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Jardins verticais de SP compensam apenas 23% das árvores desmatadas

Trabalhadores da Prefeitura finalizam parede verde na Avenida 23 de maio - Cris Faga/Fox Press Photo
Trabalhadores da Prefeitura finalizam parede verde na Avenida 23 de maio Imagem: Cris Faga/Fox Press Photo

Paula Moura

Do UOL, em São Paulo

03/05/2017 17h54

O muro verde da avenida 23 de maio e os jardins verticais do Minhocão, construídos como compensação ambiental, correspondem a apenas uma pequena fração das árvores desmatadas. O verde dessas paredes seria equivalente a 22,7% das 856 árvores cortadas pela empresa Tyshman Speyer na zona sul de São Paulo.

Para o cálculo, foi usada uma estimativa de área em folhas do muro verde e de árvores realizada pelo professor de botânica da USP (Universidade de São Paulo), Marcos Buckeridge.

Segundo o Secretário do Verde e Meio Ambiente, Gilberto Natalini, o muro da 23 de Maio terá 10 mil m² de área verde. No Minhocão, como parte do mesmo Termo de Compensação Ambiental de um terreno desmatado no Morumbi, foram construídos 4 mil m² de jardins verticais.

A gestão João Doria (PSDB), que resolveu usar a parede no corredor Norte-Sul, afirma que a decisão de autorizar muros verdes foi da administração de Fernando Haddad (PT). Já o governo da gestão anterior questiona o uso do muro verde em área onde é possível o plantio de árvores e fica próximo a área verde. 

Buckeridge comparou a área dos jardins com a copa da espécie Tipuana tipu, que representa 90% das árvores em ruas e vias da cidade. Considerando uma árvore com 36 m² de diâmetro, há aproximadamente 21.800 folhas. Como cada folha tem 140 cm², a área de folhas é igual a 300 m².

Numa parede verde de 36 m², são quatro estratos de folhas com bem menos espaço vazio do que na copa das árvores, diz o botânico. Em 36 m² de parede verde, são aproximadamente 150 m² de folhas.

"A conclusão é que 1 m² de árvore equivaleria a 2 m² de parede verde", diz Buckeridge. Uma árvore, portanto, equivale a 72 m² de parede verde em folhas. Assim, 14 mil m² de jardins verticais equivalem a 194,4 árvores, o que representa apenas 22,7% das 856 árvores cortadas pelo empreendimento.

Em 2012, durante a gestão de Gilberto Kassab, o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) previa a plantação de 26.281 mudas de árvores, no valor de cerca de R$ 13 milhões, em quatro parques lineares na zona sul (Horto do Ipê, Paraisópolis, Morumbi Sul e Itapaiuna). O termo foi alterado em 2015, já na gestão de Fernando Haddad.

Captura de carbono

Em termos de captura de carbono, a diferença é muito maior, pois a árvore tem um tronco embaixo dela onde guarda carbono, explica o professor da USP. Uma tipuana de 60 anos, como as da cidade, pesa cerca de 20 toneladas, sendo 5,6 toneladas de carbono acumuladas apenas no tronco. Isso resulta em 93 kg de carbono por ano.

Se em um primeiro momento, o muro verde tem mais folhas que mudas de árvores. Já em 10 anos, as árvores ultrapassam em muito a captura de carbono, critério analisado para a compensação ambiental."

Além disso, enquanto as plantas da parede verde apenas engrossam um pouco seu caule e trocam as folhas, as árvores são capazes de armazenar carbono em seu tronco e isso eleva sua vantagem. A massa das plantas das paredes verdes é muito pequena.

"Em relação ao carbono, as paredes verdes perdem de longe para as árvores, pois as primeiras são predominantemente folhas, que são partes das plantas que possuem bem mais água (98% em média) e por isto relativamente pouco carbono".

A conclusão do botânico é que paredes verdes --usadas tanto na gestão Fernando Haddad quanto na gestão João Doria-- não deveriam ser usadas como única compensação ambiental.

Para Buckeridge, as paredes verdes têm um apelo estético indiscutível, mas a prioridade para a cidade deve ser a arborização, pois São Paulo tem um déficit de 150 mil árvores. “Árvores, muro verde e telhados verdes podem conviver e formar corredores com parques”, avalia. “Mas somente as árvores podem ser parâmetro para a compensação”.

