Javalis invadem lavouras e geram prejuízos em MG; espécie não é brasileira

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Considerada exótica e invasora, uma espécie europeia de javali já se espalhou por quase 400 cidades de Minas Gerais, causando perdas nas lavouras, destruição de nascentes e ameaça à fauna nativa.
O que aconteceu
Presença do javali-europeu (Sus scrofa) em Minas Gerais preocupa produtores, sindicatos e autoridades do setor. Segundo a Seapa-MG (Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento), os maiores impactos ocorrem nas regiões do Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba, noroeste e Sul do estado — áreas com forte produção agropecuária.
O javali foi classificado como praga agrícola durante audiência pública em abril, na ALMG (Assembleia Legislativa de Minas Gerais). "É sabido por todos nós que o javali é uma praga que destrói as nossas plantações, entre elas, soja, milho e cana", afirmou durante a audiência Ebinho Bernardes, vice-presidente do Sistema Faemg Senar (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais e Serviço Nacional de Aprendizagem Rural). Ele alerta que o problema atinge desde pequenos até grandes produtores e compromete a sustentabilidade da produção.
Prejuízos se concentram em áreas próximas à vegetação nativa. Osny Zago, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Sacramento e do Núcleo dos SPRs (Sindicatos dos Produtores Rurais) do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, acrescenta que os javalis acessam as plantações por APPs (Áreas de Preservação Permanente) e reservas legais. "O javali acessa as lavouras por essas áreas protegidas, inviabilizando o plantio. Muitos já migraram para culturas menos atrativas", relatou.
Fauna, solo e nascentes também são afetados. Zago afirma que os animais reviram o solo, comprometendo nascentes e contaminado águas. "Nos municípios de Sacramento e Conquista, os mananciais de captação para abastecimento já estão comprometidos. A água bruta está com alta turbidez e contaminada por verminoses", disse. Ele também denuncia que ninhos de aves nativas, como perdizes e codornas, estão sendo destruídos.
Reprodução acelerada
Oito filhotes por ninhada. Segundo estudos da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo, o javali atinge a maturidade sexual com menos de um ano, tem em média oito filhotes por ninhada e pode gerar até 32 crias em quatro anos. Eles andam em bando e percorrem até 300 quilômetros por dia, sem predadores naturais no Brasil. A União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) considera o Sus scrofa uma das cem piores espécies invasoras do mundo.
Primeiros javalis chegaram ao Brasil no final da década de 1980, vindos do Uruguai ao Rio Grande do Sul. Segundo estudo publicado pela revista Natureza & Conservação, nos anos 1990, criadores passaram a importar javalis da Europa e do Canadá para fins comerciais. O Ibama suspendeu as autorizações em 1998, mas muitos animais escaparam ou foram soltos, formando uma população silvestre que se espalhou por todo o país.
Crescente presença dos chamados javaporcos. Além dos javalis, Brasil também abriga esses híbridos de javali europeu com porco doméstico. Eles já estão mais adaptados ao ambiente brasileiro e são ainda mais prolíficos, resistentes e difíceis de conter.
O Ibama classifica javalis e javaporcos como espécies exóticas invasoras. Desde 2013, o manejo deve ser autorizado e registrado no Simaf (Sistema Integrado de Manejo de Fauna). A Instrução Normativa nº 3/2013, atualizada pela nº 12/2019, prevê regras específicas para a contenção da espécie.

Mobilização comunitária
Plano piloto busca conter avanço em áreas sensíveis. A Semad (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável) e o IEF (Instituto Estadual de Florestas) desenvolveram um plano local de controle na região do Parque Nacional da Serra do Cipó. A ação inclui mobilização comunitária e educação ambiental, e poderá ser replicada em outras regiões. O IEF também mapeia a presença do javali e participa da formulação do novo Plano Nacional de Prevenção e Controle do Javali.
PL 1.858/2023 tenta regulamentar o manejo em Minas. O projeto em tramitação na ALMG autoriza o controle populacional do javali em todas as suas formas, linhagens e graus de cruzamento. O Sistema Faemg Senar apoia o texto, mas propôs ajustes. A proposta foi debatida em audiência pública com pesquisadores, vereadores, secretários municipais e representantes de órgãos públicos.
Falta de política nacional agrava o problema. Para produtores e sindicatos, o governo federal é omisso. "O Ministério da Saúde ainda não atentou para os riscos à saúde pública. O Ministério da Agricultura ignora os danos à lavoura. E o Ibama segue dificultando o trabalho dos manejadores", criticou Zago.
Produtores afirmam que os CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) seriam os principais agentes de contenção hoje, atuando com recursos próprios. Mas estariam enfrentando entraves para obter autorização do Ibama. Zago defende que o javali seja oficialmente classificado como praga biológica e o termo "controle" seja substituído por "manejo" para facilitar a atuação dos caçadores registrados.
Ministério da Saúde diz que monitora, mas risco é incerto. Em nota ao UOL, o Ministério da Saúde informou que coordena o Comitê Interinstitucional de Uma Só Saúde e que reconhece a possibilidade de transmissão de zoonoses por javalis. Mas ressaltou não haver estudos que quantifiquem esses riscos. A Pasta também afirmou que a prevenção da leptospirose segue centrada no controle de roedores, embora o javali possa ser exposto à bactéria Leptospira spp.
Ibama e Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária) foram procurados, mas não responderam. A reportagem questionou ambos os órgãos sobre ações de controle, emissão de licenças e política nacional. Até a conclusão do texto, não houve retorno.
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