A mesquita da Universidade Al Eman é maior do que um campo de futebol, um armazém imenso, com paredes de tijolo de cimento, telhado de zinco e iluminação industrial. Nas sextas-feiras, mais de 4.000 homens vêm orar, alinhando-se pelas marcas no carpete verde, que dão apenas o espaço suficiente para a pessoa prostrar-se para Meca.
A devoção da multidão transmite uma mensagem poderosa de fé e solidariedade. A maior parte usa as roupas nacionais tradicionais, vestes e lenços bordados para iemenitas e árabes, hábitos tribais para alguns africanos, quepes de prece de crochê para asiáticos.
Esta universidade, que tem o tamanho de uma cidade, foi fundada em 1993 pelo xeque Abdul Majid Al-Zindani, líder espiritual venerado, conselheiro teológico de Osama Bin Laden e co-fundador do principal partido da oposição iemenita, Islah. Em 2004, o Tesouro dos EUA colocou Zindani em uma lista de "terroristas globais especialmente designados", suspeito de patrocinar a Al Qaeda e outros grupos terroristas. A própria universidade é um bom símbolo das complicações do Iêmen, de sua necessidade de encontrar um equilíbrio entre o islamismo conservador e um envolvimento crescente com os EUA.
O pregador na internet nascido nos EUA Anwar Al-Awlaki teve aulas e deu palestras aqui em 2004 e 2005, quando um jovem nigeriano, Umar Faouk Abdulmutallab -que depois tentou explodir um avião sobre Detroit no dia 25 de dezembro- estava em Sanaa estudando árabe. Não há provas de que eles se encontraram na época, ou até mesmo no último verão, quando Abdulmutallab fez uma visita antes de partir para os campos de treinamento da Al Qaeda, onde provavelmente encontrou Awlaki; a escola nega que eles tenham se conhecido no campus.
John Walker Lindh, americano que foi capturado lutando pelo Taleban no Afeganistão em 2001, estudou nesta universidade antes de combater os americanos. Em geral, a universidade é vista como um centro para ideias jihadistas.
Apesar de a universidade alegar que as palestras são apenas para os alunos, a mesquita é aberta a todos os muçulmanos.
A universidade tem mais de 4.000 alunos, oferece aulas sobre o islã e disciplinas ocidentais, e algumas vezes tenta mesclar os dois. O xeque Zindani usa uma longa barba pintada. Estima-se que tenha 59 anos e é conhecido por seu esforço para provar que o Alcorão previu as descobertas científicas ocidentais. Além disso, Zindani alegou ter curado a Aids. Um de seus livros, mal traduzido para o inglês, apresenta tabelas sobre o estômago ruminante bovino, fotossíntese e outras descobertas científicas, e foi chamado "Signs & Mericals of Prophet Messenger, Peace be Upon Him" (sinais e milagres do profeta mensageiro, paz esteja com ele).
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Hood Abu Ras, que administra a universidade do xeque Zindani, nega que Abdulmutallab esteve lá, ou que algo aconteça em Al Eman além de estudos universitários. "Os EUA jamais produziram qualquer prova do envolvimento do xeque Zindani em atos terroristas?" perguntou. Quanto à Al Qaeda na Península Arábica, com uma aliança de agentes sauditas e iemenitas, ele disse: "Recebe mais propaganda do que merece."
O próprio xeque disse em recente conferência com a imprensa que se opunha às forças estrangeiras no Iêmen. "Aceitamos a cooperação em uma estrutura de respeito e de interesses comuns e rejeitamos a ocupação militar de nosso país", disse ele, acrescentando: "Os governantes do Iêmen e o povo devem tomar cuidado antes que um protetorado seja imposto sobre eles" por estrangeiros.
Ele foi ainda mais direto nas preces de sexta-feira em outra mesquita, quando advertiu de um complô americano para ocupar o Iêmen, baseado em uma conferência em Londres marcada para dia 28 de janeiro.
