União Europeia se prepara para um possível longo divórcio com o Reino Unido

Os nervos estão à flor da pele em Bruxelas, a menos de três semanas do referendo britânico sobre a permanência do país na União Europeia. Evidentemente é a hipótese do “Brexit” que mais assusta: os dirigentes europeus temem uma deflagração, um golpe brutal naquilo que resta da utopia europeia, e o início de um esfacelamento, com outros países podendo também exigir sua “independência”.
Para além dessas considerações políticas, uma saída do Reino Unido transformaria completamente a agenda europeia.
Os departamentos jurídicos do Conselho Europeu e da Comissão estudaram com afinco as diferentes opiniões. E há relativamente poucas delas. Os britânicos deverão sair, e depois negociar uma nova relação comercial e política com seus parceiros. A tarefa promete ser imensa.
O processo de “divórcio” só pode começar quando o primeiro-ministro britânico tiver enviado um pedido de ativação do Artigo 50 do tratado da União Europeia ao presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk. Esse artigo, uma “cláusula de retirada voluntária e unilateral” que até hoje nunca foi ativada, foi adicionada ao tratado de Lisboa, em 2009.
“Talvez a carta já esteja pronta na mesa de David Cameron, e ele a envie já no dia 24 de junho pela manhã. Mas se a situação política em Londres estiver confusa, se ele tiver de deixar seu cargo, isso pode levar várias semanas, ou até meses”, sugere uma fonte diplomática europeia. É a Comissão, munida de um mandado dos 27 Estados-membros, que negociará o divórcio.
Milhares de detalhes a acertar
O que deverá ser separado ou dividido, na prática? Centenas, milhares de legislações em comum. Os regulamentos da UE, de aplicação imediata nos países-membros, serão anulados no Reino Unido, que deverá substituí-los por outros textos, nacionais, para evitar os vácuos jurídicos.
Os 28 Estados-membros também deverão negociar as condições do fim da participação dos britânicos no orçamento da UE, a partilha das propriedades conjuntas (os prédios do Conselho, da Comissão, em Bruxelas e outros lugares).
Milhares de detalhes deverão ser acertados, sobretudo por Londres: pagar o lucro-cessante dos agricultores britânicos, dos laboratórios de pesquisas etc., uma vez que cesse o dinheiro da UE, criar agências de regulação nacionais, já que o país não estaria mais sujeito às decisões das cerca de 30 agências executivas que atuam em nome da Comissão (como a autoridade europeia de segurança alimentar etc.).
O que será dos funcionários da UE britânicos? Segundo oficiais europeus, um acordo respeitável deverá ser encontrado sem grandes problemas para os funcionários já recrutados. Será preciso negociar pagar seus salários em 27 Estados e não mais 28 e acertar o financiamento de suas pensões. Mas a princípio está fora de cogitação que eles saiam. Em compensação, o concurso para funcionário público só voltaria a ser aberto aos britânicos a partir do pronunciamento da separação.
E sobre os processos em andamento? As investigações antitruste, que levam anos para serem concluídas? O que acontecerá se um mandado de prisão europeu for emitido dois dias antes da separação? Tudo isso deverá ser resolvido também, e em dois anos, como prevê o Artigo 50. Esse prazo pode ser renovado, mas precisará da unanimidade entre os 27 membros do Conselho.
Enquanto o divórcio não for oficializado, o Reino Unido continua sendo membro da União Europeia. Seus ministros têm participado de diversos conselhos ministeriais europeus realizados em Bruxelas, salvo quando dizem respeito às cláusulas da separação. Os eurodeputados britânicos continuam a atuar no Parlamento europeu. O comissário britânico, Jonathan Hill, continua em seu cargo. E nada impediria o Reino Unido de presidir a União Europeia, durante seis meses, no segundo semestre de 2017, como está previsto há anos.
Uma vez pronunciado o divórcio, o mais urgente para o país, que agora é considerado como um “país terceiro” por não ter mais acesso ao mercado interno, será construir uma nova relação com a União Europeia.
“O comércio não vai ser interrompido de um dia para outro, mas as empresas de serviços e as indústrias britânicas perderão seu acesso privilegiado ao mercado interno. Elas pagarão os direitos alfandegários integrais. Os bancos perderão o passaporte europeu para se instalarem e operarem em toda a UE”, explica Jean-Claude Piris, jurista e ex-oficial europeu.
Renegociar bilateralmente
Por enquanto, o departamento jurídico de Bruxelas pende a favor de que essas novas negociações sejam dissociadas do processo de separação. Mas certos países ao Norte, inclusive a Alemanha, estariam recomendando negociações paralelas.
Será que Londres optará por um simples acordo de livre-comércio? Ou por um acordo de associação mista, com uma parte comercial e de cooperação política, seguindo o modelo dos que foram assinados com a Turquia, a Ucrânia, a Albânia, a Suíça ou a Noruega?
As negociações entre Bruxelas e Londres levarão anos, pelo menos quatro a seis anos, e mobilizarão dezenas ou até centenas de especialistas, sobretudo em Londres. Se ainda quiser se beneficiar das dezenas de acordos assinados entre a UE e os países da Ásia, da América Latina ou da África (tarifas alfandegárias reduzidas, cooperações judiciárias etc.), o Reino Unido também deverá renegociá-los bilateralmente.
E se os britânicos votarem pela permanência? Bruxelas dará um grande suspiro de alívio, esperando retomar seu funcionamento como se nada tivesse acontecido.
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