de desincentivo a quem errou e aos outros da mesma área. Punições de R$ 50 milhões, R$250 milhões não pesam o suficiente no bolso das empresas para evitar os danos no futuro. O dia que as infratoras pagarem pela indenização e recuperação da área, aí sim, as empresas vão se assustar e se preocupar com a prevenção”, conclui Raul.
A Samarco firmou com o Ministério Público de Minas Gerais e o Ministério Público Federal um acordo para que ao menos R$ 1 bilhão seja reservado para garantir as medidas ditas emergenciais. O valor é considerado o mínimo que a mineradora deverá investir para reparar a tragédia. Neste pacote, estão incluídas ações para diminuir os impactos, reparar ou compensá-los.
Enquanto isso, uma Ação Civil Pública está sendo movida contra a mineradora pela Associação de Defesa dos Interesses Coletivos da Bahia, que propôs que a Samarco seja multada em R$ 10 bilhões para reparar os danos ambientais causados ao rio Doce.
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