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Amazônia: 2.500 processos, potencial de R$ 5 bi e nenhuma condenação final

Área desmatada e queimada em Lábrea, no Amazonas - Edmar Barros/Futura Press/Estadão Conteúdo
Área desmatada e queimada em Lábrea, no Amazonas
Imagem: Edmar Barros/Futura Press/Estadão Conteúdo

Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

09/09/2019 04h01

Resumo da notícia

  • Projeto do MPF contra queimadas ilegais na Amazônia gerou mais de 2.500 processos
  • Indenizações que ações judiciais em curso podem somar passam de R$ 5 bilhões
  • Procurador acredita que condenações devem começar a ocorrer a partir de 2020

Uma das principais iniciativas para punir quem desmata ilegalmente a Amazônia já gerou 2.539 ações na Justiça desde 2017, mas nenhuma condenação em última instância. Quatro estados concentram a maior parte dos processos: Mato Grosso, Pará, Rondônia e Amazonas.

A elaboração das ações é um trabalho do Amazônia Protege, projeto do MPF (Ministério Público Federal) criado como uma resposta aos crescentes índices de desflorestamento na região.

Ele é feito com base nos desmatamentos registrados por satélite pelo Prodes (Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal), do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

A primeira ação foi levada à Justiça em 8 de novembro de 2017. A mais recente é de 17 de maio. Ou seja, foram preparadas 141 ações por mês em um período de um ano e meio, o que dá praticamente cinco por dia. No total, o MPF cobra dos 2.882 réus o valor de R$ 5,1 bilhões em indenizações.

Os processos se baseiam em dados de desflorestamento registrados entre agosto de 2015 e julho de 2017. "O número de ações coincide com os estados com maior desmatamento", afirma o procurador Daniel Azeredo, um dos integrantes do MPF no Amazônia Protege.

Madeireira é alvo de 63 ações

Entre os processados, há empresas e pessoas físicas. O maior réu é a Manasa Madeireira Nacional, alvo de 63 ações. O segundo maior é Iglisson Fraitag de França, um homem que sofre 57 processos por desmatamentos ilegais. A reportagem procurou ambos, mas não conseguir falar com eles. O espaço permanece aberto para que se manifestem sobre os casos.

Para identificar os réus, o projeto cruza as imagens de satélite com autos de infração e laudos do Ibama, dados do CAR (Cadastro Ambiental Rural), do Incra e da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário.

Os valores de indenização decorrentes do desflorestamento são calculados em função do tamanho da área devastada. A intenção é que o dinheiro seja revertido para o Ibama e o ICMBio, órgãos de fiscalização federal.

Os processos também exigem a recomposição do terreno e a autorização judicial para a apreensão e a destruição dos bens que impeçam a regeneração da floresta no local.

Em parte dos processos, o réu é considerado incerto por causa da impossibilidade de identificar quem praticou o desflorestamento. Um dos objetivos do MPF em casos como este é bloquear a área devastada e evitar sua regularização fundiária para impedir que ela seja explorada economicamente.

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Expectativa é que punições saiam até o começo de 2020

Há outras iniciativas do MPF contra o desmatamento na Amazônia, como os processos criminais e o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) da Carne, que envolve os frigoríficos na tentativa de impedir a compra de carne oriunda de áreas devastadas. O Amazônia Protege, porém, reúne a maior parte das ações do órgão com este sentido.

O MPF trabalha na montagem de um sistema para acompanhar o andamento dos processos do projeto em todas as instâncias da Justiça. Segundo Daniel Azeredo, há alguns casos do Amazônia Protege com condenações nas primeiras instâncias, porém os réus estão sendo citados e há possibilidade de recursos.

"No primeiro julgamento que a gente teve de réu incerto, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região indeferiu, não aceitando essa tese jurídica, o que tem nos preocupado. Ainda cabe recurso. Entendemos que é uma tese acertada e esperamos reverter. Nos demais casos, em que os réus são identificados e que são a maioria, houve alguns problemas pontuais na Justiça Federal, mas na grande maioria das varas as ações estão sendo processadas normalmente".

Apesar da falta de sentenças finais, ele avalia que o tempo de tramitação dos processos ainda é aceitável. "Considerando a importância do tema, a gravidade da questão para o país e para o mundo, as ações deveriam ter um tratamento prioritário no âmbito do Poder Judiciário e um andamento célere. Mas não dá para dizer que está fora do normal", diz o procurador, que atua na Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF.

"Um prazo de dois anos, dois anos e meio é razoável para que a gente tenha as punições", avalia Azeredo. Levando-se em conta que as primeiras ações do Amazônia Protege completarão dois anos em breve, a expectativa é que as condenações comecem a sair entre o fim deste ano e o primeiro semestre de 2020.

Queimada perto de Humaitá, no Amazonas - Ueslei Marcelino - 17.ago.2019/Reuters - Ueslei Marcelino - 17.ago.2019/Reuters
Queimada perto de Humaitá, no Amazonas
Imagem: Ueslei Marcelino - 17.ago.2019/Reuters

Desmatamento em terras públicas e impunidade

Pesquisadora da região, a diretora de ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Ane Alencar, chama a atenção para o fato de grande parte do desflorestamento ser realizada em áreas públicas. "Isso é grilagem de terras, um dos piores tipos de corrupção e que afeta diretamente as taxas de desmatamento. São pessoas se apropriando ilegalmente de terras do patrimônio brasileiro", afirma.

"É uma questão de meio ambiente e de patrimônio público. Essas terras públicas pertencem a toda sociedade brasileira. Elas têm um valor ambiental relevante, mas também um valor financeiro extremamente alto. E o poder público não pode permitir que uma parcela de criminosos se aproprie de um patrimônio que é de todos", ratifica o procurador Daniel Azeredo.

Ane alerta para a necessidade de condenações a fim de se combater o desmatamento. "É a hora de se mostrar que a Justiça tem um poder. Existe realmente a necessidade de se punir as pessoas que fazem as coisas contra a lei".

Operações realizadas pelo MPF nos últimos anos procuraram provar que os crimes ambientais estão associados a crimes financeiros. "São crimes como lavagem de dinheiro, crimes tributários, falsificação de documento e corrupção de servidor público. O desmatador consegue facilmente tirar documentos públicos e se inserir na cadeia produtiva do mercado. Ele não é punido e ainda lucra com a atividade", comenta o procurador.

Enquanto as ações do Amazônia Protege tramitam na Justiça, o Ministério Público Federal prepara mais uma fase do projeto. As cópias digitalizadas das imagens das queimadas de 2019 foram pedidas ao Inpe. A nova etapa, que resultará em novas ações judiciais, deve ser lançada ainda neste ano.