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Fazendeiros que ateiam fogo na Amazônia não são "vilões", apenas pobres, afirmam políticos

Victor Moriyama/Greenpeace
Imagem: Victor Moriyama/Greenpeace

por Fábio Teixeira

12/09/2019 14h25

Fazendeiros que vivem ao longo da Rodovia Transamazônica, na região de Humaitá, uma cidade rural no interior da Amazônia, prefeririam não usar o fogo para limpar as áreas florestais que utilizam para plantio ou criação de gado, afirmam políticos locais.

Mas sem equipamentos pesados necessários para remover a vegetação, os agricultores, especialmente os mais pobres, têm poucas opções além das queimadas para alimentarem suas famílias - um dos motivos pelos quais os incêndios deste ano têm sido tão numerosos, dizem as autoridades locais.

"O número de queimadas aumentou", declarou o vereador de Humaitá, Antônio Carlos Almeida, à Thomson Reuters Foundation. Mas os habitantes de áreas próximas à cidade "precisam plantar para sobreviver", por isso têm poucas alternativas, disse ele.

Essa é uma opinião comum na cidade de 55.000 habitantes, no nordeste do estado do Amazonas - uma das áreas mais afetadas pelas queimadas e fumaça este ano.

No mês passado, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) revelou que o número de incêndios na Amazônia este ano foi o maior desde 2010. E, em agosto, pelo quarto mês consecutivo, o desmatamento aumentou em relação ao ano passado, informou na última sexta-feira.

Humaitá está entre os 20 principais municípios no país com mais hectares desmatados no período de janeiro a agosto, de acordo com dados do INPE.
A Amazônia - a maior floresta tropical do mundo - absorve o dióxido de carbono responsável pelo aquecimento global, estimula as chuvas na América do Sul e é considerada fundamental para conter as mudanças climáticas mundiais.

Uma reação internacional contra o aumento de incêndios este ano acabou levando o presidente Jair Bolsonaro a decretar que os militares trabalhassem na extinção das chamas.

Mas há muito tempo as queimadas têm sido uma ferramenta fundamental na expansão agrícola na Amazônia, com fazendeiros incendiando florestas ou terras já exploradas para prepará-las para o plantio ou transformá-las em pasto.

Sete vereadores de Humaitá entrevistados pela Thomson Reuters Foundation afirmaram que consideram a pobreza existente na região como a principal causa dos incêndios que estão consumindo a Amazônia.

As queimadas particularmente intensas deste ano demonstram a contínua falta de apoio ao desenvolvimento em cidades como Humaitá, disseram eles.

"INTERFERÊNCIA"

Bolsonaro não escondeu seu descaso para com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, conhecido como IBAMA, criticado como um impedimento ao desenvolvimento do país.

Desde a posse do presidente em janeiro, o orçamento do IBAMA foi reduzido em um quarto, de acordo com dados internos do governo obtidos pelo PSOL e compartilhados com a Reuters.

A nova liderança no IBAMA também dificultou o trabalho do instituto na contenção da extração ilegal de madeira, da agricultura e da mineração, atividades que dizimaram aproximadamente 12.000 km² da Amazônia este ano, disseram ex-funcionários e funcionários atuais à Reuters.

Assim como Bolsonaro, alguns políticos de Humaitá veem as queixas internacionais sobre o desmatamento no Brasil como uma interferência nos assuntos do país.

O vereador Ivo Dias Azevedo crê que órgãos internacionais querem tomar o controle da floresta.

Outros vereadores não compartilham dessa opinião, mas afirmaram que a população local não tem condições de se manter sem recorrer a práticas prejudiciais ao meio ambiente.

Eles dizem que o apoio ao desenvolvimento sustentável - do governo brasileiro ou de organizações internacionais - raramente chega até comunidades como Humaitá.

"Eu entendo que as queimadas estão demais, mas a gente precisa de uma política que favoreça a gente. Nosso povo vive na miséria", disse o vereador Russell Lello de Miranda.

Ele acredita que a comunidade internacional rotulou injustamente os fazendeiros de "vilões", ignorando que a maioria só quer sobreviver.

Queimadas iniciadas por fazendeiros pobres são comuns, mas o aumento deste ano se deve a quadrilhas criminosas que estão desmatando grandes áreas florestais para expandir terras para a agricultura, afirmou o procurador federal Daniel Lobo, que atua na cidade amazônica de Porto Velho.

"O grande desmatamento é normalmente resultado de uma ação de grupos organizados. Exige recursos, custa dinheiro", disse Lobo, que participa de uma força-tarefa ambiental na região amazônica.

Na Amazônia, o desmatamento é legal apenas quando autorizado pelo IBAMA, mas a prática é generalizada.
Para agravar o problema, disse Lobo, fazendeiros historicamente têm falsificado documentos para dar uma ideia de legalidade à apropriação de terras pertencentes ao governo.

TENSÕES

Apesar de fazer parte do estado do Amazonas, Humaitá está fisicamente mais próxima da capital do estado vizinho de Rondônia, o que a faz ser frequentemente ignorada por seu próprio governo estadual, disseram os vereadores.

Ela se situa entre três cidades onde ocorreram os incêndios deste ano, o que compromete a saúde dos moradores locais.

"Você vai caminhar na beira do rio à noite e quase não dá pra respirar" por causa da fumaça, disse o vereador João Aragão.

O relacionamento entre os moradores de Humaitá e os grupos e agências ambientais é tenso, e conflitos já ocorreram no passado. O mais recente envolveu outra atividade prejudicial ao meio ambiente: a mineração de ouro.

Ao longo do Rio Madeira, que atravessa a cidade, barcos dedicados ao garimpo ilegal de ouro são uma visão corriqueira. Eles revolvem o solo do rio em busca de ouro, interferindo nos sistemas naturais e na vida selvagem.

Em outubro de 2017, agentes federais destruíram alguns barcos de mineração. Como protesto, garimpeiros atearam fogo à sede do IBAMA em Humaitá.

Cinco meses mais tarde, o prefeito da cidade, Herivaneo Vieira de Oliveira, foi preso por envolvimento no protesto, mas logo foi libertado. Ele se recusou a dar entrevista alegando estar "por fora" do assunto das queimadas, pois havia acabado de voltar de uma viagem de 10 dias.

Seu secretário de gabinete, Elias Pereira, disse que a cidade fez o possível para combater os incêndios, e que não observou um aumento fora do comum para essa época do ano.

Ele afirmou que a prisão do prefeito em 2018 foi um erro, explicando que na ocasião ele havia apenas cumprimentado os garimpeiros que protestavam, antes que eles atacassem o prédio federal. O prefeito não participou do ataque, disse Pereira.

Joel Guerra, vereador de Humaitá, crítico de Bolsonaro, acredita que as mudanças serão poucas na cidade em termos de queimadas, mesmo após a reprovação internacional aos incêndios.

Segundo ele, os fazendeiros se sentem encorajados pelo presidente.

"É só esperar: o ano que vem vai ser a mesma coisa. Vai ser quatro anos disso", disse ele.