Eles curtem 'bons drinques': animais consomem álcool - e sequer tem ressaca
Colaboração para o UOL
03/11/2024 05h30
Seres humanos aperfeiçoaram ao longo de milênios o seu gosto por beber, como mostram arqueólogos que já encontraram resquícios de vinhos de quase 2.700 anos no Oriente Médio. Mas não estamos sozinhos: um grupo de cientistas liderados por especialistas da Universidade de Exeter, no Reino Unido, encontraram evidências de que animais também consomem álcool.
O que aconteceu
Animais consomem álcool regularmente por meio de frutas doces e néctar. Leveduras naturais do ambiente seriam responsáveis pelo processo de fermentação do açúcar em etanol, demonstrou o estudo publicado no periódico Trends in Ecology and Evolution, na quarta (30).
Álcool está presente naturalmente em quase todos os ecossistemas da Terra. Segundo os cientistas, que revisaram evidências de outros trabalhos para chegar a esta conclusão, frutos naturalmente fermentados costumam chegar a uma concentração de apenas 1% a 2% de álcool por volume, mas já foram localizadas concentrações de até 10,3% em frutos de palma maduros no Panamá. A maior parte das cervejas no mercado tem um teor de 3% a 5%.
A substância se tornou abundante na Terra há cerca de 100 milhões de anos. Foi quando plantas com flores passaram a gerar frutos adocicados que o processo de fermentação natural se tornou comum. Por isso, cientistas não acreditam que o consumo do álcool por animais seja raro ou exclusivo aos humanos como se pensava anteriormente.
Sem ressaca
Macacos levam a melhor sobre os homens. Ao contrário dos humanos, os animais evoluíram e se tornaram capazes de metabolizar o álcool sem alteração de consciência ou ressaca no dia seguinte, acreditam os cientistas. Especialmente pássaros, primatas e musaranhos (pequenos mamíferos que lembram esquilos) se tornaram geneticamente mais eficientes nesta missão.
De uma perspectiva ecológica, não é vantagem estar inebriado enquanto você escala uma árvore ou está rodeado de predadores à noite -- esta é uma receita para não ter seus genes passados adiante.
Matthew Carrigan, da Faculdade da Flórida Central, em comunicado à imprensa.
Álcool ainda teria outros benefícios, como ganho calórico e proteção para algumas espécies. Apesar de não estar claro ainda para o grupo de estudiosos se os animais são capazes de identificar e intencionalmente procurar o etanol, concluiu-se que algumas espécies que o consomem se guiam pelo cheiro do álcool para encontrar fontes de alimentos.
Moscas de frutas ainda depositariam seus ovos em substâncias que contêm etanol. O álcool protegeria seus ovos de parasitas e suas larvas aumentariam seu consumo alcoólico quando são parasitadas por vespas. Os cientistas já trabalham com novas hipóteses, mas acreditam que seja necessário aprofundar a pesquisa para chegar a novas explicações para o consumo da substância.
Ideias já surgiram que o etanol possa desencadear um sistema de endorfinas e dopaminas, que leva a sensações de relaxamento que poderiam ter benefícios em termos de sociabilidade. Para testar [esta hipótese], precisaríamos saber se o etanol está produzindo uma resposta fisiológica na natureza selvagem.
Anna Bowland, autora principal, da Universidade de Exeter, em comunicado.
Entre os animais mais "beberrões" encontrados pelos cientistas estão chimpanzés. A espécie selvagem do sudeste da Guiné foi flagrada por câmeras ingerindo grandes quantidades de seiva de palmeiras de ráfia. Macacos-aranha da ilha Barro Colorado, no Panamá, também são grandes consumidores de álcool através da fruta de cajá amarelo.
Vespas orientais podem ser único animal capaz de "beber até (quase) cair". Cientistas liderados por Eran Levin, da Universidade de Tel Aviv, concluíram em estudo publicado no início de outubro que o inseto tolera soluções de etanol com até 80% de concentração sem prejuízos para o seu comportamento ou risco de vida.
Nem todos podem ser "duros na queda"
Há relatos, contudo, de animais que ficam bêbados. Segundo uma reportagem do jornal britânico The Guardian, são conhecidas as histórias de elefantes e babuínos inebriados por marula em Botswana e até de um alce que ficou com a cabeça presa em uma árvore da Suécia depois de comer muitas maçãs fermentadas. Em nenhum destes casos, a quantidade de álcool presente nas frutas, no organismo dos animais e a tolerância deles ao etanol foi medida.
Pegos no flagra no Brasil. O estudo nota que já foram registrados acidentes fatais em voo com picoteiro-americano, um passarinho que parece ser fã do fruto bem maduro da aroeira-vermelha. O excesso de álcool pode ter sido responsável pela morte depois da batida em cercas e outras estruturas.
Um drinque para curar as mágoas. Machos de moscas de frutas tenderiam a consumir mais álcool depois de serem rejeitados por fêmeas; enquanto fêmeas de outra espécie de moscas se tornariam menos exigentes na escolha dos parceiros depois de "beber", apontaram relatos ouvidos ainda pela reportagem do The Guardian.
Macacos serão melhor investigados. O time de Anna anunciou que planeja investigar as consequências sociais e comportamentais do consumo por primatas, além de como a substância é metabolizada por enzimas em seu organismo.