Topo

Impacto no clima é tão profundo que podemos anular a próxima era do gelo

Josh Haner/The New York Times
Imagem: Josh Haner/The New York Times

Curt Stager*

Em Paul Smiths, Nova York (EUA)

28/11/2015 06h00

É um erro pensar que os efeitos climáticos de nossas emissões de carbono acabarão em poucas décadas ou séculos. Nossas responsabilidades intergeracionais penetram mais profundamente no futuro.

Neste novo período Antropoceno, a "Era dos Humanos", nós nos tornamos tão numerosos, nossa tecnologia tão poderosa e nossas vidas tão interconectadas que nos tornamos uma força da natureza em escala geológica. Ao movermos nossa civilização a base de combustíveis fósseis, estamos tanto criando quanto destruindo climas em que nossos descendentes viverão daqui dezenas, se não centenas, de milhares de anos.

Os átomos de carbono não desaparecem quando os queimamos e transformamos em dióxido de carbono. Estudos de indicadores isotópicos mostram que eles penetram no próprio tecido da vida na Terra. Alguns deles viajam pela cadeia alimentar, da atmosfera para as plantas e animais e até nossos pratos. Cerca de um oitavo do carbono em nossa carne, pelos e ossos é proveniente de chaminés e escapamentos. Nós não somos apenas uma fonte de poluição do ar –nós somos a própria poluição no ar, de modo que essa poluição também será, consequentemente, legada aos corpos de nossos descendentes.

O carbono inerte dos combustíveis fósseis dentro de nós não afeta diretamente nossa saúde, apesar do mercúrio e outros poluentes que costumam acompanhá-lo nas emissões industriais e automotivas poderem nos fazer mal. Grande parte do carbono no ar acabará se dissolvendo nos oceanos, deixando uma fração considerável no ar ate que ela, também, seja removida pelas reações químicas com carbonatos e silicatos nas rochas e sedimentos.

Isso é uma boa notícia.

A má notícia é que a limpeza natural de nossa sujeira será extremamente lenta. Pesquisa pelo oceanógrafo e cientista do clima David Archer, da Universidade de Chicago, e outros mostra que a limpeza levará dezenas de milhares de anos mesmo se adotarmos rapidamente fontes de energia renováveis. Quando a lenta inclinação cíclica da Terra ao longo de sua órbita excêntrica novamente levar a um grande período de resfriamento daqui cerca de 50 mil anos, ainda haverá emissões de carbono suficientes presas na atmosfera para aquecer o planeta o bastante para enfraquecer esse resfriamento. Em outras palavras, nosso impacto no clima global é tão profundo que podermos anular a próxima era do gelo.

Já é tarde demais para impedir o aquecimento causado pela humanidade. Mesmo se eliminarmos nosso vício em combustíveis fósseis nas próximas poucas décadas, nossos descendentes ainda enfrentarão temperaturas significativamente mais altas do que as atuais –por milênios. Mas isso não é motivo para adiamento ou desespero. Se não realizarmos a troca logo, nossos descendentes serão forçados a fazê-lo sob dificuldades, devido ao esgotamento de reservas finitas, e a Terra artificialmente mais quente será ainda mais pobre em espécies, habitat e estilos de vida por milhares de gerações.

Como seria viver em um mundo mais quente? A história geológica contém vários exemplos de períodos quentes naturais que oferecem pistas. Primeiro, vamos considerar o cenário mais brando.

Se eliminarmos rapidamente os combustíveis fósseis, os climas poderiam vir a se parecer com aqueles dos períodos quentes interglaciais que pontuaram as eras de gelo dos últimos dois milhões de anos. Durante o último interglacial, que teve início há 130 mil anos e durou aproximadamente entre 13 mil a 15 mil anos, as temperaturas globais médias eram 1 a 3 graus Celsius mais altas que hoje. Gelo suficiente da Groenlândia e Antártida derreteram para elevar o nível dos mares em cerca de 6 metros, mas grande parte do gelo polar sobreviveu. Monções mais fortes transformaram o Saara em verdejante e úmido, e secas intensas tomaram o Sudoeste americano.

Muitas espécies e ecossistemas se adaptaram às mudanças que não lhes convinham simplesmente migrando para os pólos. Os ursos polares sobreviveram, presumivelmente porque encontraram refúgios gelados o suficiente no Ártico para mantê-los. O calor levou as florestas de carvalhos, eucaliptos e nogueiras dos Apalaches para o norte, para o interior de Nova York, e enviou hipopótamos, elefantes e outros animais tipicamente africanos para o norte, pela Europa.

Infelizmente, nossas cidades, estradas, fazendas e cercas do Antropoceno agora bloqueiam as futuras rotas de migração, e enquanto nosso excesso de dióxido de carbono penetrar no oceano, não haverá lugar para onde as criaturas marinhas com conchas possam migrar à medida que a água do mar se acidificar.

Além disso, os gases do efeito estufa que emitirmos no cenário mais moderado aquecerão a Terra por um período mais longo do que o interglacial típico, na ordem de 100 mil anos.

