A Convenção Constitucional chilena, composta por 155 membros eleitos, aprovou esta semana uma proposta de novo texto constitucional, e ele tem potencial de colocar o país sul-americano na vanguarda global do combate às mudanças climáticas, ao menos em termos jurídicos. O documento define o Chile como um Estado "plurinacional, intercultural e ecológico" logo em seu primeiro artigo, menciona o mundo "ecológico" 17 vezes e é a primeira Carta do mundo a mencionar a "crise climática". "Os indivíduos e os povos são interdependentes com a natureza e formam com ela um todo inseparável. O Estado reconhece e promove o bem viver como uma relação de equilíbrio harmonioso entre as pessoas, a natureza e a organização da sociedade" 8º artigo da nova Constituição proposta Ela contrasta com a atual Carta, que se limita a consagrar apenas o "direito de viver em um ambiente livre de poluição". Como na Constituição brasileira, o direito ao "meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado" é contemplado na proposta, mas o texto chileno também obriga o Estado a "adotar uma administração ecologicamente responsável" e a proteger a "função ecológica e social da terra." Outra diferença marcante é a definição expressa do direito humano à água. Sob a ditadura de Augusto Pinochet, os recursos hídricos foram privatizados, gerando uma série de conflitos por escassez em um país extremamente vulnerável a estiagens severas. "Os problemas socioambientais foram uma parte importante das demandas que geraram o movimento para a criação de uma nova Constituição. Alguns dos constituintes são, inclusive, membros de comunidades afetadas ambientalmente", explica Ezio Costa, diretor executivo da Ong FIMA e porta-voz do movimento Aprova por Chile (Aprueba x Chile). "Com isso, a Convenção conseguiu chegar a um texto de vanguarda em matéria de meio ambiente e que está totalmente voltado à discussão do futuro e de como vamos enfrentar a crise climática." "Acredito que a questão mais controversa até agora tem sido a mudança no status da água no Chile. A autoridade será agora de uma Agência Nacional autônoma e nós não seremos mais o único país da OCDE sem gestão integrada de bacias hidrográficas", analisa a jurista Verónica Delgado Schneider, professora de Direito Ambiental e da Água da Universidade de Concepción. "Estas são mudanças positivas, mas complexas, especialmente se considerarmos que desde a Constituição de 1980 e o Código de Águas, existe um mercado de água, que agora desapareceria." Assim como a eleição de Gabriel Boric em dezembro de 2021, a nova Constituição é um desdobramento do processo político e institucional sem precedentes iniciado no Chile desde a convulsão social de 2019. Os protestos daquele ano obrigaram, inclusive, a uma transferência de última hora da Conferência do Clima da ONU (COP25) da então nova anfitriã Santiago, para Madri, na Espanha. A COP25 estava inicialmente programada para acontecer em Salvador (BA) e foi cancelada a pedido de Bolsonaro. A proposta de Constituição será debatida publicamente até o dia 4 de setembro, quando será submetida a um referendo nacional, chamado "Exit Plebiscite". Se aprovada, entrará imediatamente em vigor, substituindo a Carta escrita sob a ditadura Pinochet. Pesquisas recentes sugerem, no entanto, que a decisão será apertada. Há especulações de que muitos escolherão em função da avaliação do governo - e de Boric, em particular - e não do texto em si. O novo governo de esquerda se define como "ecológico" e está cumprindo a promessa de fechar as usinas a carvão e as chamadas "zonas de sacrifício" do país, área de intensa poluição por atividades extrativistas. Isso tem atraído forte oposição da indústria fóssil e da mineração e dos setores políticos conservadores. Além disso, o debate público sobre a Constituição tem sido alvo de uma escalada de desinformação por meio de redes sociais. Por isso, quando recebeu o documento na segunda-feira (4), Boric convidou os cidadãos a "debater intensamente sobre o alcance do texto, não sobre falsidades ou interpretações catastróficas que estão fora de contato com a realidade". Para Costa, há muitos desafios para concretizar os termos desta Constituição, mesmo se aprovada. "Este pode ser o começo de uma mudança de trajetória que vai requerer meios de implementação", afirma. "Há questões muito urgentes, como a redistribuição da água e a garantia de que todos terão acesso a este recurso, uma das primeiras medidas a ser executadas. Outras ações que dependem de criação adicional de um novo esquema regulatório, como no caso do controle da poluição dos diferentes setores da indústria." PUBLICIDADE | | |