Faxineiros da savana: por que os abutres evitam mortes e salvam bilhões

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Essenciais para a saúde ambiental de países da África, os abutres evitam epidemias, limpam carcaças e geram economia bilionária, mas estão à beira da extinção.
O que aconteceu
De vilões a heróis, os abutres passaram a ser reconhecidos por seu papel vital na prevenção de surtos de doenças. Eles são os necrófagos mais eficientes do planeta, localizando e devorando carcaças em poucas horas. Esse comportamento impede a proliferação de bactérias perigosas como Bacillus anthracis, Clostridium botulinum e Mycobacterium bovis.
Ao devorarem carniça, os abutres protegem a saúde pública e o meio ambiente. Eles evitam que os restos atraiam chacais, cães selvagens e ratos, que podem espalhar doenças para humanos e rebanhos. Isso reduz o risco de epidemias zoonóticas, como raiva, peste bubônica e leptospirose.
A economia também depende da presença dessas aves. Um relatório da BirdLife International estima que, sem os abutres, comunidades africanas teriam que gastar fortunas com coleta de carcaças, vacinação e tratamentos médicos. Só na África Austral, os serviços prestados por essas aves valem até US$ 1,8 bilhão ao ano.

Suco gástrico
O estômago dos abutres é uma arma natural contra pandemias. Com pH entre 0,2 e 1,0, o suco gástrico desses animais destrói patógenos letais como Salmonella e vírus da raiva. Segundo a National Geographic e um estudo da Universidade de Copenhague, até o DNA de bactérias perigosas é degradado durante a digestão dessas aves.
Isso os torna barreiras sanitárias únicas. Enquanto outros animais adoeceriam ao consumir carniça contaminada, os abutres digerem sem absorver toxinas. Sua presença é um escudo biológico que protege toda a cadeia ecológica.
A crise dos abutres já é visível em vários países africanos. No Quênia, Botsuana e África do Sul, episódios de envenenamento em massa se repetem, com centenas de aves mortas ao ingerirem carcaças contaminadas, segundo a BBC. Caçadores ilegais usam o veneno como estratégia para não serem rastreados pelos fiscais ambientais.
Organizações locais tentam conter o colapso. A sul-africana VulPro mantém centros de reabilitação e promove solturas monitoradas, além de ações educativas. Já a BirdLife treina moradores no leste africano para proteger ninhos e relatar riscos com agilidade.
Nos anos 1990, a Índia viveu um colapso semelhante. O uso veterinário do diclofenaco — fatal para abutres — dizimou 97% da população local, com cerca de 12 milhões de aves mortas após comerem bois tratados com o remédio. A consequência foi um surto de raiva e o aumento de cães de rua.
O custo sanitário foi bilionário. Segundo estudo publicado na revista Ecological Economics, o governo indiano gastou mais de US$ 34 bilhões em ações para conter a crise. Especialistas temem que países da África estejam prestes a repetir esse cenário.

Risco de extinção
Os abutres estão entre os vertebrados mais ameaçados do planeta. Segundo a IUCN, seis das onze espécies africanas estão classificadas como "criticamente ameaçadas". Venenos usados para abater predadores acabam atingindo os abutres, que morrem aos milhares ao consumir carcaças contaminadas.
O desaparecimento dessas aves desequilibra todo o ecossistema. Sem necrófagos, a decomposição de grandes herbívoros, como gnus e zebras, acelera e atrai vetores de doenças. Isso afeta também predadores e até o ciclo das plantas, como apontou um estudo na revista Science. Por isso eles são conhecidos como "faxineiros da savana" pelos ambientalistas.
A conservação virou urgência sanitária. A African Wildlife Foundation atua em múltiplas frentes para salvar os abutres na África. A ONG combate o envenenamento deliberado feito por caçadores ilegais, treina patrulheiros ambientais locais, promove campanhas educativas sobre o valor ecológico das aves e apoia a criação de áreas protegidas em parceria com comunidades. Também trabalha para mitigar a perda de habitat e de fontes de alimento, agravadas pela expansão agrícola e pela construção de infraestruturas como linhas de energia.
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