Uma investigação divulgada esta semana pela WWA (World Weather Attribution) sobre como a mudança climática agravou as chuvas no Sudeste da África no início deste ano evidencia a complexa situação em que muitos países do sul global se encontram. No início de 2022, Moçambique, Madagascar e Malawi foram atingidos por três ciclones tropicais e duas tempestades tropicais em apenas seis semanas. O estudo de atribuição —como são chamadas as pesquisas que estabelecem relação entre eventos extremos e a crise do clima— foi capaz de atestar que as mudanças climáticas tornaram as chuvas extremas mais fortes e mais prováveis na região, mas não conseguiu determinar quantas vezes mais provável ou mais forte. Isso porque, segundo os pesquisadores, não há observações meteorológicas de qualidade nesta parte da África. Em outras partes do mundo, os cientistas têm sido capazes de quantificar a influência das mudanças climáticas em eventos extremos concretos. Essas análises têm sido usadas em processos judiciais contra governos e empresas produtoras de combustíveis fósseis. Os países africanos estão entre os mais severamente afetados pelas mudanças climáticas causadas principalmente pelos países ricos. E as nações africanas estão na linha de frente na busca por financiamento climático - recursos para promover a adaptação e o pagamento por perdas e danos decorrentes de eventos extremos. O apagão de dados dificulta essa reivindicação. O financiamento climático será o tema principal da próxima Conferência do Clima da ONU (COP27), em novembro, no Egito. Apagão de dados A tempestade tropical Ana, no final de janeiro, foi seguida pelo ciclone tropical Batsirai, que atingiu Madagascar no dia 5 de fevereiro. Durante as semanas seguintes, a região foi atingida pela tempestade tropical Dumako e pelos ciclones tropicais Emnati e Gombe. As tempestades consecutivas deixaram as pessoas com pouco tempo para reagir. Em Madagascar, Malawi e Moçambique, 230 pessoas morreram e mais de um milhão foram afetadas. A equipe que avaliou o papel das mudanças climáticas na frequência e intensidade desses eventos é formada por 22 cientistas climáticos de França, Madagascar, Moçambique, Países Baixos, Nova Zelândia, África do Sul, Reino Unido e EUA. Eles fizeram observações meteorológicas e simulações computadorizadas para comparar o clima de hoje, com 1.2°C de aquecimento global desde o final do século 19, com o clima do passado. Os resultados mostram que a chuva associada às tempestades tornou-se mais intensa pelas mudanças climáticas, mas a contribuição precisa da crise do clima não pode ser quantificada devido à ausência de registros históricos de chuva na região. Das 23 estações meteorológicas na área afetada em Moçambique, apenas quatro tinham registros relativamente completos desde 1981. Em Madagascar e no Malawi não há estações meteorológicas com dados adequados para o estudo. O aumento do investimento em estações meteorológicas em toda a África será fundamental para o entendimento do impacto do aumento das concentrações de gases com efeito de estufa no continente. "O reforço dos recursos científicos na África e noutras partes do sul global é fundamental para nos ajudar a compreender melhor os eventos climáticos extremos alimentados pelas mudanças climáticas e para preparar as pessoas vulneráveis e as infraestruturas para lidar com eles", explica o climatologista Izidine Pinto, da Universidade de Cape Town, e um dos autores da pesquisa. "Mais uma vez estamos a ver como as pessoas com menos responsabilidade pelas mudanças climáticas estão a suportar o peso dos impactos", lamenta Friederike Otto, do Imperial College London e autor principal da análise. "Os países ricos devem honrar os seus compromissos e aumentar o muito necessário financiamento para a adaptação, e para compensar as vítimas de eventos extremos impulsionados pelas mudanças climáticas com pagamentos por perdas e danos". |