Esse cenário da melhor hipótese é perturbador, mas a história da Terra nos mostra que a alternativa é inaceitável. Se queimarmos todas as reservas restantes de carvão, petróleo e gás ao longo do próximo século ou dois, nós poderemos gerar uma estufa mais extrema e duradoura, assim como a que ocorreu há cerca de 56 milhões de anos: o Máximo Térmico do Paleoceno-Eoceno, ou MTPE.

Diferente dos interglaciais relativamente brandos causados pela inclinação e órbita da Terra, o MTPE transformou fundamentalmente o planeta. Especialistas especulam que ele foi provocado pela atividade vulcânica no Oceano Atlântico, degelando o pergelissolo (solo permanentemente congelado), derretimento dos hidratos de metano ou uma combinação de fatores como esses. Seja lá o que tenha causado o MTPE, ele lançou trilhões de toneladas de dióxido de carbono no ar e nos oceanos. As temperaturas médias globais subiram 5ºC ou mais, provocando a extinção de espécies que gostam de frio e habitat do planeta. Com concentrações de dióxido de carbono várias vezes maiores que as atuais, uma combinação de aquecimento e acúmulos de ácido carbônico nos oceanos exterminou muitas das criaturas do fundo do mar e dissolveu minerais e conchas.

O aumento espetacular do MTPE durou vários milhares de anos. O Oceano Ártico se tornou um lago tépido e salgado cercado por florestas de decíduas. A Antártida foi coberta de florestas de faias e tão chuvosas que o escoamento de lodo cobria o oceano ao redor. Se degelássemos o planeta de modo semelhante de novo, o nível global dos mares subiria acima de 60 metros verticais.

Muitas descrições do MTPE se concentram em seu começo e pico para ilustrar o aquecimento atual, mas esse foi apenas o primeiro capítulo em uma história muito mais longa. O que sobe também desce, e o perfil de temperatura do MTPE lembra um escorregador de playground infantil, com uma escada íngreme até o topo e uma descida mais longa à medida que o dióxido de carbono era absorvido pela água do mar, rochas e sedimentos, em uma recuperação que durou mais de 100 mil anos. No topo desse escorregador, as temperaturas alternavam de quente a frio em um período dramático de "chicotada climática".

Do ponto de vista das gerações futuras, a chicotada e o subsequente resfriamento que ocorreria após nosso pico térmico poderia ser tão desafiador quanto o aquecimento. Espécies e culturas que se adaptaram a séculos de elevação da temperatura, recuo do gelo e avanço do nível dos mares terão que enfrentar novos tipos de mudança ambiental em reverso. Por exemplo, quando as temperaturas globais começarem a cair, os oceanos continuarão a inchar pois o clima ainda será quente o bastante para a continuidade do derretimento das calotas polares por milhares de anos. Aqueles que viverem durante esse período longo e estranho enfrentarão uma elevação do nível dos mares e um resfriamento global ao mesmo tempo.

Nós não estamos apenas aquecendo o planeta, mas também construindo e demolindo mundos artificiais no futuro. O pico térmico de uma reprise do MTPE poderia durar muitos milhares de anos, o suficiente para futuras culturas e habitat se tornarem mais velhos que a Babilônia, e o suficiente para uma Terra estufa parecer normal para centenas de gerações. Mas a chicotada climática acabará puxando o tapete sob os pés de nossos descendentes. Nesse futuro distante, não restará mais combustíveis fósseis para queimar visando sustentar a estufa artificial, e apenas uma fração reduzida, tolerante ao calor, da diversidade biológica e cultural atual permanecerá para enfrentar uma era de resfriamento global que pode vir a durar até meio milhão de anos, bem mais do que toda a história dos humanos anatomicamente modernos até hoje.

Uma troca da energia fóssil finita para fontes de energia renováveis mais limpas é inevitável: nós estamos apenas decidindo como e quando fazê-lo. Isso é o que os líderes mundiais e autores de políticas discutirão na Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima que terá início em Paris, na segunda-feira. Grande parte do dano ambiental que já causamos foi não intencional, mas agora que a ciência expôs nosso papel nele, uma nova dimensão foi adicionada às nossas ações. A recente encíclica do papa Francisco sobre o meio ambiente deixa claro que continuar queimando carbono de forma imprudente representa pecar contra as gerações futuras e nossa própria dignidade moral.

Como pioneiros do Antropoceno, somos uma força da natureza altamente poderosa e podemos realizar grandes coisas se não apenas aprendermos o que é cientificamente verdadeiro, mas também fizermos o que é moralmente certo. O papa Francisco nos diz que "é muito nobre assumir o dever de cuidar da criação". Como um cientista do clima que acolhe uma ação internacional para tratar da mudança climática, eu digo de coração "Amém" a isso.

Curt Stager é um professor de biologia do Paul Smith's College e autor de "Deep Future: The Next 100,000 Years of Life on Earth", ou "Futuro profundo: os próximos 100 mil anos de vida na Terra", em tradução livre, ainda não lançado no Brasil