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Com aquecimento global, cidades terão de lidar com enchentes constantes

Equipes de resgate retiram moradores de Carlisle durante enchente em dezembro de 2015 - Paul Ellis/AFP
Equipes de resgate retiram moradores de Carlisle durante enchente em dezembro de 2015 Imagem: Paul Ellis/AFP

Em Carlisle, Inglaterra

17/09/2016 18h17

Depois que essa antiga cidade fortificada foi atingida por uma terrível enchente em 2005, seus habitantes se reconfortaram com o fato de que aquele era o tipo de dilúvio que só acontece uma vez a cada 200 anos.

Mas a enchente voltou quatro anos depois. E de novo no inverno do ano passado, quando a tempestade Desmond trouxe um volume de chuvas nunca antes visto, transformando estradas em rios, campos em lagos e salas de estar em lagoas.

“Eu realmente senti que corríamos o risco de morrer”, afirmou Jonathan Bryant, que saiu com dificuldade de dentro do carro – ajudando a esposa, Diane, os dois filhos e o gato da família – depois que foram atingidos por uma enxurrada que os obrigou a enfrentar mais de meio quilômetro dentro da correnteza até chegaram em casa, debaixo de uma chuva torrencial, com ventos de quase 100 quilômetros por hora e na escuridão da noite.

Em muitos lugares, a ameaça do aquecimento global ainda parece distante, ou mesmo teórica. Mas esse não é o caso nessa cidade de 74 mil habitantes no extremo noroeste da Inglaterra, onde um dos rios ficou com um volume de água 30 vezes maior que o normal no ano passado.

Cerca de 2.000 residências e 500 empresas foram danificadas ou destruídas pela enchente e, em julho, milhares de pessoas ainda não conseguiam voltar para casa.

Algumas das escolas do município foram inundadas e uma das maiores empresas da cidade, a fábrica de biscoitos McVitie, foi obrigada a fechar as portas durante quatro meses, após ser atingida pelo equivalente a 38 milhões de litros de água, segundo estimativas.

Os habitantes da cidade temem que a fábrica feche as portas para sempre caso seja inundada outra vez. E o temor não é exagerado.

7.dez.2015 - Imagem fornecida pela polícia de Cumbria, na Inglaterra, mostra as inundações na cidade de Carlisle. A tempestade Desmond, que atingiu o Reino Unido no fim de semana, provocou enormes inundações e deixou 60 mil casas sem eletricidade no noroeste da Inglaterra, onde o Exército foi mobilizado para ajudar - Cumbria Police/EFE - Cumbria Police/EFE
Inundação em Carlisle em dezembro de 2015; tempestade Desmond deixou 60 mil casas sem eletricidade na região
Imagem: Cumbria Police/EFE

Ao longo da última década, a cidade precisou reconstruir algumas áreas mais de três vezes. Como boa parte dos imóveis e da infraestrutura data da Era Vitoriana, ou do início do século XX, elas se tornaram mais frágeis com o tempo.

Os cientistas estimam que o aquecimento global aumente em 40 por cento as chances de tempestades como a Desmond nessa região da Grã-Bretanha, embora as estimativas sejam incertas.

“O que aconteceu em Carlisle – séries de chuvas fortes e supertempestades – é exatamente o que devemos esperar do clima no futuro”, afirmou Colin Thorne, cientista especializado em rios da Universidade de Nottingham. “Por isso, não devemos ficar surpresos caso isso aconteça”.

“Encontrar uma forma de lidar com as tempestades e enchentes é uma tarefa que vai ocupar boa parte das cidades do planeta”, afirmou.

Essa cidade de classe média é especialmente vulnerável porque sempre teve um clima bastante chuvoso, e também porque fica no encontro de três rios, com muitas casas construídas em planícies alagadiças.

Carlisle já tentou várias soluções. Depois das enchentes de 2005, o governo ampliou e estendeu as barreiras de contenção, plantando salgueiros em alguns pontos com o objetivo de desacelerar o fluxo da água e estabilizar as margens dos rios.