2.mai.2017 - Jardins verticais no Minhocão - Ernesto Rodrigues/Folhapress - Ernesto Rodrigues/Folhapress
Jardins verticais no Minhocão, onde se iniciou a compensação ambiental
Imagem: Ernesto Rodrigues/Folhapress

"Prefeitura não vai fazer outros muros verdes como compensação"

“Há uma deliberação da Prefeitura, da atual gestão, de que não haverá mais TCA (Termo de Compensação Ambiental) destinada a esse tipo de empreendimento”, diz Natalini. “Não que os empreendimentos não deverão existir. As paredes verdes são importantes, são bonitas, têm suas qualidades. Mas elas não deverão ser mais financiadas por dinheiro de compensação ambiental”.

Em relação à falta de proporcionalidade da compensação ambiental feita com muros verdes em lugar de árvores, Natalini diz que não haveria como descontinuar a decisão tomada na gestão de Haddad sob risco de ter problemas jurídicos que paralisariam as obras.

Questionado se a lei da compensação vai ser alterada, o secretário afirmou: “Não tem decreto, tem a minha palavra e acho que isso vale mais do que qualquer decreto”. A CPI da Compensação Ambiental na Câmara de Vereadores, em que foi relator em 2015, considerou que jardins verticais não podem ser usados como compensação ambiental.

Já Rodrigo Ravena, secretário do Verde e Meio Ambiente da gestão petista, avalia que a compensação planejada para ser feita no Elevado João Goulart, conhecido como Minhocão, não deveria ser realizada onde é possível plantar árvores. “[As paredes verdes] foram aprovadas apenas para os prédios no entorno do Minhocão”, diz.

“Oficialmente foi a gestão Haddad que aprovou a parede vertical como forma de compensação ambiental e ela foi pensada e aprovada para o corredor do Minhocão, porque lá não tem onde plantar, só por isso”, diz Ravena. “A 23 de Maio está grudada no Ibirapuera, não faz o menor sentido compensar ambientalmente nada”, ressalta, apontando que seria possível plantar árvores no canteiro central da via.

Natalini, atual secretário do Verde e Meio Ambiente, afirma que a decisão da gestão atual foi a de criar paredes verdes em áreas públicas, como os muros da 23 de Maio, e não em áreas privadas, caso dos prédios do Minhocão.

2.mai.2017 - Tipuana na Alameda Jaú - Almeida Rocha - Almeida Rocha
Tipuana na Alameda Jaú. 90% das árvores viárias de São Paulo são dessa espécie
Imagem: Almeida Rocha

Custo e questão da água

Outra grande questão é a água. Enquanto a árvore libera umidade no ambiente e ajuda a absorver água do solo e evitar enchentes, as paredes verdes precisam ser irrigadas constantemente para sobreviver.

“Assumindo que cada árvore libera 400 litros de água na evapotranspiração por dia, são 146 mil litros por ano”, diz Buckeridge. Com 650 mil árvores viárias na cidade, são 95 trilhões de litros por ano ou 7.900 litros por habitante por ano. Isso equivale a 15% da vazão do rio Pinheiros e mais ou menos 3,3% do rio Tietê. 

A árvore usa água da chuva e ajuda a segurar água no solo, ajudando a evitar enchentes. Já as paredes verdes dependem de irrigação. Uma muda custa cerca de R$ 150, mais o serviço para plantar e ela vai ficar lá. Segundo cálculo do mestre em botânica Ricardo Cardim, o custo de implantação da parede verde chega até a R$ 891 por m².

“Decidimos calcular porque as pessoas não conseguem ver que não há proporcionalidade”, diz Cardim, que considera as paredes verdes “pacientes na UTI” por precisarem de cuidado constante. Ele trabalhou com Buckeridge redigindo artigo sobre o tema.

Árvore oferece mais que captura de carbono

Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), as árvores são capazes de reduzir a temperatura em 2ºC a 8ºC. Além disso, oferecem sombra e liberam substâncias que formam as nuvens.

Elas capturam poluentes do ar e estudo de 2013 mostra que apenas em Nova York, a retirada de material particulado da atmosfera representaria uma economia de US$ 60,1 milhões e evitado a morte de 7,6 habitantes em um ano.

Trabalho de 2015 da faculdade de medicina de Exeter, no Reino Unido, concluiu que pessoas que vivem em cidades arborizadas têm menor tendência ao estresse e à depressão.

A cidade de São Paulo hoje teria uma média estimada de 0,6 árvore por habitante, mas com uma distribuição heterogênea que varia de praticamente zero no Itaim Paulista (0,06 árvores por habitante) até um máximo de cerca de duas no Butantã.