"O pedido do Reino Unido para uma conferência internacional sobre o Iêmen tem como meta pavimentar o caminho para uma resolução do Conselho de Segurança da ONU para aprovar a ocupação do Iêmen e colocá-lo sob um mandato da ONU", disse Zindani enquanto os adoradores gritavam "Não à ocupação!" Ele disse que a chamada "guerra ao terror" de Washington é de fato "uma guerra contra o islã", de acordo com a Al Jazeera.
Após o sermão, o líder falou a um repórter da Al Jazeera: "Os assessores de Obama recomendaram que, se o governo do Iêmen fracassasse, eles deveriam ocupar a costa do Iêmen e dominar os recursos de petróleo. Para que é essa concentração de militares em nossos mares? Seria justificável realmente pela pirataria? Ninguém acredita nisso."
Zindani não é fã do envolvimento americano no mundo muçulmano e defendeu a jihad. Começou com milhares de muçulmanos, muitos deles do Iêmen, que, como ele, ouviram o chamado para combater a União Soviética no Afeganistão. A aliança deles com o Taleban na época foi considerada uma coisa boa e o próprio Bin Laden lutou contra os soviéticos.
Contudo, a reação ao Afeganistão, incluindo a criação da Al Qaeda, também atingiu o Iêmen. Zindani, que tem considerável peso político e moral, falou contra o terrorismo, mas o presidente do Iêmen, Ali Abdullah Saleh, não conseguiu fazer Washington remover o xeque da lista terrorista. Até um alto diplomata disse que o xeque "tinha mantido a cabeça baixa nos últimos anos", após ter entrado com uma ação legal contra os jornais e jornalistas iemenitas em 2006 que publicaram partes censuradas dos cartuns dinamarqueses de Maomé.
Saleh, que preside o Iêmen há 31 anos, disse ao "New York Times" em junho de 2008 que governar o país é como "dançar com cobras". Zindani e sua marca conservadora de islamismo -o salafismo iemenita- tem forte apoio da Arábia Saudita e de um dos mais antigos aliados de Saleh, Ali Mohsen. São pilares do atual governo, apesar de Mohsen se opor à sucessão dinástica do filho de Saleh, Ahmed, à presidência.
Apesar do salafismo iemenita não ser tão militante quanto o saudita -o wahhabismo- Zindani estudou na Arábia Saudita e o perfil salafista é muito similar ao da Al Qaeda-conservador, anti-Ocidental, dedicado a purificar o islamismo e à volta às praticas da época do profeta Maomé.
Mohsen, general que atualmente está travando uma guerra contra a rebelião houthi no Norte, também recrutou milhares de iemenitas para combater os soviéticos no Afeganistão. Suas brigadas retornaram vitoriosas, e Saleh usou-as desde então para ajudar a derrotar o Sul, na guerra civil de 1994, e contra os houthis. Alguns guerrilheiros, é claro, migraram para a Al Qaeda e há imames aqui mais radicais que Zindani.
Quando o Iêmen do Norte e do Sul se uniram em 1990, Zindani aceitou o governo de Saleh e recebeu esta enorme área de terra do governo no limite oeste de Sanaa para a universidade -ao lado de uma base militar, que é o quartel de Mohsen. Há rumores que os alunos algumas vezes recebem treinamento militar, o que Abu Ras nega.
O alojamento, a alimentação e os cursos são gratuitos para os alunos, e há uma escola primária para seus filhos. Contudo, com o combate ao financiamento de grupos suspeitos de terrorismo pelo Departamento do Tesouro norte-americano, analistas iemenitas acreditam que a escola agora tenha menos dinheiro, tenha perdido ao menos 2.000 alunos e que haja menos comida no refeitório.
Ismail Al-Suhailyi, que ensinou ciências políticas na universidade por 13 anos, disse que o Ocidente precisa se concentrar no desenvolvimento econômico, não apenas na assistência de segurança. "De outra forma, as pessoas vão ver seu governo trabalhando apenas para os interesses americanos", disse ele.
"A Al Qaeda é parte do Iêmen, mas são apenas poucas centenas de pessoas", disse Suhailyi, defendendo maior diálogo com a Al Qaeda. "Espero que o governo americano trabalhe para resolver os problemas do lugar, em vez de se tornar parte do problema."
Tradução: Deborah Weinberg