Mas agora, dezenas de habitantes, furiosos e desencorajados pelas circunstâncias, se uniram para tomar o controle das defesas contra enchentes das mãos do governo. Recentemente, propuseram que uma nova instituição independente formada por especialistas, cidadãos e autoridades do governo fizesse a gestão dos rios e da área da bacia hidrográfica.

Eles defendem que o rio seja drenado em alguns lugares e que pontes sejam construídas, buscando na Holanda ideias para resolver a situação.

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AFP

As autoridades ambientais do governo afirmam que entendem a frustração dos habitantes, mas também afirmam que não há formas de eliminar todos os riscos, ou proteger contra todas as enchentes.

Um dos maiores problemas é o custo. A Agência Ambiental nacional alocou 25 milhões de libras para a proteção contra enchentes em Carlisle, além de outros 43 milhões de libras para o condado de Cumbria, de um total de 919 milhões investidos em todas as áreas afetadas pelas enchentes dos últimos tempos.

Daniel Johns, diretor de adaptação do Comitê do Aquecimento Global, um grupo de assessoria independente do governo britânico, afirmou que gastar no controle de enchentes era importante, mas não era uma solução.

“Esse controle só vai oferecer um nível limitado e cada vez menor de proteção”, afirmou Johns.

Algumas vítimas das enchentes se perguntam se faz sentido continuar vivendo em Carlisle, em vista das enchentes constantes.

“Eu não quero voltar. Mas vou voltar. Tenho que voltar”, afirmou Christine McBride, antiga habitante de Carlisle que agora está em um apartamento alugado enquanto sua casa é reformada. Ela tentou vender sua casa, mas acabou desistindo porque o risco de enchentes tornava a venda muito difícil.

A casa de Christine também foi inundada em 2005, acrescentou, e ela achou que as autoridades do governo estavam sendo excessivamente cautelosas quando disseram que ela deveria sair de casa em dezembro. Quando a água começou a entrar, ela pediu ao filho para ir embora.

“As pessoas que não tiveram a casa inundada acham que é legal receber todas essas coisas novas. Mas não é. E eu não consigo dormir direito, sempre pensando no que fazer no futuro”, afirmou.

Em um pub na cidade, os habitantes dizem que gostariam de seguir com a vida, mas estão tendo dificuldade.

O pub, que reabriu as portas recentemente depois de ser reformado, fica na Warwick Road, uma rua repleta de latões de lixo amarelos cheios de tijolos, isolamento térmico, e até mesmo refrigerados, que foram destruídos pela enchente. As janelas das casas esvaziadas pelas vítimas das enchentes estão empoeiradas em sem luz. Faixas azuis foram amarradas nos troncos dos velhos carvalhos da rua a quase dois metros de altura, marcando o nível que a água atingiu.

Muitos habitantes deslocados pela enchente afirmam que ainda se sentem deprimidos e desencorajados quando têm que passar mais uma noite em uma casa alugada. Muitas companhias de seguro enviaram as famílias para o Hotel Crown & Mitre, no centro da cidade.

Oito meses depois, algumas vítimas ainda vivem lá. Outras estão vivendo em casas alugadas, ou se mudaram e estão na casa de parentes.

A família Bryant se mudou três vezes desde dezembro e agora está e uma casa que fica mais de 300 metros acima do nível do mar. Eles não vão mais voltar à casa afetada pela enchente nos arredores da cidade.

No início deste mês, a família Bryant foi dar uma olhada na casa pela primeira vez em muitos meses. O chão estava úmido; as paredes tinham perdido o reboque; os fios elétricos pendiam do teto. Tudo parecia abandonado.

Quando Bryant observou a velha cozinha, seus olhos se encheram de lágrimas.

“A gente fica emocionado quando volta. Todas as memórias voltam. Nós perdemos tudo.”

Ela enxugou as lágrimas e sorriu, “bom, agora é bola pra frente”.

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New York Times