Terras onde mulheres atuam têm florestas mais preservadas do mundo
As comunidades tradicionais e terras indígenas onde as mulheres atuam guardam as florestas mais preservadas do mundo. Um estudo global conduzido pela Right and Resouces Initiative (RRI) mostrou que 25% de todo carbono estocado na vegetação do planeta estão nesses territórios – o que faz do combate ao desmatamento uma arma poderosa contra as mudanças climáticas.
Essa equação mostra que, na luta contra os efeitos de um planeta mais quente, as mulheres têm um papel fundamental. Ao mesmo tempo, também são elas que mais sofrem com os impactos das mudanças climáticas.
"As mulheres sempre foram responsáveis pela produção de alimentos, por buscar a água, pelo uso de ervas medicinais. As mudanças climáticas desequilibram esses recursos naturais, com os quais as mulheres se relacionam diretamente para cuidar da família", afirma Cunningham.
Paradoxalmente, porém, a elas muitas vezes é vetado o poder de decisão para impedir a ocorrência desses impactos. "Em muitas comunidades, as filhas mulheres não têm sequer o direito a herdar a terra dos pais. Quando não há filho homem na família, a terra fica para o irmão da mãe", narra Rukka Sombolinggi.
Atualmente, Sombolinggi chefia a maior organização indígena do mundo, que representa mais de 2 mil comunidades da Indonésia, mas deixa claro que é um caso raro. Quando nasceu, sua mãe já tentava reconquistar a liderança feminina da comunidade indígena de Sulawesi, perdida após a chegada dos colonizadores e da religião.
Ajuda internacional
É nesse contexto que a advogada ambiental Nonette Royo assumiu a direção de uma iniciativa internacional inédita para garantir o direito à terra para populações indígenas e comunidades tradicionais. Inaugurado nesta semana em Estocolmo, o International Land and Forest Tenure Facility vai oferecer financiamento a comunidades locais que buscam reconhecimento legal de suas terras, e tem uma missão estratégica: promover a igualdade entre homens e mulheres.
Não por acaso, o centro tem sua base na Suécia, país onde mulheres comandam metade dos ministérios. "O objetivo também é dar voz e poder a elas", diz Royo.
O novo centro se propõe a financiar os custos do processo de reconhecimento legal de território, conforme a lei de cada país. Na prática, ele pode, por exemplo, pagar advogados, mapeamentos ou estruturar estudos sob o pedido de uma determinada comunidade.
Iniciativa controversa
O projeto foi considerado arriscado inicialmente por alguns especialistas. A questão da propriedade de terras é de alçada governamental de cada país, e o centro foi concebido para apoiar diretamente lideranças locais, sem passar pelo crivo de governos.
"Houve muito ceticismo, e organizações foram contrárias. Mas se empresas privadas buscam capital externo, o governo empresta dinheiro no mercado internacional, por que a sociedade civil não pode ter a mesma possibilidade? Por que os cidadãos teriam menos direitos que as corporações?", questiona Andy White, da RRI.
A Fundação Ford e a Agência Sueca de Desenvolvimento Internacional (Sida, na sigla em inglês) são, por enquanto, os únicos doadores do centro. Com o orçamento de 10 milhões de dólares para seus primeiros dez anos de atividade, a prioridade é o apoio a comunidades na África, Ásia e América Latina.
Carin Jämtin, diretora da Sida, justifica o apoio financeiro como uma estratégia de combate às mudanças climáticas e a favor do desenvolvimento das mulheres nas comunidades.
"Garantir o direito à posse de terra para indígenas e populações tradicionais é importante, pois eles protegem a floresta, como diversos estudos já comprovaram", argumenta. "As mulheres são protagonistas nesse papel – e igualdade de gênero é um ponto importante na nossa agenda", complementa.
Para a Fundação Ford, trata-se de uma questão de justiça social. "Fortalecer os direitos das comunidades locais e indígenas de manejar suas florestas é uma forma de combater a desigualdade, a pobreza e as mudanças climáticas, os maiores desafios do nosso século", justifica Darren Walker, diretor da fundação.
Brasil ficou de fora, mas tudo mudou
Há quatro anos, a RRI iniciou um programa piloto em seis países para testar a viabilidade de um centro dessa natureza. O Brasil ficou de fora da lista. "Naquela época, a avaliação era que o Brasil estava num caminho certo em reconhecer os direitos de indígenas e comunidades tradicionais", detalha White.
"Obviamente, as coisas mudaram, e houve muitos retrocessos quanto à legislação ambiental. O desmatamento voltou a ser uma ameaça, e os direitos indígenas foram reduzidos", lamenta. A expectativa agora é que projetos junto a liderança brasileiras surjam em breve, por meio de organizações parceiras que atuam no país.
As experiências em Mali, Peru, Indonésia, Camarões, Libéria e Panamá mostraram que, com a terra devidamente reconhecida, as comunidades ficam mais fortes para evitar invasões e atividades ilegais – o que diminui conflitos e o desmatamento, conservando a floresta e o estilo de vida tradicional das populações.
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