Os cientistas climáticos estão sob intenso questionamento diante da magnitude da onda de calor no Hemisfério Norte que quebrou em cascata vários recordes de temperatura alta: China (44,2°C), Reino Unido (40,3°C), Holanda (39,5°C), Portugal (47°C), França (45,9°C), Tunísia (48°C), Irã (52°C), entre outros. Incêndios espontâneos inéditos na região metropolitana de Londres levaram à evacuação de casas, enquanto Espanha, Marrocos e França tiveram uma das temporadas de fogo mais violentas em décadas. Em maio e junho, Índia, Paquistão e Bangladesh já tinham passado pela mais longa, intensa e precoce onda de calor verificada na região, um fenômeno que foi tornado 30 vezes mais provável por causa da mudança climática. Os cientistas dizem há muito tempo que o aquecimento global causado pelas emissões de gases de efeito estufa tornaria as ondas de calor mais prováveis, frequentes e severas. O que surpreende, até mesmo os pesquisadores, é que muitos desses registros estavam previstos para ocorrer daqui a muitos anos. No caso do Reino Unido, o serviço nacional de meteorologia, Met Office, fez uma simulação em 2020 de como seria a previsão do tempo em 2050 se as emissões não fossem cortadas rapidamente. A imagem viralizou quando as mesmas temperaturas foram registradas na segunda-feira (18), quase três décadas antes. "Bem, eu não esperava ver isto em minha carreira, mas o Reino Unido acaba de ultrapassar a marca dos 40°C", afirmou Stephen Belcher, professor de meteorologia e chefe de Ciência e Tecnologia do Met Office. Se o previsto para meados do século ocorre agora, o que esperar do futuro próximo? A coluna Crise Climática conversou com a professora Friederike Otto, cientista climática do Imperial College London e co-líder da World Weather Attribution. Em meio a uma sequência ininterrupta de entrevistas desde a semana passada, Otto explica que temperaturas acima de 30°C já foram raras no Reino Unido e agora são banais, e que o mesmo pode acontecer com os verões de 40°C se as emissões não caírem rapidamente. Cínthia Leone: Se tornou viral uma montagem comparando uma previsão meteorológica simulada para 2050 pelo Met Office e as temperaturas que o Reino Unido registra agora. Como é possível uma lacuna tão grande entre o que os meteorologistas temiam para o futuro e o que está acontecendo muito antes disso? Os cientistas climáticos foram conservadores? Friederike Otto: Em geral não é correto dizer que os cientistas climáticos têm sido conservadores sobre eventos extremos - os cientistas climáticos advertiram que ondas de calor como estas chegariam se as emissões não fossem interrompidas. E é importante lembrar que o que estamos vendo esta semana ainda é incomum. Embora agora seja normal que os verões britânicos excedam 30°C, o que costumava ser incomum, o calor desta semana ainda é excepcional no clima atual: pode ter 1% de chance, ou menos, de acontecer a cada ano. Mas, à medida que as emissões de gases de efeito estufa continuarem aumentando, isto se tornará cada vez mais comum. Mas em alguns aspectos, a modelagem climática ainda não funciona muito bem na projeção de extremos em nível local. Na Europa, o calor tem sido geralmente pior do que os modelos climáticos têm projetado. Em outras partes do mundo, tem sido o oposto. Ainda há fatores locais que não entendemos completamente. Friederike Otto, cientista climática do Imperial College London e co-líder da World Weather Attribution CL: É verdade que a influência do fenômeno La Niña está contribuindo para tornar o verão um pouco menos quente do que seria sem sua interferência? Estaria mais ou menos quente agora se a influência fosse a do El Niño? Em nível global, os anos "La Niña" são geralmente mais frios e os anos "El Nino" são mais quentes, mas isto não é verdade em todos os lugares. Na verdade, os verões na Europa Ocidental podem geralmente ser um pouco mais quentes durante a influência de La Niña, o que poderia ser um fator que contribui para esta onda de calor, mas este é um efeito mínimo - se houver. Estes fenômenos têm muito pouca influência no clima europeu. No entanto, não há um El Nino forte há vários anos e o próximo pode levar a um ano excepcionalmente quente em todo o mundo. CL: É possível dizer que este é o verão mais frio dos próximos anos na Europa? Não. Este ainda é um verão excepcional, mesmo em um mundo que foi aquecido pelas emissões de gases de efeito estufa. É bem provável que os próximos verões não sejam tão quentes quanto o deste ano. E a história pode terminar aí se as emissões forem rapidamente interrompidas, com 2022 permanecendo como um verão excepcionalmente quente. Mas se a poluição do clima continuar, temperaturas como estas se tornarão, de fato, banais, e veremos extremos cada vez mais altos. PUBLICIDADE | | |