A vitória de Gustavo Petro na Colômbia evidencia tanto o fortalecimento como o esverdeamento da esquerda na América Latina. A tendência foi inaugurada com a eleição de Gabriel Bóric, no Chile, há 6 meses, que assim como seu homólogo colombiano defende uma transição ecológica justa para uma economia de baixo carbono. Os dois entendem que o extrativismo mineral não será capaz de gerar o nível de riqueza, equidade e bem-estar agora exigidos em seus países. No caso da Colômbia, os desafios parecem ser maiores. Economista e pós-graduado na Bélgica em meio ambiente e desenvolvimento, Petro defende uma agenda econômica verde desde os anos 1990. Ele quer que a Colômbia abandone o caminho que vinha trilhando para se tornar um petro-estado, o termo que define países cuja economia é total ou muito dependente de combustíveis fósseis - Rússia, Venezuela, Angola e Kuwait, por exemplo. Hidrocarbonetos correspondem hoje a mais da metade das exportações colombianas e a pouco mais de 10% da receita do Estado. Em 2020, o país era o quarto maior exportador de carvão mineral do mundo, sendo também um importante fornecedor de petróleo e gás para os EUA. As hidrelétricas, fortemente dependentes de regimes de chuvas e clima estáveis, respondem por menos de 20% do mix de energia total e cerca de 70% do setor elétrico, segundo dados de 2019 da AIE (Agência Internacional de Energia). Apenas 3% do consumo de energia do país vem de fontes renováveis modernas, como solar e eólica. O plano de Petro prevê que os combustíveis fósseis atendam prioritariamente o mercado interno, deixando progressivamente de serem exportados. A política climática idealizada por ele também proibiria novos projetos de exploração, dando impulso às renováveis. "Três venenos: carvão, petróleo e cocaína. Esta é a forma como a Colômbia vem se relacionando com o mundo" Gustavo Petro em discurso de campanha no dia 16 de maio, defendendo uma diversificação na qual a agroindústria passaria a ter mais importância Uma parte da imprensa colombiana deu destaque ao argumento de que a proposta é suicida e irreal, mas ela é, em sua essência, o que cada país signatário do Acordo de Paris se comprometeu a fazer. E há um caráter econômico evidente em planejar o abandono de fontes de energia - sobretudo o carvão - que já estão condenadas pelo enfrentamento às mudanças climáticas. A política ambiental do próximo governo tem um lastro adicional: a vice-presidente, Francia Márquez. Ela se engajou na militância ambiental ainda na adolescência, quando a mineração e o garimpo de ouro avançaram sobre sua terra natal, La Toma, uma comunidade andina formada majoritariamente por descendentes da diáspora negra escravizada no país. O garimpo gerou contaminação em massa por mercúrio e o fortalecimento do crime organizado. Márquez, então uma jovem trabalhadora da mineração, percebeu que só poderia enfrentar esse quadro se soubesse a língua de seus adversários: o juridiquês. Em uma grande jornada educacional, que a levou a ser também uma militante pelo direito ao ensino superior público e gratuito, ela se tornou advogada e costurou a base de pressão política que levou o governo colombiano a banir o garimpo ilegal em La Toma e a impedir o desvio de um rio e realocação forçada de sua comunidade. Seu ativismo custou ameaças de morte, rendeu prêmios internacionais e a tornou um apoio político decisivo para Petro. "É necessário fazer uma mudança de economia extrativista para a produção. A Colômbia tem vários potenciais produtivos que precisam ser fortalecidos, entre eles o potencial agrícola. O campo colombiano, que tem cultivado a morte e a violência, precisa agora cultivar comida" Francia Márquez em sua primeira entrevista após a vitória eleitoral à emissora Caracol De todo modo, a distância entre propor e concluir uma transição ecológica na Colômbia é provavelmente maior do que os quatro anos de governo que a dupla terá pela frente. Alemanha e EUA também elegeram presidentes com agendas verdes ambiciosas e ambos falham até o momento em reduzir o papel dos combustíveis fósseis em suas economias. O desafio ficou maior depois das distorções no mercado de energia causadas pela guerra russa. PUBLICIDADE | | |